CPI federal analisa irregularidades em planos de saúde


01/09/2003 21:55

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Audiência pública da CPI federal dos Planos de Saúde investiga irregularidades na prestação de serviços médico-ambulatoriais por parte das instituições privadas de planos de saúde<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/federalA10903.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Mesmo após a regulamentação da Lei 9.656/98, as reclamações contra os planos de saúde ainda são muitas.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/federalB10903.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

Por solicitação do deputado Henrique Fontana Jr. (PT-RS), a CPI federal que investiga irregularidades na prestação de serviços dos planos de saúde realizou audiência pública na Assembléia Legislativa para ouvir representantes de associações de medicina, do Tribunal de Justiça, das empresas de medicina de grupo e de usuários dos planos de saúde existentes no mercado.

Foi realizada na Assembléia Legislativa na tarde desta segunda-feira, 1º de setembro, sob a presidência do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP,) audiência pública da CPI federal dos Planos de Saúde, constituída em maio de 2003, com prazo de funcionamento para até 27/9 próximo, para investigar irregularidades na prestação de serviços médico-ambulatoriais por parte das instituições privadas de planos de saúde.

Com a presença dos deputados Jamil Murad (PCdoB-SP), Paes Landim (PFL-PI), Mário Heringer (PDT-MG), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e do relator Ribamar Alves (PSB-MA), a comissão ouviu o juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Luiz Antonio Rizatto Nunes, o diretor-presidente da Associação Brasileira de Análises Clínicas de São Paulo, Luiz Roberto Del Porto, o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor, Marco Antonio Zanellato, o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida, o diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina, Florisval Meinão, e alguns usuários do sistema privado de saúde.

A criação dos Planos de Saúde se deu em 1956 para atender as exigências das empresas automobilísticas que se instalaram na Região Metropolitana de São Paulo, mais precisamente no pólo industrial da região do ABC. Hoje, as empresas privadas do sistema de saúde têm 35 milhões de usuários e empregam, direta e indiretamente, cerca de 450 mil pessoas, com 20 mil médicos e 150 mil locais credenciados.

De acordo com Arlindo Almeida, a movimentação anual dos planos de saúde atinge a cifra de R$ 22 bilhões, com despesas assistenciais em torno de R$ 18 bilhões. "A movimentação anual dos planos de saúde é de sete bilhões a menos que a previsão do orçamento para a área da saúde, que atende número muito maior de usuários do que as operadoras privadas", lembrou o deputado federal Mário Heringer.

Na defesa dos direitos do consumidor

Mesmo após a regulamentação da Lei 9.656/98, as reclamações contra os planos de saúde ainda são muitas. Para o juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que declarou fazer freqüentes pesquisas para defender os direitos do consumidor, as faculdades de Direito deveriam ter em seus currículos matéria referente ao tema. "A legislação é moderna e favorável aos consumidores, mas os abusos praticados contra os usuários dos vários serviços à disposição dos cidadãos ainda são muitos".

O juiz enfatizou que a Constituição Federal prega a dignidade dos brasileiros e reconhece a pobreza no país, prescrevendo sua erradicação. "Sendo assim, o povo brasileiro, em sua maioria é pobre e as empresas devem pensar nisso ao estabelecer suas mensalidades". Na opinião de Rizatto Nunes, as empresas têm que arcar com os riscos da atividade que elas propõem à sociedade, a não ser que o contrato firmado entre prestadora e o usuário diga o contrário. "Ao associar-se a um plano de saúde, a pessoa não pretende fazer uso dos serviços por ele oferecidos. Muitas vezes, o consumidor paga pelo serviço e não o usa, gerando lucro para a empresa."

'Inteligência' do Sistema

Os mecanismos utilizados pelas empresas de saúde impressionam o professor Rizatto, que lembrou que o cheque caução, muito utilizado pelos hospitais nas internações dos associados dos planos de saúde, foi considerado ilegal pela Resolução 44. "Agora, as empresas exigem que o usuário assine um contrato de responsabilidade - o que é considerado prática abusiva, prevista no artigo penal 146." Rizatto Nunes insiste na vigilância das práticas do sistema e diz que o descredenciamento de hospitais e laboratórios não seria considerado prática abusiva se a substituição dos serviços fosse de igual qualidade, "mas o que acontece é a degeneração dos atendimentos".

