15 de novembro de 1889, A República no Brasil

Continuação...
13/11/2013 19:08 | Antônio Sérgio Ribeiro*

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D.Pedro II e Dona Thereza Christina em 1888  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg139708.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Marechal Deodoro da Fonseca<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg139711.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Funeral de Dom Pedro II, França em 1891<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg139710.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O embarque para o exílio

Todos permaneceram o dia 16 detidos no Paço, com soldados com baionetas e cavalarianos cercando o prédio. Ficou acertado que no dia seguinte, domingo, 17/11, por volta das 15 h, D. Pedro II e os demais embarcariam, tendo sido permitido a ele assistir de manhã à missa na Capela do Carmo, vizinha ao palácio. Mas, de madrugada, o Conde d´Eu foi inesperadamente despertado com a chegada do seu ajudante de ordens, o tenente-coronel João Nepomuceno de Medeiros Mallet, acompanhado do brigadeiro José Simeão de Oliveira, que lhe comunicou que o governo provisório temia o derramamento de sangue na partida da família imperial, pois soubera que havia um grupo disposto a provocar atritos quando da saída do monarca.

Acordado, o Imperador foi informado que deveria se vestir para embarcar. Surpreso e revoltado, disse "que não sairia como um negro fugido...". Mas, por volta das três da manhã, foi escoltado juntamente com a Imperatriz e toda a família, além de alguns amigos, para o Cais Pharoux, bem atrás do Paço Imperial, hoje Praça XV. Somente um coche negro puxado por dois cavalos estava à disposição, onde foram os imperadores e a princesa Isabel; os demais seguiram a pé. Uma lancha do Arsenal de Guerra, tripulada por quatro alunos da Escola Militar, aguardava-os, sendo transportados para o pequeno cruzador Parnaíba, apelidado de "gazela do mar", fundeado na Baía da Guanabara, próximo à Ilha Fiscal.

Às 10 horas da manhã chegaram os três jovens príncipes, Pedro de 14 anos, Luiz de 11 anos, e Antônio de 8 anos, que se encontravam em Petrópolis, acompanhados pelo seu preceptor, o Barão de Ramiz Galvão, e do engenheiro André Rebouças, amigo da família imperial, que havia subido a serra especialmente para trazer os filhos da Redentora e do Conde D´eu. A bordo, profundamente abalada, estava a Imperatriz D. Thereza Christina, que muito chorava; não menos comovida estava a Princesa Isabel, mas aliviada com a chegada dos seus filhos.

O segundo decreto assinado por Deodoro concedia ao Imperador deposto uma soma de dinheiro para sua viagem à Europa. O tenente Jerônimo Teixeira França foi incumbido de levar esse documento do governo provisório a D. Pedro; primeiramente deveria ser entregue no Paço, mas o major Mallet, receando que o imperador pudesse criar algum mal estar no momento, não deixou entregá-lo, o que foi feito somente a bordo do Parnaíba. Mas ele recusaria por mais de uma vez a oferta monetária. Entre os poucos amigos que foram se despedir de D. Pedro II, estava o velho almirante Joaquim Marques Lisboa, o marquês de Tamandaré.

Ao meio-dia de 17 de novembro de 1889, a embarcação sob o comando do capitão-de-fragata José Carlos Palmeira, levantou ferros e partiu em direção a Ilha Grande para encontrar o paquete Alagoas, da Companhia Brasileira de Navegação a Vapor, o mais novo e moderno navio de passageiros da marinha mercante do Brasil, que fora requisitado pelo governo republicano, para levar a realeza destronada para o exílio na Europa, e o seu pequeno séquito. Além dos membros da família imperial, de André Rebouças, viajaram o barão e baronesa de Loreto, Franklin Américo de Meneses Dória, e a sua esposa Maria Amanda Lustosa Paranaguá; o marquês e a marquesa de Muritiba, Manuel José Vieira Tosta e sua esposa Maria José Velho de Avelar, amiga e dama da princesa Isabel; a octogenária viscondessa de Fonseca Costa, Josefina de Fonseca Costa, dama da Imperatriz por mais de 40 anos; o professor de línguas orientais dr. Cristian F. Seybold; o médico do imperador Claudio Velho de Motta Maia, conde Motta Maia, e seu filho Manoel Augusto, de 14 anos; as criadas da imperatriz Joana de Alcântara, Leonídia L. Esposel, Ludomilla de Santa Mora, Maria da Gloria e Julieta Alves; o criado do príncipe D. Pedro Augusto François N. Boucher; os criados dos filhos da princesa Isabel, Eduardo Damer, e Guilherme Wagner Camerloker; o professor dos príncipes mais novos Fritz Stoll, além de Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, o conde de Aljezur, substituindo o mordomo imperial. O transbordo dos passageiros para o navio Alagoas foi realizado com dificuldades e perigos de um mar agitado, sendo a Imperatriz ajudada por dois marinheiros.

