Caio Prado Júnior: exposição na Assembléia destaca atuação política do historiador


06/02/2003 19:10

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Da redação

Algumas dezenas de fotografias e documentos, divididas em 19 vitrines, vão traçar um painel sobre a vida e a atuação política do historiador paulista Caio Prado Júnior . A Divisão do Acervo Histórico da Assembléia Legislativa inaugura no dia 11 de fevereiro, às 19 horas, a exposição "Caio Prado Júnior, Parlamentar Paulista", no Hall Monumental do Palácio 9 de Julho.

A exposição reúne imagens da família Silva Prado, do período de formação de Caio Prado no Colégio São Luiz e na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, sua passagem pelo Legislativo Paulista, fotografias feitas por ele próprio em suas viagens pelo Brasil, além de livros e publicações que compõem sua obra.

A exposição, idealizada pelo diretor da Divisão do Acervo Histórico, Dainis Karepovs, consegue juntar material fotográfico e iconográfico, que se encontrava distribuído pelos acervos pessoais de Danda Prado, filha de Caio Prado, de Maria Cecília Naclério Homem, sua última esposa, de Florestan Fernandes, dos arquivos do DOPS e do Estado de São Paulo, do Colégio São Luiz e, principalmente, do Acervo Histórico da Assembléia.

A exposição antecede o lançamento, em breve, do livro Caio Prado Junior: Parlamentar Paulista. Com esse volume, a Divisão do Acervo Histórico da Assembléia dá continuidade à série "Parlamentares Paulistas", iniciada com a publicação de um livro sobre Eugênio Egas. A publicação a ser lançada traz um perfil biográfico de Caio Prado. Sua atuação parlamentar, proposições, pronunciamentos e a bibliografia completa do autor.



Caio da Silva Prado Júnior

Membro de uma família das mais ricas e influentes de São Paulo, na qual figuram notórios bandeirantes, Caio Prado Júnior trilhou caminhos semelhantes a de alguns outros "rebeldes" dos Silva Prado. Como seu avô, Martinico Prado, que enfrentou a elite paulista defendendo idéias de movimentos libertários e democráticos europeus, Caio foi aquele que mais adiante levou a questão da necessidade da inserção das classes trabalhadoras no âmbito dos que detêm o poder econômico e político. Em sua vida política e intelectual, seguiu e reformulou as tradições da família Silva Prado, de ceticismo político e protesto franco.

Nascido em 11 de fevereiro de 1907, terceiro entre os quatro filhos de Caio e Antonieta Silva Prado, Caio da Silva Prado Júnior teve educação esmerada. Iniciou os estudos em casa, orientado por professores particulares, como era comum entre as elites daquela época. Em 1918, ingressou no Colégio São Luiz, dos jesuítas. Em 1920, passou uma temporada com sua família na Inglaterra, onde freqüentou o Colégio Chelmsford Hall, em Eastbourn.

Ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1924, tornando-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais aos 21 anos. Exerceu a advocacia por apenas alguns anos. Mas foi na Faculdade de Direito que iniciou sua preparação crítica no ensaísmo político.

Em 1928, integrou o Partido Democrático (PD), em parte por influência de seu pai, indignado com a fraude promovida pelo PRP nas eleições daquele ano. Seu tio avô, Antônio Prado destacou-se entre os fundadores do novo partido, que reunia parte da elite paulista descontente com a hegemonia do Partido Republicano Paulista. Caio Prado participou como ativo militante, organizando o PD nos bairros e no interior do Estado, em serviços de rotina e em comícios, particularmente, nos acontecimentos que antecederam à chamada Revolução de 1930.

O PD apoiou o candidato da Aliança Liberal nas eleições de março de 1930. Derrotado nas urnas, a Aliança Liberal iniciou preparativos para um golpe de estado que desembocaram no movimento armado de 3 de outubro de 1930. Caio Prado realizou algumas operações de sabotagem nas instalações de comunicações da estrada para o Rio de Janeiro. Após a vitória das forças aliancistas, Caio foi designado para a delegacia revolucionária de Ribeirão Preto, onde trabalhou durante cerca de três meses.

