Entrevista com presidente da UNICA


18/11/2009 17:43

Compartilhar:

Marcos Jank<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/11-2009/ENTREVISTAmarcossawayajank33ZE.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O Diário do Poder Legislativo entrevistou Marcos Jank, presidente da União da Indústria da Cana de Açúcar (UNICA) sobre as atividades do setor e a questão ambiental. Confira a seguir:



Aquecimento global



O quanto pode representar o uso de biocombustíves, especialmente o etanol, em termos de redução na emissão de gases de efeito estufa?



O etanol, pelo menos aquele produzido no Brasil a partir da cana-de-açúcar, é muito eficiente na redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. Na comparação com a gasolina, o etanol comprovadamente reduz as emissões desse tipo em 90%. Esse dado é confirmado pela Agência Internacional de Energia e em outros estudos de entidades reconhecidas mundialmente. De fato, o etanol brasileiro é o combustível de baixo carbono que o mundo procura . Basta dizer que o uso de etanol em substituição à gasolina desde 1975 permitiu uma redução de emissões de 600 milhões de toneladas de CO2, o equivalente ao plantio de 2 bilhões de árvores. Especialistas afirmam que para cada litro de etanol consumido, US$ 0,20 deixam de ser gastos na mitigação de gases causadores do aquecimento global.



O governo federal vinha fazendo intensa campanha a favor do uso e da exportação de biocombustíveis. Essa postura mudou depois da descoberta dos campos da camada de pré-sal? Houve redução de algum tipo de incentivo?



Primeiro, é importante frisar que a produção de etanol no Brasil não é objeto de subsídios ou incentivos distorcivos, como aqueles que se vê em outros países, particularmente Estados Unidos e Europa. Nessas partes do mundo, não apenas a produção de etanol recebe fortes subsídios, como a importação do etanol mais eficiente sob todos os aspectos é obstruída por elevadas tarifas. Aqui no Brasil, não temos qualquer subsídio ou incentivo do tipo que se vê em outros países. Quanto à postura do governo, talvez alguns enxerguem uma mudança de postura em função do que se vem dizendo, que não é pouco, sobre o pré-sal. Na nossa visão, nada mudou no posicionamento do governo quanto ao etanol. O apoio do Governos Federal e Estadual ao etanol não mudou e não imaginamos que vá mudar em função do pré-sal, pois trocar o etanol pelo pré-sal é algo que geraria pesadas críticas ao Brasil, por ser algo que estaria na contra-mão do que o mundo hoje entende como prioritário em termos de substituição de petróleo e redução de gases de efeito estufa . O Brasil tem hoje uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 46% de toda a energia utilizada no país originando de fontes renováveis. Não imaginamos que isso venha a ser posto de lado pelo governo.



Poluição



O uso de etanol é realmente muito menos poluente em relação ao uso da gasolina, o que faz diferença nas grandes cidades. No interior, entretanto, existe o problema da queima da palha de cana. O que a indústria do álcool tem feito nesse sentido?



Sem dúvida o etanol é muito menos poluente do que a gasolina. Os dados sobre isso são abundantes, mas para citar um estudo recente, o Laboratório de Poluição da Faculdade de medicina da USP estima que se todos os carros da Região Metropolitana de São Paulo fossem movidos exclusivamente a gasolina, haveria um incremento de 400 mortes e mais de 25 mil internações hospitalares por ano, com um custo anual de R$140 milhões a mais para o sistema de saúde. Quanto à queima da palha de cana, ela tem data para acabar. Em São Paulo, a mecanização da colheita já vem avançando fortemente desde 2006, e pouco mais de metade de toda a cana colhida no estado já não utiliza o fogo. Esse avanço é um dos resultados do Protocolo Agroambiental, assinado entre a indústria da cana e o Governo do Estado em 2007. Esse documento prevê o fim da queima até 2014 nas chamadas áreas mecanizáveis, e até 2017 nas áreas hoje consideradas não-mecanizáveis. Recentemente, com o anúncio do Zoneamento Agroambiental pelo Governo Federal, essa mesma data foi adotada para todo o Brasil, portanto 2017 é a data final para o uso da queima da palha de cana. Com isso, o foco hoje já é outro. Ciente que a queima caminha para o seu fim, o setor agora está focado no futuro das milhares de pessoas que vivem do corte manual de cana, profissão que vai, gradativamente, acabar. A idéia, agora, é aproveitar o prazo que temos para estruturar programas de requalificação para os atuais cortadores, com dois objetivos básicos: requalificar parte deles para que continuem dentro de nosso setor, não mais como cortadores e sim como operadores de colhedeiras, tratores, motoristas de caminhão, manutenção técnica, ou qualificá-los para que consigam empregos em outras áreas onde há demanda nas regiões onde essas pessoas vivem. Para citar apenas um exemplo, a UNICA criou um grande programa de requalificação chamado RenovAção, que conta com a participação de empresas do porte da John Deere, do Grupo Case e da Syngenta, e apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Só esse projeto vai requalificar 7 mil cortadores de cana por ano, o que faz dele o maior projeto de requalificação já implantado na indústria da cana em todo o mundo.



