Comissão da Verdade fala sobre as mulheres paulistas desaparecidas no Araguaia

Durante o mês de março, parlamentares, familiares e amigos relatarão histórias das militantes contra a ditadura militar
08/03/2013 22:17 | Da Redação: Luciana Podiesi Fotos: Marco Cardelino

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Reunião da Comissão da Verdade Rubens Paiva<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2013/fg122107.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Mulheres do Araguaia são homenageadas na Comissão da Verdade <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2013/fg122110.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Em homenagem ao Dia das Mulheres, comemorado em 8/3, durante o mês de março a Comissão da Verdade Rubens Paiva ouvirá depoimentos sobre as mulheres paulistas desaparecidas na guerrilha do Araguaia, entre os anos de 1972 e 1975. Na primeira sessão, realizada na quinta-feira, 7/3, familiares, amigos e parlamentares contaram as histórias de Helenira Rezende de Souza Nazareth, Luiza Augusta Garlippe, Maria Lucia Petit da Silva e de Suely Yomiko, todas militantes do PCdoB.

No início da sessão, Amélia Teles leu o documento Verdade e Gênero, que fala sobre a violência praticada contra mulheres, homens e crianças nos anos de chumbo da ditadura militar (1964 a 1985). Amelinha citou o medo e o pânico dos militantes. "Os que não foram assassinados tiveram que se exilar, virar clandestinos políticos". Conforme o documento, cerca de 500 pessoas foram vítimas desse processo, entre eles muitos ainda com paradeiro desconhecido.



Verdade e Gênero



"As mulheres militantes políticas da época subverteram a ordem patriarcal tão solidamente acomodada na ideologia ditatorial. Ao ingressarem para as lutas da oposição política, das mais diversas maneiras, as mulheres pegaram em armas ou apoiaram ações políticas de protesto, armadas ou não, mantiveram a segurança de "aparelhos" que escondiam a militância e o material de luta, participaram da imprensa clandestina, escreveram, fizeram funcionar as gráficas e distribuíram as publicações produzidas de forma artesanal e em condições muito precárias. Cuidaram da saúde e da segurança de militantes e familiares. Tiveram suas crianças na clandestinidade, nas prisões. Viram suas crianças expostas às sessões de tortura, ameaçadas ou mesmo torturadas. Sofreram abortos dolorosos devidos aos espancamentos e chutes dos torturadores. Foram impedidas de amamentar seus bebês nos cárceres, menstruaram de forma excessiva ou escassa, conforme as sessões de torturas. Foram estupradas e sofreram violência sexual. Tiveram seus corpos nus expostos para os torturadores espancá-los, queimá-los com pontas de cigarro ou com choques elétricos..." A descrição das sessões de tortura continuam, mas é intensamente pesada e sofrida, que não está na íntegra.

O texto fala ainda sobre as formas como muitas dessas mulheres foram mortas ou deixaram de existir normalmente, pertubadas mentalmente em decorrência das constantes e violentas sessões de tortura. Existem também os casos de mortes por acidentes estratégicamente planejados, como o de Zuzu Angel, que denunciava insistentamente o desaparecimento de seu filho Stuart Angel Jones.

Para encerrar, o documento Verdade e Gênero diz: "Ao buscar a verdade, a Comissão da Verdade deve analisar os fatos e suas circunstâncias, numa perspectiva de gênero, ou seja, considerando que as desigualdades entre os sexos levaram a consequências e sequelas distintas entre mulheres e homens, em decorrência das brutalidades cometidas pela ditadura militar.

Só assim a história poderá fazer justiça às mulheres, a parcela mais esquecida e menos visível da humanidade. Não basta ouvir as mulheres, será preciso senti-las em toda a dimensão de suas ações."

Comuperam a mesa os deputados Alcides Amazonas e Leci Brandão, o ex-vereador Jamil Murad (todos do PCdoB), Claudia de Arruda Campos, Everaldo Gonçalves, Laura Petit, Saulo Garlippe, Helenalda Rezende e Crimeia Almeida.



Memorial das desaparecidas



Helenira Rezende nasceu em 11/1/1944 e desapareceu em 29/9/1979.

Luiza Augusta Garlippe, nasceu em 16/10/1941 e desapareceu em junho de 1974.

Maria Lucia Petit, nascida em 20/3/1950, desapareceu em 16/6/1972.

Suely Yomiko nasceu em 25/5/1948 e desapareceu em setembro de 1974.



Helenira



Claudia de Arruda Campos conheceu Helenira Rezende, "uma mulher muito bonita, inteligente, interessante". Helenira era veterana no curso de Letras e mentora política de seu grupo. Levou todos para a luta política. Conheceu também Suely. "Ela entrou no movimento pelas minhas mãos", disse Claudia, lembrando que estiveram juntas em todas as manifestações de 1968. "Não soube que Suely estava na guerrilha. Porém, em janeiro de 1973, quando eu estava no Chile, soube da morte da Helenira".

