Documentos apresentados revelam o apoio entre as ditaduras do Cone Sul

Mesmo antes da Operação Condor, já havia cooperação entre Brasil e Argentina
11/10/2013 21:18 | Da Redação: Sillene Coquetti Foto: Roberto Navarro

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Janaina de Almeida Teles, Adriano Diogo e Mabel Bernis<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg130983.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Carlos Lafforgue  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg130982.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Andre Saboia Martins e Janaina de Almeida Teles  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg130981.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Auditório Paulo Kabayashi da Assembleia <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg130984.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Mabel Bernis  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg130985.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva ouviu nesta sexta-feira, 11/10, em conjunto com a Comissão Nacional da Verdade, depoimentos acerca do desaparecimento de Jean Henri Raya, visto pela última vez no Rio de Janeiro em 21/11/73, quando foi apreendido por órgãos de segurança. A comissão abordou ainda o elo entre os desaparecimentos no Brasil e na Argentina por meio da parceria entre as ditaduras do Cone Sul.

A partir do relatório produzido e apresentado durante sessão pela historiadora Janaina de Almeida Teles e anexado na segunda edição do Dossiê Ditadura, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, pode-se notar clara ligação entre os casos de desaparecimento de Jean Henri Raya, Antonio Pregoni e Caiupy Alves de Castro. As semelhanças se mostram na data do desaparecimento e no local, Rio de Janeiro. As pesquisas foram iniciaram em 2008 e possuem como base diversos documentos oficiais, telegramas, pesquisas de familiares, matérias de jornais, trechos de livros, depoimentos, perícias, entre outros.

Repressão sem fronteiras

O secretário executivo da Comissão Nacional da Verdade, André Saboia Martins também colaborou com o relatório, que mostra ainda a possível corelação dos três desaparecimentos com os casos de Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita, presos em Buenos Aires e trazidos para o Brasil. A passagens deles consta em documentos do DOI-Codi da rua Barão de Mesquita no Rio de Janeiro. Segundo Saboia, há cerca de 700 casos de desaparecidos vitimados fora de seu território natal. Destes, até o momento, são 17 brasileiros mortos fora do Brasil e 8 estrangeiros em território brasileiro.

Segundo o documento, Raya era vigiado pela inteligência da Marinha brasileira, pois manteve contato com exilados na Argentina e com pessoas que viviam clandestinamente no Rio. No documento, datado de março de 1974, um agente relata informações obtidas por um informante, afirmando que Raya e Pregoni eram pertencentes ao movimento armado dos tupamaros, do Uruguai, e envolvidos com Cerveira, militar brasileiro cassado em 1964, banido do Brasil e exilado na Argentina.

Saboia defendeu ainda que é muito importante a abertura dos documentos e elucidou que o apoio entre as ditaduras dos países do Cone Sul aconteceram bem antes da Operação Condor, criada para coordenar a repressão a opositores e eliminar líderes de esquerda instalados nos países sul-americanos. A operação durou de 1975 a 1980 e envolveu Brasil, Chile, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai.

A coordenadora da Comissão Nacional da Verdade Rosa Cardoso comentou da complexidade de se montar um relato e da urgência em torno dos trabalhos das comissões. "Essa atividade é complexa porque implica em nós termos de apurar os fatos com muita precisão, ouvindo vítimas, mas também os torturadores e assassinos. Mas ao mesmo tempo nós temos pressa, porque esses violadores estão morrendo. Nós todos estamos ficando velhos. Essa história precisa ter resultados para os sobreviventes", destacou.

Os casos

Em meio aos depoimentos foram apresentados documentos que comprovam a ligação dos casos. Para a historiadora Janaina Teles, o conteúdo já existente é capaz de dar uma perspectiva do apoio entre países, mas as investigações serão aprofundadas, principalmente com relação aos casos envolvendo a Operação Condor. Ainda segundo Janaina, recentemente a embaixada do Brasil na Argentina levantou sete nomes de desaparecidos uruguaios com cidadania brasileira militantes do Partido por La Vitória del Pueblo (PVP).

A psicanalista Mabel Bernis Raya, viúva do militante Jean Henri Raya, contou que seu marido trabalhava na área administrativa de um frigorífico, e apenas alguns meses antes de seu desaparecimento havia se envolvido com questões esquerdistas. Mabel revelou ainda que quando Raya chegou ao Brasil lhe enviou duas cartas, a última com o endereço de um apartamento na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, dizendo que logo voltaria para casa. No entanto, passados alguns dias sem notícias, Mabel recebeu um telefonema de um brasileiro afirmando que seu marido estava vivo, porém, preso no DOI-Codi-RJ. Mabel viajou para o Brasil, contratou um advogado e iniciou uma busca incessante por seu marido, mas de nada adiantou.

Hoje, quase quarenta anos depois do desaparecimento de Raya, Mabel se emociona ao contar que depois de tanto tempo não esperava que o caso voltasse a ser lembrado, junto com o drama de viver um desaparecimento. "A coisa mais terrível é ter alguém desaparecido, pois isso traz diversas limitações. Impossibilita a família de enterrar o corpo e de ter um lugar para se despedir. Não há desaparecidos e sim mortos, assassinados, e seus assassinos devem ser punidos", afirmou Mabel.

Em resposta, o deputado Adriano Diogo (PT) presidente da comissão destacou que no Brasil não há a prerrogativa para punição, que a Justiça está muito longe de acontecer, mas se os fatos forem esclarecidos já será um grande passo.

O secretário executivo do Arquivo Nacional da Memória da Argentina, Carlos Lafforgue, esteve presente e relatou sua participação na militância. Falou da dificuldade em saber o que aconteceu com seus companheiros desaparecidos. Amigo do desaparecido político Antonio Pregoni, Lafforgue afirmou que chegou a procurá-lo, mas que só conseguiu o relato de uma vizinha, dizendo que ele simplesmente sumira sem dizer nada. Não satisfeito, pesquisou nos registros imigratórios, onde nada constava, possivelmente por conta do uso de nomes falsos.

Segundo Lafforgue, a ditadura argentina deixou cerca de 30 mil desaparecidos, mas, graças a testemunhas, ações estão sendo abertas contra os envolvidos e, até o momento, 470 agentes da ditadura já foram presos e cerca de mil estão sendo processados. "O mesmo sistema judicial que condena um bandido comum está julgando os criminosos que praticaram crimes contra a humanidade", afirmou. Lafforgue defendeu ainda a universalização do processo de punição e justiça, e que os trabalhos de pesquisas não parem.

alesp