Existem geradores de energia elétrica que usam a palha de cana como combustível. Essa prática vem sendo adotada em maior escala pelas usinas? Essa energia é consumida pelas próprias usinas ou há excedente que possa ser comercializado?



Acontecem as duas coisas. Todas as mais de 400 usinas em atividade hoje no Brasil produzem energia elétrica para suas próprias necessidades. Isso já ocorre há muitos anos. A eletricidade é gerada através da queima do bagaço de cana em caldeiras, e o bagaço é o que sobra após a industrialização da cana, a transformação dela em açúcar e etanol. A novidade é que de uns anos para cá, um número crescente de usinas vem utilizando caldeiras de alta pressão, que geram mais eletricidade do que o necessário para movimentar a usina. O excedente é vendido e vai para a grade de distribuição. É uma prática crescente, mas que não vem sendo tão bem aproveitada quanto poderia ser. Esse último apagão gerou um volume incrível de perguntas dirigidas à UNICA e a nossas associadas, porque o público já tomou conhecimento da existência dessa opção e quer saber por quê ela não está sendo implantada com mais rapidez. Afinal, em termos de potencial de geração de eletricidade, nós temos o equivalente a uma usina de Itaipu em nossos canaviais. É algo que precisa crescer com mais rapidez, e isso depende de alguns estímulos importantes envolvendo principalmente o custo de conectar as usinas fornecedoras de eletricidade à grade de distribuição, e o preço a ser pago por essa energia, que é limpa, renovável e pode receber créditos de carbono.



Antigamente se falava muito da poluição causada pelo vinhoto. Esse problema já pode ser considerado coisa do passado? É economicamente viável o uso do vinhoto para a produção de gás?



A questão do vinhoto, também conhecido como vinhaça, é algo que hoje está contornado. A vinhaça é um líquido que sobra após o processamento da cana, e que contém boa parte dos nutrientes utilizados durante o plantio e o crescimento da cana. Hoje, as usinas recuperam toda a vinhaça, e a aplicam novamente ao canavial como adubo orgânico. Essa prática substitui parte dos adubos industrializados produzidos à base de petróleo que seriam utilizados nos canaviais se não houvesse a vinhaça. O manejo da vinhaça é algo cercado de cuidados e regras muito rígidas para impedir qualquer problema. Quanto ao uso dessa substância para a produção de gás, sabemos de algumas experiências em andamento para avaliar essa possibilidade. É uma hipótese, mas ainda não sabemos o suficiente para afirmar com convicção quando isso pode acontecer.



Grande parte da poluição urbana é causada pelo uso de motores diesel em veículos de médio e grande porte, inclusive porque o diesel utilizado no país é de má qualidade, com grande concentração de enxofre. Existem estudos de motores a álcool que sejam economicamente viáveis em veículos como ônibus urbanos?



