Os brasileiros esquecidos - 70 anos da entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial


21/08/2012 21:16 | Antônio Sérgio Ribeiro*

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Ministro Osvaldo Aranha (dir) e seus colegas latino-americanos <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2012/fg117147.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Navio brasileiro Cabedello, desaparecido com toda a tripulação <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2012/fg117148.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Primeira página do jornal O Globo: O Brasil na Guerra <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2012/fg117149.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ministro Osvaldo Aranha discursa durante a reunião <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2012/fg117150.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A 2º Guerra Mundial eclodiu às 4h45 da madrugada de 1º de setembro de 1939, quando as tropas nazistas de Adolf Hitler, fortemente armadas e adestradas, com o apoio da Luftwaffe, a poderosa força aérea da Alemanha, invadiu a Polônia. O exército do III Reich, o Wehrmacht, era constituído em 1939 por 1,5 milhão de homens. Na invasão, foram utilizadas os tanques alemães Panzer, a elite blindada do exército, seis divisões blindadas e quatro divisões leves utilizadas no reconhecimento, totalizando 2,4 mil tanques. A Lutfwaffe tinha 2,4 mil aeronaves, na sua maioria o famoso caça Stuka.

As forças da Polônia eram formadsa por 500 mil homens de seu exército e 800 tanques, e sua força aérea contava com 600 aviões, grande parte antiquados. Possuíam ainda onze brigadas de cavalaria com lanceiros a cavalo, que não poderiam enfrentar os blindados alemães.

Os 559 batalhões de infantaria que a Alemanha possuía rapidamente quebraram as linhas de defesa dos poloneses atacando com 630 mil soldados pelo Norte e mais 886 mil soldados pelo Sul, em forma de pinça para dividir o exercito polonês, e no dia 10 de setembro iniciaram o cerco à capital Varsóvia, utilizando a tática da blitzkrieg, a chamada Guerra Relâmpago.

A União Soviética liderada pelo ditador comunista Joseph Stalin, de maneira covarde e se aproveitando da situação, em conluio com Hitler pelo acordo nazi-soviético, também invadiu a Polônia com mais 800 mil soldados através de suas fronteiras em 17 de setembro. Dez dias depois, a capital polonesa, até então a última resistência aos invasores, após lutar bravamente, se viu obrigada a se render. No dia seguinte, a Polônia foi divida em duas conforme o pacto assinado entre os dois ditadores, Hitler e Stalin. A União Soviética ficou com a parte Leste e a Alemanha tomou o resto.

A Inglaterra e a França, que tinham tratado militar com a Polônia, enviaram um ultimato ao governo de Berlim para que deixasse o território polonês, mas a recusa germânica em acatar essa determinação determinou que esses dois países declarassem guerra à Alemanha no dia 3, mas efetivamente não houve nenhuma ajuda bélica aos poloneses.



A atitude do Brasil



No Brasil, o presidente Getúlio Vargas, ao se levantar recebeu a informação do ataque da Alemanha a Polônia. Logo depois chegou ao Palácio Guanabara, residência oficial do chefe da nação, o ministro da Fazenda Artur Souza Costa, que propunha medidas para evitar corridas aos bancos e o seguro sobre o café, o maior produto brasileiro de exportação, e responsável pela balança econômica do país. Acatando a sugestão de seu ministro, Getúlio mandou lavrar os decretos e os assinou para a publicação no Diário Oficial da União. Preocupado com a situação mundial, Vargas convocou para o dia seguinte uma reunião com todo o ministério no Palácio do Catete, sede do governo brasileiro, na então capital do país, o Rio de Janeiro.

Na tarde do dia 2, foi realizada a reunião ministerial para examinar a atitude do Brasil ante o momento internacional, e após todos os ministros se manifestarem, ficou decidida a neutralidade brasileira no conflito e a adoção das medidas necessárias na administração federal em face dessa resolução.

