Agentes penitenciários cobram ação do governo para controlar crise do sistema prisional

Entidades e sindicatos criticam morosidade do Poder Judiciário na execução das penas e pedem saída do secretário
13/07/2006 20:25

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João Rinaldo, o padre Valdir, o deputado Ítalo Cardoso e Geraldo Sanches<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Aud Publ Penitenc joao.pe valdir.dep italo02rob.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Sebastião Machado, Ana Martins, Hamilton Pereira e Rosmary Corrêa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Aud Publ Penitenc geral 857rob.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> João Rinaldo Machado, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de SP<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Aud Publ Penitenc joao reinaldo02rob.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Padre Valdir e o deputado Ítalo Cardoso<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Aud Publ Penitenc pe valdir e dep italo rob.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Padre Agostinho, da Pastoral Carcerária de Ribeirão Preto<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Aud Publ Penitenc pe agostinho02rob.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa vai levar ao governador Cláudio Lembo proposta de criação de uma força-tarefa envolvendo autoridades da Segurança Pública, do Judiciário, do Legislativo e da sociedade civil, com o objetivo de buscar solução para a crise no sistema prisional de São Paulo e propor um plano de segurança pública. Além disso, deve também ser encaminhada representação ao Tribunal de Justiça contra o juiz José Roberto Bernardi Liberal, de Araraquara, que tem se recusado a aplicar aos internos da penitenciária estadual instalada na cidade a progressão de pena, prevista na Lei de Execuções Penais, conforme vem sendo noticiado. A primeira proposta partiu do deputado Hamilton Pereira (PT) e a segunda, do representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

As propostas são resultado da audiência pública realizada nesta quinta-feira, 13/7, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia para debater a situação dos agentes penitenciários, vítimas de atentados promovidos nos últimos dias pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Os agentes foram representados na reunião por integrantes do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp). A reunião, presidida pelo deputado Ítalo Cardoso (PT), teve também a participação da Pastoral Carcerária, da OAB, da Defensoria Pública, do ouvidor da Polícia, de parlamentares e de entidades de defesa dos direitos humanos.

Força-tarefa e audiência com Lembo

O deputado Hamilton Pereira (PT) sugeriu que fosse criada uma força-tarefa formada por lideranças dos partidos com assento na Assembléia e representantes da OAB, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), do sindicato dos funcionários e da Pastoral Carcerária. "Essa força-tarefa faria, primeiramente, uma reunião de trabalho para preparar um relatório de sugestões, com base nos dados do sindicato e da Pastoral e nos elementos reunidos pelos deputados (sobre a situação do sistema prisional), a ser entregue em audiência ao governador Cláudio Lembo", declarou Pereira. O parlamentar justificou sua idéia argumentando que os secretários da Segurança Pública e da Administração Penitenciária são subordinados ao governador e cumprem suas ordens.

"O secretário da Segurança Pública, na verdade, coordena também a Secretaria da Administração Penitenciária, pois o novo secretário desta pasta converge para a sua política", declarou Pereira.

"Secretário impõe perfil"

A justificativa do parlamentar foi uma alusão às divergências entre as declarações do padre Agostinho, da Pastoral Carcerária de Ribeirão Preto, e as da deputada Rosmary Côrrea (PSDB). O padre Agostinho havia dito que, apesar de considerar que existem muitos responsáveis pela atual situação de violência no sistema e fora dele, os maiores responsáveis neste momento são o atual governador do Estado e o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho. Para ele, Saulo "é uma pessoa arbitrária, arrogante e violenta e imprime seu perfil à Segurança Pública do Estado. O secretário é o maior repressor do momento e persiste no erro de combater violentamente a ação dos criminosos."

O representante da Pastoral acredita que querer resolver tudo com repressão violenta não levará a nenhuma solução. "Concluí há muito tempo, em minha militância de 40 anos no setor, que o impasse nos presídios é gerado porque presos e agentes se vêem como inimigos. Enquanto persistir esse conceito, não haverá avanços. Os presos, há décadas, sofrem maus-tratos e tortura. E têm a pretensão de dominar a prisão", afirmou o religioso, que se indignou ao descrever as condições em que estão sendo mantidos os prisioneiros na Penitenciária de Araraquara.

"Onde colocar?"

A deputada Rosmary Côrrea, ao defender o secretário da Segurança Pública, alegou que o governo não tem para onde enviar os apenados de Araraquara, depois que estes destruíram a cadeia durante a última rebelião. "É fácil criticar. Devíamos somar esforços e parar com a luta inglória. Que culpa tem o secretário da Segurança? Não é ele que cuida dos presos."

A parlamentar enfatizou ainda que, neste momento, são os presos que cometem a maior violência e que os agentes são os que morrem. "Não defendo violência nem arbitrariedade. Mas se tivesse de escolher, escolheria a vida dos agentes", concluiu.

Segundo o defensor público Geraldo Sanches, entretanto, a transferência é perfeitamente possível, especialmente diante da situação de emergência a que estão submetidos os presos, trabalhadores do sistema e a sociedade de um modo geral. Para ele, dos 144 presídios de São Paulo, 123 estão plenamente operantes, fora os centros de ressocialização, que chegam a ter capacidade ociosa. Em uma matemática simples, pode-se transferir 12 detentos para cada um dos presídios, o que dá 1.476.

Slides da violência

Luiz da Silva Filho, diretor do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional, apresentou slides com cenas do presídio de Araraquara antes e depois da rebelião. Algumas imagens são chocantes, com cenas de presos mutilados pelos companheiros e agentes gravemente feridos no confronto, além de incêndios e depredações.

