Caso da madre torturada pela ditadura militar é relembrado pela Comissão da Verdade

Religiosa foi acusada injustamente de subversão e sofreu abusos na Oban
22/10/2013 22:10 | Da Redação: Sillene Coquetti Foto: Roberto Navarro

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Reunião desta segunda-feira, 21/10, da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg131553.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Aurea Morete e Denise Assis  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg131554.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Denise Assis<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg131555.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adriano Diogo, frei João, frei Manoel e Aurea Morete  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg131556.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Matilde Leone e Adriano Diogo  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2013/fg131557.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva abordou nesta segunda-feira, 21/10, o caso da madre Maurina Borges da Silveira, torturada e estuprada dentro da Operação Bandeirantes (Oban). Acusada de subversão por envolvimento com a Força Armada de Libertação Nacional (Faln), Maurina foi levada do Lar Santana, em Ribeirão Preto - orfanato no qual atuava como madre superiora - para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops) na capital paulista em 1969.

Segundo Matilde Leone, jornalista e escritora do livro Sombras da Repressão - O Outono de Maurina Borges, a madre teria sido acusada injustamente. Quando, no início da década de 1960, chegou para coordenar o orfanato, um grupo de jovens usava uma das salas, mas a madre não sabia o objetivo dos encontros.

Quando se deu golpe, e os jovens que se reuniam foram presos, a madre teria ido à sala e encontrou diversos documentos com nomes, fotografias e jornais. Foi então que teria solicitado ao jardineiro para que queimasse todos os papéis. Junto com os documentos havia uma pasta em bom estado que, vazia, foi dada ao jardineiro. Ao sair do orfanato, o funcionário foi questionado pela polícia acerca da origem da pasta e, sob tortura, contou que a havia ganhado da madre. Então os funcionários levaram presa a religiosa, sob a acusação de subversão.

Plano de desmoralização

Apesar de Maurina não ter aparentemente envolvimento com nenhuma organização, ainda havia o questionamento do motivo de nome da madre constar na lista de presos políticos a serem trocados pelo cônsul japonês Nobuo Okuchi, sequestrado pelo movimento esquerdista Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Segundo a jornalista Denise Assis, autora do livro Imaculada, ao questionar dom Paulo Evaristo Arns sobre o assunto, ele afirmou que tudo não passou de um plano do governo para desmoralizar a Igreja Católica, uma vez que os próprios militares colocaram o nome de Maurina na lista. A intenção era justificar ações contra membros do clero.

Matilde Leone afirmou que seu livro mistura realidade com ficção e que as pesquisas para formular o livro se iniciaram em 1985, mas apenas em 1999 o livro foi publicado, pois havia muita dificuldade em conseguir informações devido ao medo que as pessoas tinham e ainda têm de falar sobre essa época. Para ela, a madre foi sacrificada duas vezes, a primeira quando foi torturada, e a segunda quando passou 15 anos exilada no México.

Tortura e estupro

Ao ser presa em Ribeirão Preto e transferida para o Dops de São Paulo, Maurina passou por sessões diárias de tortura com a finalidade de fazê-la entregar esquemas de operação, que ela desconhecia. Sua companheira de cela, a militante e comunista declarada Áurea Morete, afirmou que um dia, após sessão de tortura, um militar abriu a porta de sua cela levando a madre e perguntou se ambas se conhecem. Elas negam, pois de fato era a primeira vez que se viam.

Mais tarde, a madre foi levada novamente à cela, dessa vez cheia de hematomas provenientes de tortura. "Eu preferia estar lá dentro sendo torturada, a ouvir as outras mulheres gritando de dor com as torturas", afirmou Áurea.

A depoente relatou ainda que era espancada diariamente e era tripudiada por ser mulher. "Mulher é para transar com o marido, criar os filhos e cuidar da casa e não se intrometer na política. Por conta disso vão apanhar", destacou.

A militante garantiu que a irmã Maurina sofria diversos assédios por parte do militares e que em uma madrugada, um militar retirou a madre da cela. Ao retornar, "ela estava com as roupas descompostas e chorando desesperada". Segundo informações, o capitão Dalmo Luiz Cirilo estuprou a madre naquela. Na época, o bispo da região excomungou dois dos torturadores da madre.

Confirmação do abuso

Assim como o irmão de Maurina, o padre Manoel da Silveira, muitos não acreditam na possibilidade de a madre ter sido estuprada. "Agradou-me muito ouvir a todos, tudo foi bem explanado, mas eu estive depois com Maurina e não acredito que ela tenha sido estuprada", defendeu Manoel.

No entanto, a jornalista Denise Assis afirmou que, em um telefonema, a madre confirmou o estupro. "Em nome das mulheres deste país que lutaram pela liberdade sexual, peço que responda não apenas a uma jornalista, mas sim para toda uma sociedade até aonde chegou a ditadura no desrespeito valores e crenças. A senhora foi estuprada e por consequência engravidou? Ela me respondeu, isso aconteceu, mas eu pedi muito a Deus que não houvesse consequência. Ela me confirmou o estupro, mas não a gravidez", relatou.

Ainda segundo Denise, a madre solicitou para retornar do exílio no México, mas por diversas vezes teve seu caso protelado. O caso chegou ao presidente Geisel, que optou por manter o exílio. A religiosa permaneceu no México até a promulgação da Lei da Anistia.

Tratamento por gênero

O representante da Comissão Nacional da Verdade responsável pelo núcleo das igrejas, Anivaldo Padilha, afirmou ter sido preso com militantes de Ribeirão Preto e ficou emocionado ao saber que seus algozes foram os mesmos que torturaram a madre Maurina. Para ele, a ditadura tratou de forma diferente homens e mulheres, assim como a instituição Igreja Católica trata de forma inferiorizada a mulher. "Ao recuperarmos a verdade teremos justiça, e a partir disso espero que as igrejas olhem de maneira consciente o gênero feminino, pois a discriminação sempre teve justificativa religiosa", concluiu.

O mesmo pode ser notado na fala do frei João. Ele relatou que o caso da morte do frei Tito teve muito mais repercussão do que o caso da madre Maurina, no seu entendomento, pelo fato de ela ser mulher. "A comissão deve estabelecer a verdade para que possamos corrigir nossos rumos, pois alguns erros são feitos por tradição. A paixão de Cristo reportada por mulheres, e graças às mulheres que falaram aqui, hoje, a história da madre está sendo lembrada".

O presidente da comissão, deputado Adriano Diogo (PT), afirmou que o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, falou em possível reforma da Lei da Anistia. Mas, em seguida, lamentou: "Infelizmente, o Brasil não quer a justiça". O parlamentar explicou que a comissão tem três partes: a memória, a verdade e a justiça. "Estamos na metade dos trabalhos da comissão e ainda estamos na parte da memória".

alesp