Deputada Zuleika Alambert

A última sobrevivente da primeira legislatura da Assembleia Paulista de 1947
04/03/2013 20:48 | Antônio Sérgio Ribeiro

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Deputada Zuleika Alambert em 1947<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2013/fg121872.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Zuleika Alambert recebe homenagem na Assembleia em 1986 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2013/fg121864.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Zuleika Alambert fala na tribuna da Assembleia em 1986 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2013/fg121865.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Zuleika Alambert em sua residência <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2013/fg121867.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Zuleika Alambert, aos 88 anos, recebe homenagem da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 2011 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2013/fg121866.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Durante a palestra de Maria Amélia Teles, da União das Mulheres, no curso Mulheres: Direitos e Políticas Públicas, realizado pelo ILP, em 22/2, tivemos com pesar, a notícia do falecimento da ex-deputada Zuleika Alambert, ocorrido no Rio de Janeiro, em dezembro passado.

Zuleika Alambert nasceu em 23 de dezembro de 1922, na Rua 7 de Setembro, no bairro Paquetá, em Santos. Foi a primeira dos seis filhos de Juvenal e Josefa Alambert. Estudou em sua cidade natal, inicialmente no Liceu Feminino Santista, e depois no Colégio Tarquínio Silva, onde fez Administração e Finanças, tornando-se contadora. Sua mãe cozinheira pagou seus estudos com muita dificuldade. Durante o curso ginasial, foi aluna da professora Alzira Yaconis Becker, mãe de Cacilda Becker, bailarina e atriz, como sua irmã Cleide. Zuleika também fez balé, chegando a dançar no Teatro Municipal de Santos. Fez ainda teatro e natação, atravessando o canal a nado, desde o Forte de Itaipu até a cidade de Santos. Aos 17 anos era teosofista e trabalhava na Igreja Teosófica de Santos, onde tinha acesso a uma grande biblioteca.

Seu pai, oficial de Justiça, filiou-se ao governista Partido Social Democrático - PSD e encaminhou sua jovem filha para a militância política. Em 1942, com o afundamento dos navios brasileiros por submarinos nazi-fascistas, vitimando centenas de brasileiros, houve manifestação popular nas ruas e praças. A revolta e a indignação tomou conta da população e, em Santos, a jovem Zuleika juntamente com milhares de cidadãos passaram a exigir que o governo Vargas declarasse guerra ao Eixo (Alemanha e Itália), o que acabou ocorrendo com a assinatura do decreto presidencial, em 22/8/1942. Ela trabalhou posteriormente para que o país mandasse tropas a Europa, o que acabou acontecendo com a formação da Força Expedicionária Brasileira - FEB, que foi lutar na Itália, em 1944-1945. Quando os soldados foram para o front, Zuleika começou a trabalhar, juntamente com um grupo de mulheres, como madrinhas de guerra: elas juntavam lã, sapatos, meias, remédios, tudo para mandar para eles. Ela afirmou: "A minha política foi à guerra, a coisa mais política".

Em entrevista, Zuleika enalteceu a participação do povo brasileiro em prol da causa, como o trabalho nas cidades e nos campos, além da extração do látex, empregado na fabricação da borracha, de primordial importância para a indústria da guerra.

Zuleika saiu nas ruas de Santos, com uma faixa "Vamos buscar o azeite", para protestar contra a falta de azeite, estocado na prefeitura à espera do aumento de preço. Os estivadores sugeriram que ela formasse uma comissão e fosse falar com o prefeito. Este disse a ela para levar o azeite para vendê-lo e trazer o dinheiro. Zuleika aceitou a proposta, e um caminhão levou todo o azeite para sua casa, onde uma fila de mulheres se formou.



Cultura da mulher



Em 1943, participou da criação da Associação Feminina pela Cultura da Mulher, em São Vicente, e na de 14 departamentos femininos anexos aos Comitês Populares Pró-Democracia. Atuou intensamente durante a 2ª Guerra Mundial e, após seu término, ainda no Estado Novo, nas ações e atos realizados na Baixada Santista em defesa dos presos políticos, da anistia geral e irrestrita, da redemocratização do país e da convocação da Assembleia Nacional Constituinte.