O uso do etanol para acionar motores a diesel já é realidade fora do Brasil, especificamente na capital da Suécia, Estocolmo, onde já existem cerca de 500 ônibus de ciclo diesel movidos a etanol. Na verdade, esses ônibus utilizam como combustível uma mistura de 95% etanol e 5% de um aditivo que permite que o motor a diesel, com algumas modificações, funcione essencialmente com etanol. Dois desses ônibus, produzidos pela Scania, estão rodando na cidade de São Paulo com apoio da UNICA, o primeiro desde 2007 e o segundo lançado este mês. Nós sabemos que a prefeitura de São Paulo está trabalhando para adotar esses ônibus pelo menos parcialmente no transporte urbano da cidade, o que seria um passo muito importante para melhorar a qualidade do ar na capital. Para se ter uma idéia, em termos de redução de emissões de CO2 um ônibus desses tem o mesmo efeito de se retirar das ruas 20 automóveis movidos a gasolina. São Paulo tem hoje cerca de 15 mil ônibus para o transporte urbano, e se todos fossem substituídos pelo ônibus a etanol, seria, em termos de emissões, como se apenas 3 mil ônibus convencionais estivessem rodando na cidade.



Questão social



A agroindústria canavieira é regularmente acusada por não promover o desenvolvimento social das regiões onde é instalada, principalmente pelo fato de as plantações fazerem uso de mão de obra temporária contratada em outras regiões do país. Até que ponto isso é verdade?



Esse tipo de comentário remete a um passado que hoje está muito distante do que se observa no setor. O que existe de fato hoje são situações isoladas, exceções que não representam as práticas adotadas na grande maioria das empresas do setor, particularmente as associadas à UNICA. Essa questão se resume à apresentação das informações dentro de um contexto que reflita a realidade. Quando há um caso isolado, e ele é apresentado fora de contexto, fica a impressão de que aquilo é regra e não exceção, o que contribui para que essa impressão permaneça. Nós nunca vamos afirmar que não há problemas dentro de um setor que emprega diretamente mais de 845 mil pessoas em todo o Brasil. Não dá para imaginar que qualquer setor com esse porte esteja completamente isento de algum tipo de dificuldade de ordem trabalhista. Dito isso, é preciso analisar a realidade dos números, e eles mostram que algo como apenas 0,2% da força de trabalho do setor foram envolvidas nesse tipo de situação em 2008. Para nós, qualquer caso de irregularidade trabalhista é inaceitável, mas é importante ressaltar que os números mostram claramente que não estamos falando de práticas habituais ou amplamente utilizadas, e sim de exceções e de casos isolados. Às vezes, a busca pelo negativo acaba ignorando o muito que há de bom. Por exemplo, enquanto indústria geradora de empregos e benefícios, o etanol está presente em 1.042 municípios brasileiros, contra apenas 176 no caso do petróleo. Isso se traduz em mais distribuição de renda e interiorização do desenvolvimento. Uma simulação feita pela USP mostra que 15% de substituição de gasolina por etanol em nível nacional gera 118 mil empregos líquidos, com uma massa salarial adicional de R$236 milhões anuais. Vale citar também que este ano tivemos um avanço excepcional nas relações trabalhistas em nosso setor, com a assinatura do Compromisso Nacional pelo Aperfeiçoamento do Trabalho na Cana-de-Açúcar, um documento negociado entre o nosso setor, os principais sindicatos que representam os trabalhadores da cana e o governo federal. Esse acordo tripartite é um marco histórico, que reconhece e valoriza as melhores práticas trabalhistas em nosso setor e estabelece padrões que vão além do que determina a lei.



Com a mecanização da colheita, o perfil dos empregados rurais deve mudar? Haverá menos empregos mais bem remunerados?



O fim da queima vai provocar mudanças, e essas alterações estão hoje entre as principais prioridades do nosso setor. Com o fim da queima previsto para 2017, estamos aproveitando esse período para avançar na requalificação dos trabalhadores, seja para novas funções no próprio setor, seja para novas atividades em atividades onde há demanda por mão de obra. Em geral, sim, teremos menos empregos que vão exigir mais qualificação e pagar salários melhores. Muitos desses empregos serão ocupados pelos atuais cortadores de cana, pois o conhecimento que eles tem sobre a nossa atividade é algo que as empresas não querem desperdiçar. Hoje, nas empresas que já avançaram na mecanização, já é possível encontrar muitos ex-cortadores ocupando novas funções ligadas à área industrial ou à colheita e ao plantio mecanizados.



