Comissão da Verdade ouve depoimentos de mulheres vítimas da ditadura

As três militantes tiveram as famílias igualmente torturadas
14/06/2013 21:28 | Da Redação: Gabriel Cabral - Foto: Dulce Akemi

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Público acompanha depoimentos <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2013/fg126688.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adriano Diogo (centro) e ex-presas politicas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2013/fg126689.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presidente da comissão, Adriano Diogo, acompanha relatos sobre tortura<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-06-2013/fg126690.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Nesta sexta-feira, 14/6, mais uma coletânea de depoimentos de memórias de vítimas do regime militar no Brasil foi ouvida pela Comissão da Verdade Rubens Paiva, conduzida por Adriano Diogo (PT) e que teve a presença de Angela Mendes, Ana Maria Gomes, Ieda dos Reis e Maria Celeste Marcondes.

Maria Celeste contou que, ao ser pega pelos órgãos de repressão, teve muito medo quando a delatar endereços dos quais ela tinha conhecimento. Enquanto ficou escondida, Celeste não viu os filhos, pois mesmo estando no Brasil, temia que os militares a seguissem. Com alegria, lembra de pessoas que cuidaram de seus filhos.

Conseguiu fugir para o Chile, com passaporte falso, em meio a um grupo rumo a um congresso de ornitologia. Lá passou dois anos e meio, onde definiu o período como "sem passado, futuro e um presente quebra-galho". Ainda detalhou as dificuldades que teve na França, onde se refugiou por cinco anos. "Planejei com um amigo um projeto para as instituições de menores infratores do Brasil, baseado nas ações eficientes do exterior." Celeste lembrou das festas de final de ano em sua casa, no exílio na França, quando compareciam mais de 150 brasileiros, todos exilados na França, Suécia e Portugal.

Exílio oficial

Ieda dos Reis recordou o quanto a cidade de Araçatuba, onde cresceu, foi afetada pelo regime militar. Contou de sua família presa - seu marido, seu irmão e irmã, confundida com a própria Ieda, e de seus pais constantemente vigiados. Ressaltou a crueldade do capitão Gomes Carneiro e do agente Timóteo, que a torturaram brutalmente na cadeira do dragão e no pau de arara. Nos países por onde passou - Chile, Panamá e Portugal - "vivíamos com o fantasma da extradição e acabei presa por respirar um ar de liberdade", disse Ieda destacando que também viveu na Bélgica, onde teve o único exílio oficial atribuído pela ONU. Decidiu voltar ao Brasil quando começou a enfrentar problemas psicológicos graves. "A ação repressora tem um poder destrutivo, pois eles violavam fundo o âmbito familiar. Quando voltei, tive que construir uma relação com meu filho. Eu só tinha amor guardado e ele relatos de familiares sobre mim", contou Ieda, afastada do filho de 1969 a 1979, e que teve tios, pais e avôs presos ou sob vigia constante do regime.

Resultado da pobreza

Ana Maria Gomes, nascida em Tatuí e criada em Osasco, disse ter compartilhado com a mãe o serviço doméstico desde os sete anos. Segundo ela, sua militância surgiu como resultado da própria pobreza. Numa fábrica, onde sua mãe foi faxineira, percebeu o que era desigualdade social. Criou uma organização em Osasco, com seu irmão e amigos, que deu início a uma série de greves. Presa no Dops, foi liberada depois de um dia, com o conselho: "vocês são mulheres e jovens e se ficarem nessas greves não casarão".

Frizou o papel dos movimentos sociais e o início de ações sindicais, grevistas, operárias e estudantis. Se encontrava com colegas, que combinavam códigos para despistar os militares. Nos dias que passaram desapercebidos os códigos, seus colegas foram presos. Depois, Ana também foi presa e levada à Oban (Operação Bandeirantes), onde foi torturada com choques, porém, a maior tortura foi a psicológica.

Os traumas a afetam até hoje. A sindicalista sonha sempre que procura sua casa e não a encontra. Justificou o medo, lembrando situações em que ia a determinados locais que desconhecia o endereço. Por muito tempo Ana não conseguia deixar portas abertas, pois na cela onde ficava com outras encarceradas, diversos militares abriam a cela para torturas diárias. Torturada no Dops pelo delegado Fleury, Ana contou chorando como o policial fez questão de detalhar como o irmão dela morreu.

Passou por várias cidades da Argentina, Chile, China e Argélia. De volta ao Brasil, continuou militando e foi coordenadora de um grupo de mulheres. Hoje leciona na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Ana Maria leu o depoimento de seu irmão, Osni Geraldo Gomes, que passou por forte repressão no Chile. "Ele conseguiu escrever a carta somente 40 anos depois do ocorrido." Osni vive com sequelas físicas, psíquicas e emocionais.

alesp