Em abril de 1945, Getúlio Vargas concedeu anistia a todos os presos políticos, entre eles Luís Carlos Prestes, que estava encarcerado desde 1936, após sua participação na malograda Intentona Comunista, ocorrida em 27/11/1935. Com a libertação de Prestes e dos demais presos, e a legalização do Partido Comunista do Brasil, fundado em 1922 - do qual Zuleika foi uma das filiadas, iniciou seu trabalho de recruta de militantes, em comícios em praça pública e nas portas de firmas santistas e de São Vicente.

Zuleika exigiu um boicote contra os navios espanhóis, em protesto ao governo fascista de Francisco Franco. Os estivadores de Santos cruzaram os braços paralisando todo o porto, e uma embarcação foi obrigada a retornar a Espanha.

Com o fim do Estado Novo, em 29/10/1945, e a realização das eleições naquele ano, que elegeu os constituintes, e Prestes a senador da República, pelo então Distrito Federal, Zuleika participou ativamente da campanha eleitoral em Santos, na campanha do estivador Osvaldo Pacheco, eleito constituinte e deputado federal pelo PCB. Após a elaboração da nova Constituição brasileira, promulgada em 18/9/1946, foram convocadas eleições em todos os Estados da federação. Em São Paulo, foram marcadas para 19/1/1947. Zuleika Alambert foi indicada candidata a deputada constituinte estadual pelo PCB, com o apoio dos estivadores e doqueiros do porto de Santos. Zuleika fez campanha na Alta Paulista, em Tupã e Marília, onde era escoltada por seis ou sete estivadores armados para garantir a sua segurança. Em seus comícios, ela dirigia palavras as mulheres. Zuleika acabou obtendo a segunda suplência do seu partido, com 4.654 votos.



Posse na Assembleia



Aos 24 anos de idade, acabou assumindo sua cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 26/9/1947, pelo afastamento temporário do deputado Clóvis de Oliveira Neto, e a renúncia do primeiro suplente Lázaro Maria da Silva. Posteriormente com a renúncia do deputado Mautílio Muraro, ela foi efetivada deputada estadual em 15/11 do mesmo ano.

No dia de sua posse, no Palácio 9 de Julho, ela se recordaria da situação inusitada que passou com a deputada Conceição da Costa Neves, então Santamaria: "com aquela roupa esquisita, fiquei sentada na sala do café, esperando que os deputados me introduzissem no plenário. Conceição chegou e disse: "você quer buscar um café para mim, que eu quero tomar café". Zuleika respondeu: "moça, não sou empregada, eu vim tomar posse". Conceição ficou espantada e disse: "se você quiser usar o meu toalete, é privativo". Zuleika nunca entrou no toalete dela, ela ia ao toalete das funcionárias, por isso fez muitas amizades".

Apesar do curto período de mandato parlamentar, sua atuação se caracterizou pela defesa dos interesses dos trabalhadores públicos. Zuleika foi responsável pela apresentação do Projeto de Lei 370/47, que propunha a concessão de Abono de Natal para os servidores do Estado, embrião da criação do 13º salário para trabalhadores brasileiros. Também foi autora das indicações para a efetivação das serventes da Prefeitura Municipal de Santos e para o pagamento de gratificação a que tinham direito os servidores da Assembleia, em data anterior a 24/12 daquele ano. A defesa de salários iguais para mulheres e homens foi outra bandeira da deputada, que, em discurso na tribuna da Assembleia, disse: "Para trás ficaram os dias em que as mulheres de todas as categorias sociais viviam, em nossa pátria, exclusivamente para seu lar e para seus filhos, sem participar diretamente da vida política, social e econômica da nação."

Os deputados do PCB a apoiaram muito no Parlamento. "Mas sempre tinha aqueles deputados - não os meus companheiros de partido - me oferecendo carona: "você não tem carro, não tem nada, venha comigo..."" E quando ocupava a tribuna, diziam: "o que você está fazendo aqui? Vai lavar roupa, volta para a sua casa, vai casar, ter filhos". "Eu xingava, era terrível". Quando eu assumi eles disseram: "então vem para cá mais uma flor", porque tinha a Conceição, então casada com o médico Matheus Galdi Santamaria. Mas aí completaram: "cuidado, essa flor tem espinho".



