Comissão da Verdade debate dois casos de militantes torturados e mortos

As vítimas eram estudantes de medicina da USP e membros do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz
31/07/2013 19:19 | Sillene Coquetti - Foto: Roberto Navarro

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Reinaldo Murano <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2013/fg127991.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adriano Diogo e Felícia Reicher<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2013/fg127986.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Carlos Henrique Menegoso<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2013/fg128002.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Geraldo Blay Roizman<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2013/fg127988.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adriano Diogo e convidados<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2013/fg127989.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Durante reunião da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva realizada nesta quarta-feira, 31/7, foram apresentados os casos de Gelson Reicher e Antônio Carlos Nogueira Cabral, ambos torturados e mortos durante o período do regime militar. Familiares e amigos compareceram para relembrar os fatos e colaborar na elucidação dos detalhes que permeiam a morte dos homenageados.

Presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), a Comissão ouviu o psicanalista e ex-preso político Reinaldo Murano, que entrou no curso de medicina da USP um ano antes de Reicher e Cabral e, juntos, participaram do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (Caoc), nos cargos de presidente e vice. Segundo Murano, os dois jovens se distinguiam dos demais por conta da vontade de participar de todas as ações do Caoc. Naquela época, havia os diretórios de chapa branca, que recebiam dinheiro da ditadura para promovê-la. Assim, nos anos de 1968 e 1969, em forma de oposição, decidiram disputar a presidência do diretório acadêmico. "A dupla tinha um compromisso ideológico com os interesses da maioria da população brasileira e, se estivessem vivos hoje, estariam com certeza lutando contra o corporativismo", afirmou.



Museu de horrores

Ainda segundo Murano, durante sua prisão por agentes da repressão, dividiu a cela com um cabo do Exército chamado José Mariani que, após depor no prédio da Auditoria Militar, o próprio juiz determinou que ele fosse torturado. Isso ocorreu no subsolo do prédio. Diante desse fato, Murano parabenizou a comissão pela conquista de transformar o prédio da Auditoria, localizado na avenida Brigadeiro Luis Antônio em um local preservado, devido a sua importância histórica por ter servido como instrumento de tortura durante a ditadura militar.

Felícia Reicher, irmã do militante Gelson Reicher, compareceu à reunião e citou a frase, "devemos conhecer a verdade para que não se cometam os mesmos erros". Felícia falou que desde pequena ouvia de seus pais, imigrantes poloneses, histórias sobre a perseguição aos judeus por parte dos nazistas alemães. Essa era a forma de a família não esquecer o ocorrido. Disse que seu pai, de ideologia esquerdista, se culpou após a morte do filho por acreditar tê-lo incentivado a participar do movimento. Felícia, muito emocionada, afirmou desconhecer todas as atividades de seu irmão e que, antes de ser morto, ele já havia saído de casa por conta da militância.

O clima de medo e terror durante a ditadura militar, principalmente quando algum conhecido ou familiar era militante, foi lembrado por Geraldo Blay Roizman, que na época, com apenas sete anos, soube da morte de Reicher.

Comissão da Verdade da UNE

O sociólogo e coordenador da Comissão da Verdade da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carlos Henrique Menegozzo, elucidou o trabalho realizado pela Comissão da UNE, lançada no início do ano, o qual se separa em três frentes. A primeira busca montar relatórios de casos mal resolvidos, como o de Honestino Guimarães, desaparecido até hoje; a segunda visa recolher informações da UNE, principalmente nos anos de 1969 a 1973, e a terceira para promover o debate político e elucidar os casos dos membros mortos e desaparecidos.

Por terem participado do Grupo de Teatro Medicina (GTM), o presidente Adriano Diogo solicitou que documentos referente aos textos de Reicher e Cabral fossem solicitados ao GTM para ajudar no esclarecimento do caso e garantiu que haverá uma sessão da Comissão Estadual da Verdade para tratar especificamente da Comissão da Verdade da UNE.

Personagens em destaque

Gelson Reicher, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) e morto em 20 de janeiro de 1972, foi estudante do 5º ano de Medicina na USP e diretor do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz. Ajudou a fundar os jornais 1º de Maio, Ação e O Guerrilheiro. Na versão oficial de sua morte consta que o carro em que se encontrava passou o farol vermelho em alta velocidade e, ao serem interceptados por policiais, saíram do carro atirando. Motorista e carona são mortos a tiros. Fotos encontradas no arquivo do Dops-SP indicavam prováveis escoriações e hematomas. O depoimento de um preso contando o paradeiro de Raicher também foi encontrado, derrubando, assim, a versão de encontro casual entre os agentes repressores e Raicher.

Um fato que intrigou toda a família foi o fato de que a autópsia foi realizada pelo médico-legista Isaac Abramovitc, amigo da família de Reicher, mas mesmo assim, emitiu laudo e atestado de óbito com o nome falso, permitindo que o corpo fosse enterrado como indigente em Perus. Posteriormente, ele alegou não ter reconhecido o rosto do autopsiado. O corpo só foi recuperado devido ao fato de terem assinado o laudo com o nome falso e o verdadeiro.



Antônio Carlos Nogueira Cabral, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) e morto em 12 de abril de 1972. Estudante de Medicina na USP foi presidente do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz. Sua prisão foi declarada como desconhecida e a notícia de sua morte foi publicada nos jornais apenas seis dias depois. Segundo a versão oficial contida no auto de exame cadavérico, Antônio Carlos foi morto à bala em aparelho subversivo após reagir a prisão. O caixão foi entregue à família lacrado e com ordens para não ser aberto.

As duas únicas fotos de seu corpo encontradas nos arquivos do IML-RJ, junto a dezenas de outras, sem qualquer identificação, mostram visíveis marcas de tortura: escoriações nas mãos, no tórax, no rosto, faces e testa. Algumas são descritas na necropsia, outras não. Em 2007, foi inaugurado, na sede da entidade estudantil, um memorial com fotos e textos, em homenagem a Antônio Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher.

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