Economia



A produção de álcool é sazonal, o que causa oscilação dos preços durante o ano. Isso deixou se ser um problema com o uso dos motores flex, ou o Estado deveria atuar mais na manutenção de estoques reguladores?



Do ponto de vista do consumidor, o sucesso notável do carro flex no Brasil certamente altera essa situação. Em momentos de preços mais elevados, o carro flex é a ferramenta que coloca o poder de decisão nas mãos do consumidor. Hoje, ao contrário dos tempos do carro a álcool, ele pode escolher o combustível que vai utilizar e pode exercer pressão sobre a demanda e o preço final. Por outro lado, hoje os produtores são os únicos responsáveis pela estocagem do etanol durante a safra e principalmente a entressafra. Isso faz parte de um sistema de comercialização que precisa ser revisto, inclusive para garantir estoques reguladores ou compensação para quem mantiver estoques, o que teria um efeito estabilizador sobre os preços. O governo fez uma tentativa este ano, oferecendo crédito a produtores para estimular a estocagem. O problema é que muitas empresas foram afetadas pela crise econômica global, e não conseguiam cumprir as exigências para desfrutar desses créditos. O resultado prático foi que pouquíssimas empresas utilizaram esses recursos, e não houve qualquer impacto sobre a formação de estoques para a próxima entressafra.



Há momentos em que é mais vantajoso para as indústrias sucroenergéticas a produção de açúcar para a exportação em relação à produção de álcool combustível para o mercado interno. Isso pode causar um problema sério de desabastecimento? Existe um compromisso da indústria em manter o abastecimento mesmo em épocas que não seja a opção mais vantajosa.



Primeiro, é preciso explicar que a questão da opção por produzir mais açúcar ou mais etanol não é algo tão simplista como alguns descrevem. Das mais de 400 usinas em atividade no Brasil, cerca de 100 são destilarias, que produzem exclusivamente etanol e portanto não tem flexibilidade alguma, pois nasceram comprometidas com esse produto. Existem outras 25 a 30 usinas que só produzem açúcar. As outras tem alguma flexibilidade, mas não é uma flexibilidade acentuada, que permita ir 100% para um ou outro produto. Não faria sentido ir totalmente para um ou outro produto, pois isso deixaria toda uma estrutura dentro da usina ociosa. Na verdade, essa flexibilidade fica em torno dos 10% para um lado ou para outro. Nesse quadro, e levando-se em conta o porte que tem hoje a indústria e o controle que o consumidor pode exercer através do carro flex, que já representa 37% da frota nacional, não há como imaginar uma situação de desabastecimento grave do mercado interno. O que levou ao aumento dos preços este ano tem pouco a ver com a questão da produção de mais açúcar e muito a ver com o excesso de chuvas que vem atrapalhando a colheita. Para se ter uma idéia, estamos estimando que ao final da safra cerca de 50 milhões de toneladas de cana vão permanecer no campo, sem ser colhidos. Se essa cana fosse processada e virasse etanol e açúcar, certamente faria uma diferença para os estoques e provavelmente para os preços. Por fim, dois pontos importantes que vale frisar. Primeiro, um dado que descarta essa suposta preferência pela produção do açúcar: mesmo com preços elevados no mercado internacional para o açúcar, 56% da cana colhida no Brasil nesta safra continua indo para a produção do etanol contra 44% para o açúcar. Essa proporção oscilou apenas cerca de 3% a favor do açúcar em relação à proporção do ano passado. Segundo, os preços do etanol para o consumidor permaneceram muito baixos por cerca de três anos, em função de estoques elevados do produto no mercado interno. Em vários momentos, o preço pago ao produtor ficou abaixo do custo de produção. Agora, com os estoques afetados pelas chuvas, o preço sofreu um ajuste mas mesmo assim, em boa parte do país, continua sendo mais vantajoso para o consumidor utilizar etanol em seu carro flex ao invés da gasolina.

alesp