O novo governo determinou que o encouraçado Riachuelo da Marinha de Guerra, sob o comando do então Capitão-tenente Alexandrino Faria de Alencar (seria ministro da Marinha em três governos da República), fizesse a escolta até a linha do Equador do Alagoas, já fora de águas territoriais brasileiras. Durante a viagem Dom Pedro notou a que a velocidade da embarcação estava muito lenta e indagou ao comandante do navio - português, mas brasileiro por adoção -, João Maria Pessoa, a velocidade do Riachuelo. Foi informado que era de apenas sete ou oito milhas náutica. Apesar de não ser antigo - tinha apenas pouco mais de cinco anos de uso - e D. Pedro II de muita boa memória, sabia que quando foi construído sua velocidade máxima era de 16 milhas. Concluiu-se que a embarcação de guerra estava com problemas mecânicos. Um dia o imperador reclamou ao capitão Pessoa, e apontando ao 1º Tenente João Augusto do Amorim Rangel, oficial da Marinha que estava a bordo para cumprir as determinações das autoridades republicanas, juntamente com seu colega, o 2º Tenente Antônio Barbosa de Magalhães Castro:

- Diga a esse moço que vem a bordo, que se o Riachuelo é honraria, eu dispenso; se quer dizer receio, eu não quero voltar. O Brasil não me quer, vou-me embora!

Na altura da Bahia, no dia 22 de novembro, para alívio de todos, e em especial de D. Pedro, o Riachuelo encerrou sua missão, e deu meia volta para dirigir-se a Salvador, e o Alagoas pode então seguir sua longa viagem, em uma velocidade compatível com suas caldeiras.

Durante a viagem, o jovem príncipe D. Pedro Augusto, neto de D. Pedro II, e por ele criado e pela imperatriz, desde a morte de sua mãe a princesa Leopoldina de Bragança, quando contava com quase cinco anos de idade, começou a dar sinais de debilidade mental. Com mania de perseguição, no seu primeiro surto psicótico, tentou esganar o comandante do navio, a quem acusava de ter recebido dinheiro para eliminar a todos. Contido e confinado em seu camarote, foi acometido de delírios persecutórios, chegando a envolver seu corpo numa boia salva-vidas, temendo que o navio fosse bombardeado. Alternando momentos de excitação e de letargia, Pedro Augusto jogava garrafas ao mar com pedidos de socorro. Pelo menos uma dessas mensagens, foi encontrada na praia de Maragogi, próximo a Maceió, em Alagoas. Posteriormente seu pai, o príncipe austríaco Luís Augusto de Saxe-Coburgo-Gota, o internou primeiro em Graz, e depois em um sanatório em Tülln an der Donau, onde permaneceu por quarenta anos, até sua morte em 1934.

No dia 1º dezembro, houve uma parada para reabastecimento em São Vicente, no arquipélago de Cabo Verde, uma possessão portuguesa, no oceano Atlântico, próxima da costa africana. Os passageiros foram autorizados a descer, e foram visitar alguns pontos da cidade, incluindo uma igreja, onde rezaram. Dessa escala, foi içada na popa do Alagoas uma bandeira imitando o "M" do Código Internacional de Sinais, com o fundo completamente vermelho e sobre filetes brancos as 21 estrelas em filete azul, sendo a estrela do centro maior. Essa bandeira foi entregue em alto mar pelo comandante do Riachuelo ao capitão Pessoa, como símbolo do novo regime brasileiro. A nova bandeira iria causar uma quase crise com Portugal, que determinou a sua retirada por não ser reconhecida de acordo com as normas internacionais. Para evitar maiores problemas, o governo provisório brasileiro determinou que durante a permanência do navio em águas portuguesas não fosse arvorado nenhum pavilhão.

Quando da partida do Alagoas, o navio da marinha portuguesa Bartolomeu Dias, que estava no porto, deu uma salva de 21 tiros de canhão. Nesse momento, foi içada a bandeira do Império, e todos que estavam a bordo, se levantaram e bateram palmas, alguns emocionados até as lágrimas. Da embarcação lusitana e de alguns navios alemães que ali se encontravam, tripulantes e passageiros sacudiram lenços brancos. No dia seguinte, foi comemorado a bordo o 64º aniversário do Imperador, que ficou muito comovido ao ouvir as palavras de saudação do comandante Pessoa em sua homenagem, quando este ergueu um brinde, ao lado dos presentes. D. Pedro respondeu com palavras trêmulas:

- Bebo a prosperidade do Brasil!