Segundo Luiz Roberto Del Porto, seis mil dos 15 mil laboratórios existente no país se encontram em São Paulo, "e todos prestam atendimento aos planos de saúde". Del Porto lembra que hoje o paciente particular é muito raro, " o atendimento é via convênio ou SUS; e os preços praticados foram estipulados entre 1990 e 1992, antes do Plano Real. Os valores oscilam entre R$ 0,10 e 0,30, conforme o contrato." Luiz Roberto declarou que 70% dos insumos dos laboratórios são atrelados ao dólar e a deficiência nos valores resulta na queda da qualidade dos exames, "mas os planos de saúde não querem conversar com os laboratórios". Na sua opinião, a Agência Nacional de Saúde deve baixar resolução que determine o repasse dos reajustes praticados aos laboratórios.

Os campeões de reclamação

Marco Antonio Zanellato, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor, informou que a entidade, ao contrário do Procon, atua na defesa coletiva dos consumidores mediante instalação de inquérito civil. De acordo com suas informações, os contratos com data anterior a 1999 são mais abusivos, como a não-cobertura de doenças crônicas e pré-existentes, a limitação de internação em leitos hospitalares e nas UTIs e as carências. Sobre a rescisão de contratos, Zanellato declara que é um direito da empresa, "desde que apresente motivo justo para tal atitude".

Planos de Saúde X SUS

Arlindo de Almeida afirma que o atendimento privado de saúde faz com que o SUS deixe de gastar R$ 4,85 bilhões por ano, "com alto índice de satisfação". Segundo Almeida, atualmente o serviço sofre com a recessão econômica - que obrigou as empresas a reduzirem o quadro de funcionários e fez com que mais de seis milhões de usuários migrassem para o atendimento público, resultando no fechamento de mais de 500 hospitais e de 54 mil leitos.

A falta de vínculo contratual entre médicos e operadoras de saúde é a causa do descontentamento dos profissionais da área que, há seis anos sem reajuste das consultas, são obrigados a burlar a ética médica. Segundo Florival Meinão, com o objetivo de conter despesas, o Plano de Saúde Unimed pressiona os médicos a limitar exames e procedimentos que podem salvar a vida de uma pessoa. "Essa medida se chama meta referencial. Caso o médico ultrapasse essa cota, responde pelo excedente. Isso significa que, ao adquirir um plano de saúde, o usuário não tem garantia de receber atendimento adequado."

Meinão entregou à CPI um dossiê que exemplifica a metodologia da Unimed e denuncia o desvio de dinheiro da cooperativa, que era depositado no banco Banestado. A evolução das denúncias de irregularidades e o déficit econômico da Unimed, que atinge a cifra de R$ 300 milhões, fizeram com que vários médicos se desvinculassem da empresa.

O diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina disse ainda que a liquidação da cooperativa médica é obscura e que os profissionais que se desvincularam do serviço estão sendo obrigados a pagar valores "exorbitantes" como multa.

Com o objetivo de alertar o consumidor para os possíveis riscos dos contratos de saúde, a Fundação Procon oferece algumas sugestões ao ler um contrato. Para conhecer melhor o assunto, você pode acessar o endereço www.procon.sp.gov.br ou entrar em contato pelo telefone 1512.

Luiz Roberto Del Porto, diretor-presidente da Associação Brasileira de Análises Clínicas de São Paulo, propôs que os planos de saúde abram o credenciamento para todos os laboratórios, exercendo, entretanto, auditorias constantes para avaliar o desempenho e manter controle de qualidade.

"Mexendo o angu com a mão do gato"

Equilibrar o lucro das empresas e a prestação de serviço que respeite o associado de planos de saúde implica obter informações sobre o desempenho das operadoras. A quebra de sigilo da diretoria de uma determinada empresa pode ser a saída, em casos graves, como aqueles que envolvem suspeitas de desvio de recursos. Para Marco Antonio Zanellato, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor, a CPI deve buscar as informações através de depoimentos e audiências. Caso haja suspeição, pede-se a quebra de sigilo. Segundo ele, o Estado, como não presta um serviço de saúde eficiente, tem que, pelo menos, exercer controle sobre as operadoras de planos, para que os abusos sejam evitados ou combatidos.

Em defesa das operadoras, Arlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE), confirmou as informações de que 70 a 80% dos planos de saúde são "plano-empresa", tipo de contrato que não é atingido pela liminar obtida do STF, que derruba algumas das garantias da Lei 9.656/98. Nesses planos, ele afirma que há um "equilíbrio" de idades (funcionário e dependentes, pais e filhos); já os planos individuais geralmente são feitos para pessoas já doentes ou de mais idade - mais sujeitas a doenças. Arlindo de Almeida diz que a relação da ABRAMGE com a ANS é normal. Ele afirma que a entidade "já conseguiu explicar para a agência o que é um plano de saúde".