Guerra fria



A situação antagônica criada com a chamada "guerra fria", entre Estados Unidos e União Soviética, então um estado comunista, chegou ao Brasil durante o governo do general Eurico Gaspar Dutra. Houve o recrudescimento da campanha contra a esquerda e os comunistas brasileiros, que culminou com a Resolução 1.841, de 7/5/1947, do Tribunal Superior Eleitoral, que cancelou o registro do PCB, e a Lei federal 211, de 7/1/1948, que declarou extintos os mandatos dos parlamentares do PCB.

A Mesa Diretora da Assembleia paulista, cumprindo a legislação federal, baixou ato em 12/1/1948, cassando o mandato dos deputados comunistas paulistas. Por terem assinado um manifesto em defesa da autonomia de São Paulo, ameaçado de intervenção federal, foi expedida uma ordem de prisão aos deputados do PCB, e todos foram obrigados a cair na clandestinidade. Zuleika passou a residir em diversos locais, fugindo da policia, até que o partido resolveu mandá-la para o Rio de Janeiro. "Havia o problema de ser mulher, pois onde chegava, a dona da casa ficava com ciúmes do marido. Fiquei um bom tempo na casa do ex-parlamentar Milton Caires de Brito", lembrou Zuleika.

No Rio, o partido deu-lhe algumas missões, sendo designada secretária geral da Juventude Comunista, presidida por João Saldanha. Na ilegalidade, ela levou duas grandes delegações para a Europa, uma para a Alemanha, para participar do Festival da Juventude de 1952, e outra para a Romênia, no Festival da Juventude em 1961, com mais de 200 homens. Lá Zuleika conheceu os horrores da guerra, mas aprendeu muito sobre os jovens. Ajudou a formar um comitê universitário, na luta pela paz e defesa do petróleo.

Na década de 1950, Zuleika participou ativamente em campanhas pela soberania nacional e pelo Estado de Direito. De 1951 a 1954, foi secretária-geral da Juventude Comunista. No início dos anos 1960, de maneira informal atuou junto à diretoria da União Nacional dos Estudantes, envolvendo-se na formação do Centro Popular de Cultura, e nas campanhas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e na Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo. Teve ainda destacada participação na Campanha de Alfabetização de Adultos e na criação e desenvolvimento dos Centros Populares de Cultura pelo país.



Golpe de 1964



Após o golpe de 1964, que derrubou o governo João Goulart, foi perseguida pelo serviço reservado do Exército, por sua atuação na UNE. Sua casa foi invadida e depredada, obrigando-a a voltar à clandestinidade. Por decreto assinado pelo presidente Castello Branco, de 20/5/1966, baseado no Ato Institucional nº 2, de 27/10/1965, Zuleika teve os direitos políticos suspensos por 10 anos. Com a aprovação da Lei de Segurança Nacional e a decretação do AI-5, em 13/12/1968, foi obrigada a sair do país em 1969, passando pelo Uruguai, Paraguai e Argentina, indo para Budapeste, na Hungria, como ativista da Federação Mundial da Juventude Democrática, ajudando a organizar a campanha pelo término da Guerra do Vietnã. Em 1971, foi para Santiago, no Chile, para o Encontro da Juventude Mundial contra a Guerra no Vietnã e lá permaneceu, participando da criação do Comitê de Mulheres Brasileiras no Exílio e nos movimentos chilenos em defesa do governo de Salvador Allende. No Chile, trabalhou em uma fábrica de autopeças, na agricultura, e deu curso sobre a experiência do golpe militar no Brasil.

Antevendo o que aconteceria no Chile, dias antes do golpe militar chileno, Zuleika esteve na sede do partido e pediu instruções para o que fazer caso houvesse um golpe. Responderam que isso não aconteceria, mas precavida Zuleika passou a pernoitar em casas de amigos, até que os militares comandados por Pinochet derrubaram o governo de Allende.

Em companhia de Ferreira Gullar e Sérgio Moraes, com muita dificuldade, carregando seu gato de estimação, Zuleika conseguiu fugir para um sitio nos arredores de Santiago, onde se reuniu aos companheiros. Posteriormente, se refugiou na embaixada da Venezuela, foi embarcada para Caracas e, após quatro meses, foi para a União Soviética, onde tratou da saúde abalada por subnutrição e problemas renais. No ano de 1974, sobre proteção da ONU, o partido francês a recebeu em Paris, se hospedando na casa de Oscar Niemeyer. Na França, fundou o Comitê de Mulheres Brasileiras no Exterior, que congregava as exiladas na Europa.