Decepcionado com a inconsistência política e ideológica da chamada República Nova, aproximou-se do marxismo e, em 1931, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Sua condição de intelectual, aliada à sua conhecida independência frente aos cânones ideológicos, marcou quase que de modo permanente sua longa relação, nem sempre pacífica, com o PCB, como ele mesmo assinalou anos mais tarde: "Nunca pertenci à direção do partido, nem tive nele grande prestígio ou influência. Sempre fui um elemento secundário e mal considerado, não em termos pessoais, mas por causa de minha maneira de interpretar o Brasil. Sempre fui muito marginalizado no partido, pela oposição a seus esquemas políticos e econômicos, que eu considerava falhos no que diz respeito ao Brasil."

Em 1933, Caio Prado Júnior publicou A Evolução Política do Brasil. Nessa obra pioneira, o jovem historiador traça a síntese da nossa evolução política, fazendo uso de uma nova chave de interpretação científica - o materialismo dialético. O livro desloca o foco dos estudos históricos tradicionais que atendem aos interesses das classes dirigentes para um tipo de análise histórica centrada na ação política das camadas populares.

Naquele mesmo ano, realizou viagem de estudo à União Soviética, o que o motivou a escrever seu segundo livro: URSS, um novo mundo, publicado em 1934. A segunda edição, no ano seguinte, seria apreendida pelo polícia.

De volta ao Brasil, iniciou o curso da recém-criada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Embora não os tenha concluído, participou dos cursos de história e geografia, em contato com professores da missão francesa, como os geógrafos Pierre Moinbeig e Pierre Deffontaines.

A ascensão do nazismo na Alemanha reorientou a política dos Partidos Comunistas no sentido da constituição de frentes multipartidárias que agrupassem todas as forças políticas de oposição ao fascismo. As chamadas frentes populares, consagradas como orientação geral dos partidos comunistas no VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935, repercutiu no Brasil inspirando o surgimento da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Exercendo franca oposição ao governo de Vargas, a ANL reunia um variado espectro de forças sociais antivarguistas, inclusive, como não poderia deixar de ser, os comunistas. Caio Prado assumiu a vice-presidência regional da ANL em São Paulo. Realizou viagens, palestras, comícios, organizou diretórios municipais da ANL pelo Estado.

A ANL foi enquadra na Lei de Segurança Nacional e a idéia de insurreição armada foi levada a cabo em novembro de 1935, em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Por suas atividades na organização, Caio Prado foi submetido a uma severa vigilância por parte da polícia paulista. Foi preso em dezembro de 1935. Permaneceu dois anos no cárcere, até findar o estado de sítio, quando encontrou o caminho do exílio na França. Ali, militaria no Partido Comunista Francês (PCF), executando tarefas de apoio e de solidariedade aos combatentes republicanos da Guerra Civil Espanhola.

Frente à iminência da eclosão da Segunda Guerra Mundial, Caio Prado retornou ao Brasil em 1939. Ao lado da militância política, retomou sua produção intelectual. Escreveu artigos, prefácios e, em 1942, publicou o livro Formação do Brasil Contemporâneo. Junto com Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, o livro de Caio Prado é considerado obra chave para todos os que aprenderam a refletir e a interpretar a formação da sociedade brasileira. Em 1945, publicou História Econômica do Brasil, outro livro clássico, no qual resume as características da colonização brasileira, ao assinalar o tripé de sua estrutura econômica e social: o latifúndio, a monocultura e a escravidão.

Neste ponto, Caio Prado já estava intimamente envolvido com a atividade editorial. Fundou em 1943 a Gráfica Urupês e a Editora Brasiliense. Esta última conferiu forte ênfase às ciências sociais, particularmente aos estudos voltados para a interpretação dos problemas brasileiros.

O Pós Guerra

A derrocada dos países do eixo deixou claro que o Estado Novo amargava seus dias finais. Os comunistas brasileiros ressurgiram abertamente na cena política do país. O PCB requereu ao Tribunal Superior Eleitoral o seu registro em setembro de 1945, conquistando-o definitivamente em novembro. O partido voltava à legalidade depois de 18 anos. Em suas fileiras, escritores, jornalistas e professores universitários, como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Álvaro Moreira, Cândido Portinari, Mário Schemberg, Aparício Torelli, Oscar Niemeyer e Caio Prado Júnior. Muitos iriam candidatar-se nas eleições de 1945 e 1947.