Silva Filho traçou um paralelo entre o número de rebeliões em 2005 e o de 2006: "No ano passado inteiro, tivemos, segundo a polícia, 27 rebeliões. Segundo nossos dados, foram 38. A diferença é gritante. Este ano, de janeiro até o momento, já foram 142".

O presidente do sindicato, João Rinaldo Machado, falou sobre a tensão e o medo em que vivem os agentes penitenciários e suas famílias. "A vida do agente virou um terror", afirmou Machado, que também se referiu ao fato de muitos funcionários saírem de suas casas e se esconderem por causa de ameaças telefônicas. "Estamos à mercê do crime organizado. E não vimos ainda uma ação do governo. Medidas são quase anunciadas, mas, na prática, não sabemos o que está sendo feito", criticou.

Emprego da verba para a Segurança Pública

A execução do orçamento destinado à Segurança Pública também entrou nos debates. Enio Tatto (PT) revelou dados do Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo) do Estado de São Paulo: dos R$ 82 bilhões do Orçamento estadual deste ano, R$ 7,5 bilhões são para a Secretaria da Segurança Pública, dos quais 15% não foram empenhados. Para a área de inteligência das polícias, estão reservados R$ 261 milhões, mas só foram gastos R$ 67,6 milhões. Com instalações, o governo gastou 6,3%, e com os bombeiros, 11%. "Estes números são um parâmetro do gerenciamento deste governo, que recusa a ajuda do governo federal mas pede a ele dinheiro", disse Tatto. Ele acusou o secretário Saulo de ser partidário e de colocar seus interesses políticos acima da função pública, e sugeriu sua convocação para comparecer à Assembléia.

Diante de diversas manifestações para a convocação dos secretários da Segurança e da Administração Penitenciária, Ítalo Cardoso informou que já há requerimentos para isso apresentados tanto à Comissão de Direitos Humanos quanto à Comissão de Segurança Pública, e que a aprovação deles depende dos votos dos membros dessas comissões.

Aberta a palavra

O ouvidor da Polícia, Antonio Funari Filho, informou sobre as apurações das mortes de jovens ocorridas na periferia em maio, após os ataques do PCC à polícia. Ele sugeriu que o desembargador Celso Limongi, presidente do Tribunal de Justiça, também seja cobrado para responder sobre a falta de agilidade nas execuções penais. As críticas à morosidade da Justiça foram engrossadas por todos como mais um fator de instabilidade do sistema penitenciário. Funari foi mais longe. Ele defendeu que o problema da descriminalização do uso de drogas seja enfrentado sem hipocrisia, a fim de não transformar o usuário, que é um problema de saúde pública, em um problema de segurança pública, na medida em que se torna refém do tráfico em razão da fragilidade gerada pela dependência.

A desumanização da sociedade também contribui com a crise. Segundo o vereador Albertão, de Guarulhos, que na câmara local é presidente da Comissão de Direitos Humanos, há uma degeneração das relações humanas: "A reação ao medo é a pior possível: é a desumanização. Enquanto houver um sistema que pune desproporcionalmente, teremos reações desproporcionais. É preciso que nossa generosidade suplante a arrogância do secretário da Segurança Pública", afirmou.

A solidariedade da OAB aos agentes públicos também é devida aos encarcerados, e a preocupação com a segurança da sociedade envolve exigir do Judiciário que cumpra sua obrigação de aplicar a Lei de Execuções Penais. Por isso, Lúcio França, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, propôs uma representação formal do Poder Legislativo e das entidades ali reunidas contra o juiz de Araraquara. França falou da visita do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e da presidente da comissão da OAB, Rose Nogueira, ao presídio na última semana.

Quanto às providências contra o juiz José Roberto Liberal, Geraldo Antunes, da Defensoria Pública, informou que o desembargador corregedor da Justiça paulista decidiu ontem que o juiz de Araraquara é responsável pela execução penal dos detentos da cidade, que estão sob sua jurisdição penal, além de competir ao juiz zelar pelas condições de funcionamento da penitenciária, já que é sua obrigação exigir o correto cumprimento da pena. "O aprisionamento de pessoas de forma desumana não atinge só os presos, mas também os agentes, os funcionários e os cidadãos de Araraquara", disse.

"Queremos a saída do secretário"

O MP (Ministério Público) vem sendo tímido diante de tantas violações à lei, afirmou a advogada Valderia Paulino, do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba. "Queremos a saída do secretário, porque ele não dá conta do recado!". Essa é também a opinião do Sindicato dos Trabalhadores da Febem, representado por Gilberto da Silva. Ele informou que uma unidade foi metralhada na quarta-feira, e se solidarizou com os agentes penitenciários, policiais civis e militares, alvos dos ataques do crime organizado. "O secretário foi presidente da Febem. Sua política era tranca, couro e processo administrativo". Para ele, é inadmissível o governo recusar a ajuda federal, pois, "acima da disputa política, está a vida de pais de família".

João Rinaldo Machado alertou para a importância de o Estado não se descuidar da Febem, cujo modelo de gestão também seria responsável pelo caos do sistema prisional. "Hoje, o menor que sai da Febem entra no sistema em um prazo de três a seis meses", afirmou. O jovem de 20 ou 21 anos que chega à penitenciária já é conhecido e batizado no crime, informou.

Trabalho pastoral

Ao final da reunião, o padre Valdir, vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária, informou sobre as reuniões das pastorais sociais com entidades da sociedade para buscar soluções para o problema, que, se encarado com reações de violência, só tende a se agravar, segundo ele. Nesta sexta-feira, 14/7, haverá uma reunião a partir das 15h na pastoral do Belém, na rua Álvaro Ramos, 366, e o padre convidou a todos para participar.

alesp