Helenalda, irmã da Helenira, falou sobre a busca da família por notícias da irmã. "Minhas irmãs Helenice e Heleneide chegaram a ir para o DOI-Codi prestar depoimentos e procuramos amigos para tirá-las de lá. Helenice não gostava de falar do assunto e Heleneide me acompanhava ao Comitê Brasileiro pela Anistia. Estive em Xambioá, passei pelo local onde uma pessoa disse ter visto Helenira ser enterrada. Mas essa testemunha não compareceu ao local no dia das buscas."

Everaldo Gonçalves afirmou que Helenira era do movimento estudantil e que o cursinho do grêmio da filosofia servia de apoio financeiro ao movimento. "Helenira era muito vibrante, nas assembleias mostrava decisão". Everaldo perdeu contato por um tempo com Helenira, mas depois foram juntos para a guerrilha rural. "Em 1967, duas companhias estrangeiras despertaram interesse pelo ferro descoberto na região do Araguaia. Fui como geólogo. Havia um acampamento na beira do Rio, com curso de alfabetização para os moradores da região."



Luíza



Saulo Garlippe, irmão de Luiza Augusta Garlippe lembrou que "Curió deu uma entrevista para a revista Playboy, na qual ele afirma categoricamente que assassinou Luiza e Dina. Continuamos querendo esclarecer isso. Encontrei Luiza pela última vez, em 1971, em frente ao Cine Joia. Ela não disse para onde ia, apenas pediu para que eu cuidasse da família. Recebi uma carta um ano depois, na qual ela contou que estava vivendo como camponesa. O partido pediu para queimar a carta, por segurança."



Maria Lúcia



Laura Petit, irmã de Maria Lúcia Petit disse que a história de sua irmã foi bem relatada na leitura dos memoriais. "A Justiça seria o ponto final para nós familiares, conhecer os responsáveis pelos crimes. Decorridos 40 anos do acontecimento, ainda não temos esses crimes esclarecidos. A ossada foi encontrada e identificada 24 anos após a morte de minha irmã. Ela não é mais considerada desaparecida, ela é vítima de execução sumária. Estamos aguardando para saber o que aconteceu ao certo". Já existe livro publicado por responsáveis e eles ainda não foram chamados para depor, pois alegam que são garantidos pela Constituição. Alguns debocham perante a Justiça: "Querem achar os ossos? Venha procurar no meu bolso."

Laura pediu à comissão que localize documentos em poder da família do general Antonio Bandeira. "A filha está viva. Talvez saiba do baú que ele guardava. Também deveriam procurar por documentos que podem estar em posse do filho do general Hugo de Abreu", destacou Laura e concluiu: "Minha família foi triplamente penalizada, de 5 irmãos, 3 foram vítimas. Minha mãe morreu com a vontade de enterrar os filhos. Não abandonaremos a luta."



Suely



Suely Yumiko Kanayama (Chica), desaparecida em setembro de 1974, nasceu em 25/5/1948, em Coronel Macedo (SP). Suely terminou o colegial na Escola Alberto Levy, em 1967, na capital. Em seguida, ingressou na USP, sendo aprovada no vestibular para licenciatura em língua portuguesa e germânica. Tornou-se amiga de Rioko Kaiano e, juntas, ingressaram na Ação Popular (AP). Mais tarde, outra nikei, Nair Kobashi, as convidou para militarem no PCdoB. Passaram, então, a serem chamadas de o "exército japonês".

Chegou à região próxima do rio Araguaia, no Sudeste do Pará, em fins de 1971, sendo uma das últimas a integrar o destacamento B. De acordo com reportagem publicada no Diário Nippac, de 28/7/1979, no artigo Yumiko, a Nissei Guerrilheira, Suely foi morta com rajadas de metralhadoras disparadas por diversos militares, deixando seu corpo irreconhecível. Foi enterrada em Xambioá (TO) e seus restos mortais foram, posteriormente, exumados por estranhos. Além desses dados, pouco se sabe de sua vida, uma vez que até mesmo seus familiares recusam-se a lembrar e falar dela. Tudo o que se referia a Suely Yumiko parece ter sido apagado, nem mesmo seus documentos na faculdade se pode encontrar, somente pedidos de matrículas e o nº do RG, mas o espaço para a fotografia está em branco.

Consta em relatório escrito pelo dirigente do PCdoB, Ângelo Arroyo, que escapou do cerco militar à região da Guerrilha do Araguaia, em 1974, que Suely havia saído do local, junto com José Maurílio Patrício, antes do dia 25/12/73, para buscar Cilon da Cunha Brum e José Lima Piauhy Dourado. Deveriam retornar no dia 28/12 ao local onde houve o tiroteio, no dia 25/12. Não foram mais vistos.

