UMA GOTA DE SUOR - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
26/10/2000 19:31

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Ontem, ao acordar, uma pergunta me ocorreu: no que poderei ser útil hoje?

Levantei e me vi entre milhares de pessoas. Um formigueiro humano que quase me desanimou. Afinal, eu era apenas mais um. Carros que lotavam as pistas em todas as direções; ônibus com pessoas penduradas; filas em bancos, restaurantes, elevadores; gente que não acabava mais. Cada um com sua personalidade, cheiro, dúvidas, crença, ambições... um universo de individualidades. Então, pensei em minha vocação e imaginei essa grande massa de pessoas exercendo as suas. Seria uma enorme energia canalizada, com resultados inimagináveis.

O padeiro, que queria ser bombeiro, acordaria nas chamas do entusiasmo e dormiria suavemente após um dia duro, em que teve que descer um gato de uma árvore. O farmacêutico manipularia caixas de remédio com a destreza de um malabarista de circo, fazendo as crianças gargalharem ao entrar em sua farmácia e elas esqueceriam os pesadelos das agulhas. Ah, o lixeiro.. este sim faria dos restos a sua obra-prima...

Tudo se transformaria. Os homens seriam super-homens e Nietzsche seria um profeta. O sentimento de potência estaria impregnado na vida de todos. Todos os trabalhos seriam finalizados com "toques especiais", as limitações seriam utopias e a transcendência da capacidade seria meta de vida.

A cooperação seria palavra de ordem e sua força impulsionaria o gigante estoque de vontade pelo trabalho que cada um traria consigo. Os jovens colocariam para fora, em um quase desabafo, todo o processo criativo que é peculiar desta fase. A alegria alavancaria as novas iniciativas e o sucesso seria um grande incentivador. Todos fariam as suas vontades.

Até que um dia, um entre tantos perceberia que o mundo tinha se transformado em um território terrivelmente especializado e estagnado, faltando assim, como dizia o poeta, "o sal da vida".

As pessoas teriam atingido o cume de uma montanha e se esquecido de olhar a paisagem que a rodeia. Não teriam enxergado os outros picos que existiam a sua volta, que pediam para ser alcançados. Haveria uma crise de valores. Uma escassez de erros e diferenças.

O meu dia terminou. Fui para casa entre milhares de pessoas que seguiam seus rumos em diversas direções. Ao deitar tive um sonho. Um sonho de trabalho, conquista e realização, que faz o indivíduo amar a sua pátria pelas oportunidades e, algumas vezes, rejeitá-la pela dureza. Amanhã, quando acordar, verei a minha obra finalizada. Então, limparei a gota de suor que haverá brotado em minha testa e sentirei em minha consciência a manifestação do desejo de continuar meu caminho. Nesse momento, um cheiro de terra molhada invadirá todo o ambiente, anunciando que está pronta para a semeadura.



*Arnaldo Jardim é engenheiro civil, deputado estadual, relator geral do Fórum São Paulo Século XXI e presidente estadual do PPS.

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