Nas eleições de novembro de 1945, Caio concorreu a uma vaga de deputado federal constituinte pelo PCB, conquistando a terceira suplência. Em 1947, saiu vitorioso nas eleições de 19 de janeiro, como deputado estadual constituinte. Como parlamentar, procurou incrementar sua visão sobre a máquina pública e ampliar as informações por meio da coleta in loco nas repartições públicas. Integrou a Comissão Especial de Constituição, encarregada de elaborar o anteprojeto, analisar as emendas e redigir o texto final. Com a promulgação da Constituição do Estado, em 9 de julho de 1947, passou a integrar a Comissão Permanente de Constituição e Justiça, como vice-presidente. Seus pronunciamentos em plenário eram verdadeiras aulas, que muito enriqueceram a Assembléia Legislativa de São Paulo. Sua atuação mais destacada nos trabalhos constituintes se deu na discussão sobre o regime tributário. Procurou demonstrar que a principal fonte de arrecadação deveria ser o imposto territorial, ao invés do Imposto de Vendas e Consignações (IVC), que onerava, sobretudo, as classes trabalhadoras.

Ocupou a liderança do seu partido na Assembléia e apresentou mudanças na Lei Orgânica dos Municípios, propôs a criação de uma Escola de Filosofia, Ciências e Letras em Taubaté e apoio financeiro à pesquisa científica, por meio da Fundação de Pesquisa Científica. Esta iniciativa seria interrompida e retomada somente em 1960, dando origem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Sob o influxo da Guerra Fria, a normalidade institucional do país seria quebrada. O governo Dutra cassou o registro do PCB e em 7 de janeiro de 1948 um projeto na Câmara do Deputados levou à cassação de todos aqueles eleitos pelo PCB. Parlamentares da legenda em todo o país perderam seus mandatos. Na Assembléia paulista a atuação da bancada comunista encerrou-se em 12 de janeiro daquele ano.

Com o PCB na ilegalidade, Caio Prado foi preso, junto com vários membros da bancada, durante três meses, em razão de um manifesto contra uma possível intervenção federal em São Paulo.

Ao sair da prisão, dedicou-se às atividades da Editora Brasiliense. Após ter sido preterido no concurso à cátedra de Economia Política na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em boa parte devido ao conservadorismo daquela instituição, lançou em setembro de 1955 a Revista Brasiliense. Voltada ao exame dos problemas econômicos, sociais e políticos, a revista foi um marco de seu tempo. Na apreciação de Heitor Ferreira Lima, "era um órgão de vanguarda, sem qualquer vínculo com grupos ou interesses mesquinhos. Daí a sua grande repercussão, sendo muito bem recebida em todo território nacional. Pode-se dizer mesmo que marcou época nos anais da nossa cultura". Por ordem da Regime Militar instalado em abril de 1964, a revista foi extinta e seu editor perseguido sistematicamente pelos serviços de repressão, tornando-se rotineiros para Caio Prado as prisões, as apreensões e os depoimentos.

As discussões sobre os fracassos das esquerdas resultou na produção de uma das obras mais polêmicas de Caio Prado. A Revolução Brasileira pode ser considerada a primeira reflexão de peso realizada por um militante de esquerda em relação ao fracasso político de 64, com enorme repercussão na época. Ao apresentar a economia brasileira integrada no sistema mundial do capitalismo e ao negar a existência no Brasil de um campesinato, nos moldes clássicos, o livro de Caio Prado, na avaliação de Jacob Gorender, "abriu as cabeças, inclusive pelo estilo polêmico e agressivo, pela argumentação sem subterfúgios. Naquele momento, uma voz no tom que a esquerda queria ouvir".

Em 1968, indiciado em um inquérito policial militar (IPM), sob a alegação de haver dado entrevista a uma revista universitária em que incitaria o público à guerra e à subversão da ordem política e social, o historiador decide escapar da prisão e refugia-se no Chile. Em 1970, ao voltar ao Brasil, foi condenado a quatro anos de prisão pelo Tribunal Militar e recolhido à Casa de Detenção, onde ficou preso até 1971.

Afastado da militância política mais intensa, Caio Prado foi escolhido em 1988 para receber o Prêmio Almirante Álvares Alberto para Ciência e Tecnologia, na área de ciências humanas. Já doente, sem condições de recebê-lo pessoalmente, Caio foi representado por sua filha Yolanda Prado. No mesmo ano, o campus de Marília da Universidade Estadual de Paulista (Unesp) dedicou a II Jornada de Ciências Sociais a Caio Prado Júnior. Dezenas de estudiosos analisaram, revisaram e resgataram a contribuição do historiador para as ciências humanas no Brasil. O resultado foi publicado em livro. Caio Prado morreu em São Paulo em 23 de novembro de 1990, aos 83 anos.

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