Sobre a ocultação do cadáver de Suely, o coronel da Aeronáutica Pedro Cabral afirmou em entrevista à revista Veja, em 13/10/1993, que Suely havia sido morta no final de 1974. Seu corpo estava enterrado num local chamado Bacaba, onde, sob a coordenação do Centro de Informações do Exército (CIE) foram construídas celas e se interrogavam os prisioneiros. Durante a operação limpeza, sua cova foi aberta e o corpo de Suely desenterrado. Intacto, sem roupa, a pele muito branca não apresentava nenhum sinal de decomposição, apenas marcas de bala. "O corpo de Suely foi colocado num saco plástico e levado até meu helicóptero que o transportou para um ponto ao sul da Serra das Andorinhas, a 100 km de distância. Ali fizeram uma pilha de cadáveres também desenterrados de suas covas originais. Cobertos com pneus velhos e gasolina, foram incendiados."

O relatório do Ministério da Aeronáutica entregue ao ministro da Justiça Maurício Corrêa, em 1993, afirma sobre Suely que "cercada pelas forças de segurança, foi morta ao recusar sua rendição".



Quem sobreviveu à luta



Crimeia Almeida é sobrevivente do Araguaia. Ela fazia parte do destacamento A. "O combate começou em 12/4/1972, com três campanhas. Nesta época os militares não conseguiram chegar ao destacamento A nem ao B, só ao C. Eles sequestraram as pessoas, pois nenhum caso foi comunicado em juízo, nenhum guerrilheiro foi processado. Mesmo nós, os sobreviventes, quando soltos, ficamos em liberdade vigiada. Fui presa, grávida de 7 meses, e meu companheiro André Grabois permanece desaparecido. Na segunda campanha, meu destacamento perdeu Helenira e fiquei sabendo de sua morte quando eu estava presa. Curió fala da execução de 41 pessoas. Camponeses disseram que nos anos de 1975 e 1976 houve uma operação limpeza, o que dificulta a busca por ossadas. A Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos teve acesso a parte de documentos do ACE."

A sobrevivente pediu à Comissão da Verdade que localize documentos da Agência Central (ACE) do Serviço Nacional de Informações (SNI), pois esses documentos podem esclarecer mais detalhes sobre os desaparecidos do Araguaia.



História apagada



Amélia Teles afirmou que a ditadura fez de tudo para apagar o episódio do Araguaia. "Existe um processo contra o PCdoB, mas não existe nada sobre o Araguaia. Quiseram apagar esse movimento de resistência. É preciso inseri-lo na história do Brasil. Houve uma adesão enorme de camponeses e o próprio Curió ressalta isso, porque ele disse que teve muito trabalho para debelar a guerrilha. Se fala num contingente de 20 mil militares armados envolvidos na busca de militantes. Qaundo eles pegaram Maria Lúcia Petit, ela carregava apenas um revólver 38 com 6 balas e uma escova de dentes com cabo quebrado. E eles a chamam de terrorista", destacou Amélia, lembrando que muitos guerrilheiros foram obrigados a cavar suas próprias covas para serem enterrados.

A Folha de S. Paulo registrou sete crianças nascidas naquele período, filhos de guerrilheiros, adotadas por pessoas da região. Essas crianças não sabem sua história real. O Estado brasileiro lhes deve essa explicação.



A próxima oitiva da comissão será na terça-feira, 12/3, às 10h30, no auditório Teotônio Vilela, para coleta de testemunhos dos casos de Maria Augusta Thomaz e de Márcio Beck Machado.



O Araguaia



Guerrilha do Araguaia é o nome dado ao movimento guerrilheiro ocorrido na confluência do norte de Goiás (atual Tocantins) com os estados do Pará e Maranhão, região conhecida como Bico do Papagaio. A guerrilha, que alcançou seu auge na primeira metade da década de 70, atuava com o objetivo de combater o regime militar então existente e instalar uma revolução de caráter socialista no Brasil, a exemplo do que ocorrera em Cuba e na China.

Orientados pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), os guerrilheiros (em sua maioria estudantes ou profissionais recém-formados) começaram a se instalar na região em 1966. No início da década de 70, havia na região cerca de 70 guerrilheiros trabalhando como agricultores, farmacêuticos, professores, médicos, enfermeiros e comerciantes.

A guerrilha se estruturou por meio da criação de uma comissão militar, que coordenava três agrupamentos menores, formados por 21 militantes cada um. Esses, por sua vez, se dividiam em três grupos de sete militantes. Essa estrutura facilitava os trabalhos da guerrilha e permitia que os guerrilheiros se mantivessem anônimos na região.

As primeiras incursões do Exército para combater a guerrilha começaram em 1972. Para acabar com o movimento, o Exército realizou três campanhas durante quase dois anos. O fim do movimento se deu em dezembro de 1973, com a destruição, pelo Exército, da comissão militar da guerrilha.

O nome da guerilha tem origem no fato de que seus integrantes se espalharam por áreas situadas ao longo da extensão do rio Araguaia, próximo aos municípios de Marabá (PA) e Xambioá (TO). Essas cidades hoje estão entre as localidades onde se realizam as buscas aos restos mortais das vítimas do episódio.

Fonte: www.defesa.gov.br

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