Opinião - Irmãs Siamesas


18/10/2012 16:17 | Vitor Sapienza*

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A doutrina econômica aplicada durante o regime militar pregava que deveríamos fazer crescer o bolo, para então podermos dividi-lo em pedaços que alimentariam a todos os convidados. Para ser sincero, jamais me senti como convidado dessa festa, até mesmo porque os verdadeiros convidados ou não entendiam de economia, ou nunca forneceram o fermento nem a farinha que pudessem tornar o bolo algo compatível com o apetite da sociedade como um todo.

Cresceu a economia? Sim, devemos admitir. O mesmo ocorreu nas telecomunicações, na industrialização, no conforto dentro dos lares. Temos que admitir que, no todo ocorreram avanços e a sociedade acabou se beneficiando. Fica a dúvida se isso foi fruto da conjuntura externa, ou do que foi implantado internamente.

Foi-se o tempo dos milagres, muitos dos milagreiros já não estão entre nós, e temos outra realidade. Lá fora, em pleno verão fora de época, acalorados protestos de trabalhadores de vários setores. A palavra-chave é recuperação do poder de compra dos salários. O grito soma-se à buzina estridente que tira a tranqüilidade de muitos, irrita milhares, paralisa cidades, mas só não ecoa no distante Planalto Central.

E o pior de tudo é que os Estados estão de mãos atadas. Para que se tenha uma idéia da situação, São Paulo manda para Brasília quarenta e três por cento do que arrecada. E em contrapartida, recebe apenas um por cento do que envia ao Poder Central. Ora, é nos Estados que a dor é sentida. É ali que se manifestam as carências, é ali que o som da buzina é intenso.

A esdrúxula distribuição do que é arrecadado acaba jogando migalhas para os Estados e municípios que, sem recursos, não conseguem reconhecer o esforço e o mérito de seus funcionários, nem suprir as mais elementares necessidades de sua população. De mãos atadas, até mesmo um Estado como São Paulo, considerado "rico", não consegue pagar bem os seus médicos, professores e policiais. Os serviços de saúde pública, educação, segurança, infraestrutura são afetados e a população sofre as consequências.

Enquanto na base da pirâmide a população sente na carne as dificuldades, uma vez que recai sobre ela o peso da legislação vigente, no Poder Central tudo vai bem, às mil maravilhas. Assim, contrariando o parágrafo inicial, não adianta o bolo crescer, porque a carência cresce junto; cresce e arrasta o ronco do estômago vazio, do grito incontido, da revolta.

O Congresso Nacional precisa se movimentar, rever com urgência os critérios de distribuição da arrecadação. E sobram motivos para isso, porque a arrecadação cresce em proporção aritmética, enquanto a carência cresce em proporção geométrica. Ou seja, as nossas autoridades não devem se esquecer que matemática e economia são irmãs siamesas, mas as suas regras nem sempre são dotadas de suficientes doses de realidade.

*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado.

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