Injustiça e preconceito racial

Balanço da atividade parlamentar
01/08/2003 16:52

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A exclusão que o negro ainda sofre no Brasil e os (muitos) problemas das comunidades indígenas no País foram temas de diversos eventos realizados na Assembléia Legislativa, durante o primeiro semestre de 2003.

Da Redação



O Governo Federal redefiniu a linha de trabalho da Fundação Cultural Palmares, mas uma de suas grandes áreas de atuação deve ser a ação solidária, em conjunto com outros ministérios, segundo declarou o presidente da entidade, Ubiratan de Castro, durante encontro com militantes e representantes de movimentos negros, em 23 de maio, na Assembléia Legislativa.

"A desigualdade racial é um dos elementos que estruturam a pobreza no Brasil", afirmou Ubiratan. A reunião foi promovida pelo deputado Simão Pedro (PT) e contou com a participação do deputado Sebastião Arcanjo (PT).

Criada em 1988, a fundação vinculada ao Ministério da Cultura deve ter sua ação voltada para a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos relativos à influência negra. Outras questões de interesse da comunidade afro-brasileira devem ficar por conta da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Social, instituída em março pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva e comandada pela assistente social paulista Matilde Ribeiro.

Compreender o racismo

Historiador e professor da Universidade Federal da Bahia, Ubiratan de Castro considera que a fundação foi uma resposta menor do que a demanda do movimento negro, que ansiava por uma entidade que acolhesse todas as reivindicações, não apenas as culturais. Além disso, o problema das pequenas dotações orçamentárias se agravou durante o governo Fernando Henrique.

"No processo de redefinição da Fundação Palmares, é necessária a compreensão do racismo no Brasil", disse Castro. "Há um quadro de exclusão desde a abolição e, a partir de então, acumulam-se desfavorecimentos, responsáveis pela desigualdade e estratificação. Como os mecanismos de reprodução dessa desigualdade continuam a operar, é preciso agir com políticas de reparação. Cabe a nós intervir no combate ao racismo existente na produção cultural, lutando contra a invisibilidade na imprensa, avivando a identidade negra, mantendo tradições", afirmou. O presidente da Palmares entende, ainda, que devem ser tomadas providências para o fortalecimento de movimentos, comunidades, indivíduos e organizações governamentais e não-governamentais que trabalhem em prol da identidade negra e da preservação da memória em museus, universidades, associações culturais e bibliotecas.

Uma outra importante linha de ação, segundo ele, é informar toda a sociedade. Para isso, a idéia é utilizar a comunicação de massa, com a criação da rádio e TV Palmares. Com a obrigatoriedade no ensino fundamental e médio de matéria sobre a história e cultura negra, caberá à fundação articular os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, os quais, com recursos do CNPq e CAPS, atuarão na formação de professores.

Castro também pretende implantar gestão participativa na entidade. O projeto de diretrizes terá divulgação pela internet. Serão realizadas audiências públicas e constituídos grupos de consulta permanente. Em sentido imediato, Ubiratan informou que há ações envolvendo 50 comunidades quilombolas (descendentes de escravos que fundaram quilombos antes da abolição do regime escravocrata). Ele informa que, ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso, apenas 42 comunidades quilombolas foram tituladas e só três comunidades de terreiro conseguiram tombamento.

Regularização de terras

Além de não possuir a titularidade de suas terras - direito garantido pela Constituição Federal -, as áreas quilombolas enfrentam em seu território a invasão de latifundiários, madeireiras, usinas, entre outras empresas, além da sobreposição com unidades de conservação ambiental. O assunto foi discutido no dia 30 de maio, durante a audiência pública realizada no Plenário Teotônio Vilela que tratou da implantação de políticas para o reconhecimento dos direitos dessas comunidades.

O encontro foi organizado pelo deputado Renato Simões (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos, que dirigiu os trabalhos e entregou relatório sobre a situação dos povos indígenas no Estado de São Paulo. Eles também enfrentam problemas na titularidade de suas terras, vivem em extrema pobreza, sobrevivendo com dificuldades de infra-estrutura.

Mais de cem participantes lotaram o plenário, em sua maioria quilombolas. O deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) declarou que tanto os quilombolas quanto os índios têm legitimidade para cobrar do Governo Federal a demarcação de suas terras. "Temos um governo novo", lembrou, "com a obrigação de estabelecer um calendário da demarcação, de garantir o INSS e regulamentar outros direitos constitucionais."

Fizeram parte da mesa de discussões, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, da 6ª Câmara de Coordenadoria e Revisão do Ministério Público Federal, Pedro Ubiratan Azevedo, chefe da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário da Procuradoria Geral do Estado, Anselmo Gomieiro, diretor-adjunto de Recursos Fundiários do Instituto de Terras do Estado de São Paulo, e vários líderes quilombolas, sob a mediação de Michael Mary Nolan, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.

Andrea Butto, antropóloga, coordenadora do Programa de Ações Afirmativas do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), é responsável pela coordenadoria e monitoramento das políticas de gênero, raça e etnia, incluindo os indígenas e os quilombolas. Um dos objetivos do MDA, segundo Andrea, é promover a titulação de terras dessas comunidades, atribuição que, por decreto do governo anterior, foi transferida para a Fundação Palmares, sem dotação orçamentária nem corpo técnico para a tarefa. O ministério também pretende elaborar políticas agrárias e agrícolas específicas para esses povos.

"O que mudou?"

Uma das medidas concretas já foi anunciada pelo Governo Federal: abertura de crédito de até R$ 1 mil, com juros de 1% ao ano, para os que possuem renda não superior a R$ 2 mil. Por enquanto, essa destinação é apenas para as populações do nordeste, mas o MDA discute sua extensão a todo o país. Também fazem parte dos objetivos da atuação do ministério o fortalecimento da cidadania e a implantação de infra-estrutura adequada nessas comunidades. Assim que o ministério tiver novas atribuições, conforme afirmou Andrea, pretende realizar um censo das comunidades quilombolas, traçando, inclusive, mapa da situação fundiária dessas áreas em todo o país.

Pelos dados extra-oficiais, publicados no ano de 2000, existem, no Estado de São Paulo, 33 comunidades quilombolas. Com 800 habitantes, a Caçandoca é uma das maiores. Localizada no município de Ubatuba, ela ocupa uma área de 890 hectares. Estima-se que a população de quilombolas no país seja de 2 milhões de habitantes, distribuídos em 724 comunidades.

Os grupos de quilombolas presentes à audiência na Assembléia Legislativa representavam as comunidades do Vale do Ribeira, Litoral Norte e Sorocaba. Eles apresentaram poemas alusivos à liberdade e à luta pela terra. "Hoje temos nos quilombos o mesmo capitão-do-mato, os falsos políticos, a manipulação da própria igreja. O que foi que mudou na vida dos negros após a abolição?", pergunta Antonio dos Santos, líder do quilombo da Caçandoca.

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