Segundo o deputado federal Mário Heringer, a isso se chama "mexer o angu com a mão do gato".

Para Jamil Murad, as empresas gastam com marketing e economizam nos honorários. Ele apontou para Arlindo de Almeida a falha da ABRAMGE ao praticamente ignorar que as empresas representadas pela entidade são as campeãs de reclamações no Procon e na Justiça. "Vossa Senhoria não dirige uma associação de casas de bingo. Vossa Senhoria preside uma associação de planos de saúde, que as pessoas pagam de boa fé e, quando precisam, lhes é negado o tratamento", declarou Murad.

Depoimentos contundentes

Prosseguindo a audiência, foi passada a palavra a convidados que deram seus depoimentos pessoais sobre abusos praticados por empresas de planos de saúde. Roberto Mendonça, médico neurocirurgião que presta serviços à Unimed Paulistana, além da má remuneração paga aos médicos, queixou-se das limitações de exames e procedimentos impostas pelas operadoras que, como "cooperativas de médicos", quebram o código de ética da categoria ao exercerem tais práticas. Exemplificou seu depoimento informando que, em 2002, a Unimed criou o programa "meta referencial", que instituiu cotas de exames médicos. Se ultrapassar a cota estabelecida, o médico tem de fazer justificativas e relatar o histórico do paciente, com o risco de ter descontado de sua remuneração os exames não aprovados pela empresa de medicina de grupo.

Além desse programa, foi criado também um indicador chamado "Diretrizes de exames pré-operatórios", que estabelece que os testes só devem ser feitos em caso de haver doenças no histórico do paciente que o justifiquem. Levando o raciocínio ao extremo, Roberto dá o exemplo de uma pessoa de cerca de 40 anos, que nunca usou o plano, nunca teve nenhum problema médico e tem que se submeter a um procedimento cirúrgico. Já que não tem histórico, não fará os exames pré-operatórios comuns. É um risco para o paciente (de vida) e para o médico (que pode ser responsabilizado). "Que espécie de médico a sociedade gostaria de ter? Um medíocre, que se submete a exigências absurdas como essas ou um de padrão elevado, que é o que a sociedade merece?", perguntou.

Duplamente rejeitado

Médico e usuário, Torquato contratou um plano de saúde exclusivo para médicos do Saúde Bradesco, em 1990. Quatro anos mais tarde teve diagnosticada uma doença degenerativa progressiva, conhecida como esclerose múltipla. Depois da primeira internação, justamente para os exames que apontaram a doença, a empresa mandou-lhe uma carta, informando que aquela despesa seria paga agora, mas todos os problemas decorrentes da esclerose múltipla não teriam mais a cobertura do plano, por se tratar de mal crônico. Além disso, como médico, Torquato atendia seus pacientes pela Amil, e dessa empresa recebeu também uma carta informando que, se não mantivesse a produtividade, ou seja, se não conseguisse manter o ritmo de atendimentos que tinha, seria descredenciado.

O médico ganhou ação contra o Bradesco em São Paulo, mas perdeu em Brasília. Discriminado "como médico e como cidadão", hoje faz tratamento quimioterápico pelo SUS.

Atuante na defesa da profissão, ele acha que "a ANS teria que ser reformulada por inteiro, de ponta a ponta."

Diagnóstico e terapêutica

"A terapêutica que queremos propor é a melhor possível, para que o sistema não pereça e para que os usuários não sejam prejudicados." Segundo o relator da comissão, deputado Ribamar Alves, "no dia em que o SUS e o poder público fizerem sua obrigação, só terão plano de saúde aqueles que quiserem hotelaria cara".

Para ele, a Comissão Parlamentar de Inquérito tem também a função de propor melhorias no sistema. Entre os aspectos que devem ser objeto de regulamentação por um estatuto dos planos de saúde - a fim de solucionar definitivamente o problema e dirimir as dúvidas - estão as exigências de plantão permanente das operadoras, para autorizar os procedimentos e acabar com o cheque-caução, de uniformizar a documentação e os protocolos, controlar fraudes através de auditoria neutra, criar uma câmara técnica para evitar abusos das operadoras nos exames clínicos e instituir uma fórmula de transição para permitir a migração do usuário de contratos antigos para novos.

Ribamar destaca que a criação de um estatuto é fundamental, para evitar o confronto entre leis e para que fiquem esclarecidas as relações entre as partes.

Arlindo Chinaglia, antes de encerrar, afirmou que se a ANS não consegue equilibrar o lucro das empresas e a justiça social, é preciso buscar outra solução.

alesp