A guerra européia agitou a população brasileira, a vitória alemã era vista com júbilo por alguns e com ceticismo por outros. A Inglaterra não gozava entre os brasileiros de muita simpatia, pois desde os tempos de Dom João VI era notório o interesse meramente comercial em nosso país, sem nunca dar nada em contrapartida.

Com a capitulação da Polônia a frente dos exércitos invasores, o mundo e o Brasil aguardaram o próximo passo a ser dado por Hitler e seus asseclas na Europa.



Começa a expansão



Durante vários meses não houve qualquer movimentação das tropas nazistas mas, em 1º de março de 1940, Adolf Hitler ordenou a Operação Weserübung, de invasão da Noruega e da Dinamarca, e dois dias depois os soviéticos atacaram a Finlândia.

No dia 10 de maio, a Alemanha invade a Bélgica, França, Luxemburgo e a Holanda. Nesse mesmo dia, Winston Churchill torna-se o primeiro ministro do Reino Unido em consequência da renúncia de Neville Chamberlain, e as primeiras bombas alemãs da guerra na Inglaterra caem sobre as cidades de Chilham e Petham, em Kent. Em 14, a cidade portuária de Roterdã é severamente bombardeada pela Luftwaffe, e no dia seguinte a Holanda rende-se à Alemanha, com exceção da região de Zelândia, que capitula em 17. Dois dias depois, tropas alemãs ocupam a cidade de Amiens, no norte da França. A Bélgica capitularia em 28 de maio.

Diante do avanço alemão, as tropas aliadas francesas e inglesas são forçadas a recuar até a cidade litorânea de Dunquerque. Mais de 300 mil soldados britânicos, franceses e belgas são cercados, e para salvá-los é iniciada em 26 de maio a Operação Dínamo para a evacuação das tropas aliadas para a Inglaterra, que dura até o dia 3 de junho. Todos os barcos ingleses com mais de nove metros são convocados para essa verdadeira epopéia. Nesse dia aviões da força aérea nazista bombardeiam Paris, e no dia 14 as tropas alemãs ocupam a capital francesa. Onze dias depois a França rende-se oficialmente à Alemanha.

O governo brasileiro acompanhava os acontecimentos europeus e mantinha-se neutro. Nos Estados Unidos o presidente Franklin Delano Roosevelt apesar da posição de neutralidade determinada pelo Congresso dos Estados Unidos, apoiava ostensivamente os aliados, enviando armamentos e gêneros alimentícios à Inglaterra. Na Ásia, o Japão, desde 1931, quando invadiu a Manchúria, fazia uma campanha expansionista invadindo vários países da região. O governo norte-americano via com preocupação essa ação belicista nipônica.



Pearl Harbor



No dia 7 de dezembro de 1941, para surpresa de todo o mundo, mais de 400 aviões da força aérea japonesa atacaram a base norte americana de Pearl Harbor, no Havaí, território pertencente os Estados Unidos, destruindo grande parte da frota naval do Pacífico e vitimando 2.403 pessoas, entre civis e militares, incluindo homens, mulheres e crianças.

No dia seguinte o presidente Roosevelt foi pessoalmente ao Capitólio, sede do Congresso americano, para levar a mensagem governamental que solicitava a declaração de guerra contra o império japonês. Em seu discurso o presidente declarou que o dia 7 de dezembro ficaria gravado como o Dia da Infâmia. Os parlamentares aprovaram a resolução com apenas um voto contrário, da deputada Jeannette Rankin, do estado de Montana, que repetiu o seu voto dado quando a entrada dos Estados Unidos na 1ª Guerra em 1917. Três dias depois, a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos. A entrada dos americanos no conflito mundial mudou o rumo da guerra.

Naquele domingo, 7 de dezembro, Getúlio Vargas tirou o período da manhã para ir jogar golfe. Quando regressou ao Palácio Guanabara, recebeu a comunicação de que o Japão declarara guerra aos Estados Unidos, atacando as bases americanas no Havaí e nas Filipinas. No dia seguinte pela manhã, uma reunião com os ministros foi convocada para tratar da questão. Uma das decisões foi passar um telegrama a Roosevelt, assegurando a solidariedade do Brasil aos Estados Unidos, e a publicação de uma nota governamental publicada pela imprensa de todo o país.