Em 1979, com a anistia, retornou ao Brasil sendo recepcionada pelas entidades de mulheres brasileiras. Em 1983, deixou o PCB, passando a se dedicar à questão da mulher, tendo participado do grupo de estudos para a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina do Estado de São Paulo, no qual foi conselheira durante vários anos, inclusive exercendo a presidência entre 1985/1986, no governo Franco Montoro. No dia 25/5/1983, retornou a Assembleia Legislativa, como assessora da deputada Ruth Escobar, então do PMDB. No ano de 1986, recebeu no plenário da Câmara Municipal de São Paulo, além do título de cidadã paulistana, a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão do Povo de São Paulo, por serviços prestados à cidade.



Ecologia



A partir de 1989, quando participou de uma reunião internacional em Porto Alegre, onde foi discutido o problema do meio ambiente e da mulher, inspiração para ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, Zuleika passou a atuar na vertente eco feminista, pensando a questão do gênero ligada a micro políticas.

Entre 1994 e 1996, coordenou a Comissão Estadual de Educação, Cultura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Em 1998, requereu ao Ministério da Justiça a conversão de sua aposentadoria comum em aposentadoria excepcional na condição de anistiada política, sendo seu pedido deferido pelo então ministro Iris Resende. Em maio de 2004, o governo federal reconheceu a sua condição de anistiada política, concedendo-lhe a reparação econômica, de caráter indenizatório.

Em 23/5/2011, por iniciativa da deputada do PV, Aspásia Camargo, Zuleika Alambert, aos 88 anos, foi homenageada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, recebendo um diploma alusivo ao evento, com a exibição do filme Uma mulher na história, produzido pela Fundação Astrojildo Pereira.

Ao completar 90 anos de idade, em 23 de dezembro de 2012, recebeu significativa homenagem do PPS, ao qual estava filiada. Dois dias depois, em decorrência de uma anemia crônica foi internada no Centro de Terapia Intensiva (CTI), do Hospital Rio. Faleceu em 27/12/2012, vítima de falência múltipla dos órgãos.

Desde 2010 sua saúde estava debilitada, em função de uma fratura decorrente de uma queda. Ela também havia desenvolvido tumores no abdômen. Seu velório foi realizado no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju, sendo seu corpo depois cremado.

Viveu quase 27 anos com Armênio Guedes, dirigente comunista, e em 1983, casou com o engenheiro Virgilio Antonio Francisco Ítalo Isoldi, de quem ficou viúva em 14/6/1994. Por opção, não teve filhos. Com a morte de seu marido, mudou-se para o Rio de Janeiro.

Escreveu livros como Uma jovem brasileira na URSS, 1953; Estudantes fazem história, 1964; A situação e a organização das mulheres, 1980; Feminismo: O Ponto de Vista Marxista, 1986; Metodologia do Trabalho com Mulheres (Cadernos da União de Mulheres de São Paulo), 1990; Mulher: Uma trajetória épica, 1996; e Uma mulher na História, 2004.

A vida de Zuleika Alambert está intimamente relacionada à história da luta pela promoção dos Direitos Humanos e da condição da mulher em nosso país. Recebeu inúmeros títulos e condecorações como a Placa de Prata Mulher do Ano na Área do Feminismo - Comitê Nacional de Mulheres Brasileiras, Rio de Janeiro (1988), Placa de Prata Jogos Femininos da Primavera - Secretaria do Trabalho (1990), Placa de Prata 8 de março, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (1992). Participou como conferencista em mais de 200 eventos, como o Fórum das ONGs da América Latina e do Caribe, na Argentina; da Conferência de Pequim, na China, e da Conferência Mundial da ONU sobre habitação (Habitat 2), na Turquia.

Ultimamente, Zuleika era a inspiradora do movimento de mulheres do PPS, particularmente o Núcleo de Gênero Zuleika Alambert. Após seu falecimento, foi criado em sua homenagem o Instituto Zuleika Alambert.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É Diretor do Departamento de Documentação e Informação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Colaborou Dainis Karepovs.

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