As noticias não chegavam somente da Europa ou da América do Norte: duas semanas depois, da Argentina vinham apreensões sobre a situação interna, com receio de um golpe com reflexos sobre a política externa contra os Estados Unidos. O ministro Osvaldo Aranha, na noite do dia 21, esteve com Vargas no Palácio Guanabara e informou que o governo americano não daria auxílio ao Brasil porque não confiava em elementos do governo, e que o presidente deveria substituí-los. Getúlio respondeu que não tinha motivos para desconfiar de seus auxiliares, e que as facilidades que estava dando aos americanos não autorizavam essas desconfianças, e que eu não substituiria nenhum por imposições estranhas. Aranha retrucou que justificava o modo de pensar do presidente, mas a verdade é que eles não confiavam. Getúlio foi peremptório e afirmou encerrando a palestra: "Pois então que nos deixem em paz".



Cooperação continental



Havia sido convocada a 3ª Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas Americanas, para debater a nova situação criada pelo ataque japonês aos Estados Unidos e buscar uma base de acordo sobre as medidas de cooperação militar necessárias à segurança continental. Esse conclave estava marcado para realizar-se no Rio de Janeiro, entre 15 e 28 de janeiro de 1942. O governo americano havia elaborado uma minuta de projeto para a conferência, onde constava a proposta do rompimento das relações de todas as nações americanas com as potências do Eixo.

No dia 3 de janeiro de 1942, Vargas instalou no Palácio do Catete o recém-criado Conselho de Segurança Nacional, sob a sua presidência, e realizou a primeira reunião com os chefes de Estado-Maior do Exército, Marinha e Aeronáutica, respectivamente general de divisão Pedro Aurélio de Góis Monteiro, vice-almirante Américo Vieira de Melo, major-brigadeiro Armando Figueira Trompowsky de Almeida, além do chefe da Casa Militar da presidência da República general de divisão Francisco José Pinto. Foram tratadas várias medidas necessárias à defesa do país e o estabelecimento de um método de trabalho. Quatro dias depois, Getúlio entregou ao general Pinto vários documentos para a elaboração de um memorial sobre encomendas de material bélico aos Estados Unidos.

A partir do dia 12 começaram a chegar ao Rio de Janeiro as delegações americanas a conferência. Getúlio Vargas recebeu no mesmo dia no Palácio Guanabara o chefe da delegação americana, o subsecretário Summer Welles, que levou uma carta do presidente Roosevelt, reiterando o convite para ir aos Estados Unidos. Na conversa Vargas observou o tom das palavras e ficou apreensivo, porque os americanos davam a entender que queriam o Brasil na guerra. O presidente entendia que isso não era de utilidade, nem para eles e nem para os brasileiros.

A preocupação do presidente Vargas, não era sem motivo: ele antevia as consequências prováveis da atitude brasileira que seria tomada a partir da Reunião dos Chanceleres. Na véspera da abertura dos trabalhos, o chanceler da Argentina, Enrique Ruiz Guinazú, em uma visita ao Guanabara, digno representante da quinta coluna, fez um apelo para evitar o rompimento das relações com os países do Eixo, conforme pleiteava os Estados Unidos. Getúlio respondeu-lhe que o Brasil era o dono da casa, e que teria uma atitude conciliadora, não podendo colocar-se nessa atitude extremada de opositor. Não satisfeito, Guinazú posteriormente tentaria propor uma medida conciliatória de interesse dos países do Eixo, o que foi combatida pelo chanceler Osvaldo Aranha. Getúlio, mais ponderado, entendeu que a proposta era digna de exame, e sugeriu que fosse procurar o representante norte americano Sumner Welles.

Na tarde do dia 15 de janeiro, foi solenemente instalada no Palácio Tiradentes a Conferência Interamericana, em meio a discursos e manifestações populares pró Estados Unidos e aliados. O ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, prevenido de que talvez passasse o rompimento de relações diplomáticas com os países do Eixo da maneira que os Estados Unidos pleiteavam, pediu demissão do cargo, afirmando que pretendia a acompanhar o chefe do Estado Maior do Exército general Góis Monteiro, que também solicitara sua exoneração, alegando que os americanos pretendiam arrastar o Brasil para a guerra, e que o Exército era contrário à guerra.

A posição do alto comando do Exército fundava-se em duas justificativas: as forças armadas não se encontravam devidamente aparelhadas para assegurar a defesa do território brasileiro, na eventualidade de consequências decorrentes do rompimento; e os Estados Unidos não haviam efetivado o envio do material bélico a que se comprometeram nas negociações sobre a cooperação militar entre os dois países.

Sobre o pedido de demissão de seus dois auxiliares, Getúlio ponderou com o general Góis da inoportunidade e inconveniência das solicitações, com o que o general acabou concordando, ficando de entender-se com o outro demissionário, general Dutra.

No dia seguinte foi à vez do chanceler chileno Juan Bautista Rosseti Colombino em ir até Vargas e manifestar-se muito alarmado com o rompimento das relações com os países do Eixo, cujas consequências seriam para ele a guerra. Depois de uma conversa com o ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha, o presidente refletiu que a maioria dos países americanos que adotaram essas soluções de declarar guerra ou romper relações não o fez espontaneamente, mas que foram coagidos pela pressão dos Estados Unidos.



Entrega protelada



Sumner Welles se encontrou com Getúlio Vargas mais uma vez em 19 de janeiro, e numa conversa franca, o presidente disse-lhe que a força das circunstâncias colocara o Brasil numa posição de árbitro, e que não queria se valer das circunstâncias para pedir vantagens, mas para pesar bem as minhas responsabilidades e não arriscaria o país sem garantias de segurança. E a principal destas era a entrega do material bélico, que até então o governo americano protelara.

O chefe da delegação americana respondeu dando as mais completas garantias, e disse do telegrama que passara a Roosevelt, e que aguardava a resposta. Getúlio aproveitou para entregar-lhe a lista completa do pedido brasileiro. Conversaram sobre a posição da argentina e a necessidade de atraí-la para o lado dos aliados, e Welles, sem meias palavras, afirmou que, se a Argentina não viesse, os Estados Unidos iriam cortar todos os recursos, resultando com essa atitude a seu ver na queda do governo platino. Falou também que o Japão havia adiantado valores em dinheiro para políticos do Chile, e para o próprio ministro do Exterior Rosseti.

Welles disse a Getúlio que a decisão da conferência era de natureza capital para os Estados Unidos, e que jogava nisso a sua própria posição. O presidente respondeu que ele poderia contar com o Brasil, mas que, nessa decisão, jogava a sua própria vida, porque não sobreviveria a um desastre para a sua pátria, o Brasil.

No dia seguinte, chegava a resposta de Roosevelt ao telegrama de Welles, informando que ele assegurava o envio imediato das remessas de equipamento militar, justificado o atraso pela falta de alguns itens solicitados pelo governo brasileiro.

Atendendo uma nova fórmula conciliatória para a conferência, o ministro Osvaldo Aranha submeteu a Getúlio Vargas uma proposta que aprovava o rompimento com os países do Eixo, deixando a execução pendente de ratificação dos poderes constitucionais. Essa tentativa visava facilitar a aceitação da Argentina e do Chile, teve a aprovação de Vargas, para que fosse unânime a decisão. Mas as coisas se complicaram quando o presidente argentino Ramon Castillo recusou a fórmula proposta apresentada pelo seu próprio ministro.



(Continua)



Sergio Ribeiro, advogado e pesquisador, é Diretor do Departamento de Documentação e Informação da Alesp

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