Em Portugal

Em 7 de dezembro, com a bandeira do Império tremulando no mastro, o Alagoas finalmente chegou a Lisboa. D. Pedro foi recebido com honras por seu sobrinho D. Carlos, e toda a corte portuguesa. Permaneceu na capital lusitana por 15 dias. Nesse curto período, visitou o túmulo de seu pai D. Pedro I (D. Pedro IV para os portugueses), na Igreja de São Vicente de Fora, onde rezou, e depositou, no mesmo local, uma coroa de flores no túmulo do Rei Luís, recentemente falecido, tendo participado de uma missa em intenção da alma desse seu sobrinho. Foi a escolas superiores, associações científicas, como o Museu do Carmo, a Escola Politécnica, o Curso Superior de Letras, onde assistiu aulas, o bairro lisboeta da Alfama, o Jardim Zoológico, a Escola Médica, o Hospital São José, a Academia de Ciências, o Mosteiro dos Jerônimos, onde colocou uma coroa no túmulo do poeta e escritor português Alexandre Herculano, e no hotel onde ficou, recebeu algumas visitas. Esteve também nos palácios das Necessidades, residência dos reis de Portugal, e de Queluz, em Sintra. Nesse permaneceu em silêncio por muito tempo, meditando, diante da cama aonde havia falecido seu pai. Esteve ainda na Ajuda, palácio real de verão, e em Belém, residência oficial dos príncipes reais, para retribuir as visitas do Rei e da família real portuguesa fizeram no hotel Bragança, onde estava hospedado com sua família e comitiva.

Seu sobrinho D. Carlos seria coroado rei de Portugal em 28 de Dezembro, e D. Pedro resolveu então realizar uma visita à região do Minho, no norte do país. No dia 22, chegou a Coimbra, sendo recepcionado pelos estudantes e professores da velha universidade, e depois seguiu para a cidade do Porto. Seu único intuito era não perturbar os festejos reais. No Porto, enquanto visitava a Academia de Belas-Artes, no mesmo dia 28, a imperatriz D. Thereza Christina, com a saúde debilitada, sofrendo de bronquite, amargurada e abalada com a situação causada com a proclamação da República, e o consequente exílio, faleceu repentinamente, aos 67 anos de idade. Avisado do grave estado, retornou rapidamente ao hotel, mas quando chegou sua companheira por longos 46 anos, estava morta. Sua tristeza foi profunda; em silêncio, chorou a partida de sua amada Thereza Christina. Sua filha Isabel, com seu marido Conde D´Eu, e seus filhos tinham ido à Espanha visitar os tios, os condes de Montpensier que lá residiam, e retornaram a Portugal assim que receberam a notícia do passamento da imperatriz.

O corpo de D. Thereza Christina, depois de embalsamado, e velado na igreja da Lapa - local onde permanece guardado o coração do imperador do Brasil, D. Pedro I - foi transportado de trem do Porto para Lisboa e depositado no Panteão dos Braganças na Igreja de São Vicente de Fora, ao lado da segunda imperatriz do Brasil, D. Amélia, com a presença da família real portuguesa, e autoridades. Após os funerais de sua esposa, permaneceu poucos dias em Lisboa, seguindo para a França, hospedando-se em Cannes, para fugir do forte inverno europeu.

Exílio e morte do imperador

Menos de dois anos depois, o Imperador se encontrava em Paris, para participar das sessões do Instituto de França, na Academia de Ciências, da qual era sócio. Em 24 de novembro, foi fazer um passeio em carruagem aberta até Saint-Cloud, nas margens do rio Sena, onde apesar do frio do inverno resolveu fazer uma caminhada. No dia seguinte, amanheceu febril, contraindo um forte resfriado e seu estado de saúde foi se agravando.

O último imperador do Brasil veio a falecer aos vinte minutos do dia 5 de dezembro de 1891, vitimado por uma pneumonia aguda no pulmão esquerdo, em um modesto quarto do Hotel Bedford, três dias após completar 66 anos de idade.

D. Pedro II, em seu leito de morte, estava vestido com o uniforme de marechal do Exército imperial brasileiro, com as condecorações do Brasil, França, Portugal, e um crucifixo em suas mãos, que havia recebido do Papa Leão XIII. Um livro, significando que descansava sobre o conhecimento, foi colocado embaixo do seu travesseiro com terra de todas as províncias (hoje estados) brasileiras. Um pedido que havia deixado por escrito.

O governo francês resolveu prestar as últimas homenagens de Estado ao Imperador brasileiro, e comunicou à princesa Isabel que aceitou as honras oficiais, mas o governo brasileiro protestou por essa atitude. No Brasil, ao saberem da morte do antigo monarca, o comércio fechou as portas, e várias missas foram realizadas por sua alma por todo o país.

O corpo embalsamado do imperador foi levado para a Igreja da Madalena, situada perto da Praça da Concórdia, a poucos passos do hotel onde morreu. Ao meio dia de 9 de dezembro, com o caixão coberto com a bandeira do Império brasileiro, colocado em um catafalco elevado na nave da igreja, foi celebrada as exéquias solenes, pelo arcebispo de Paris, com a igreja totalmente lotada, e a presença da Casa Militar do presidente da França, Sadi Carnot, que o representou. Além dos presidentes da Câmara e do Senado da República francesa, esteve presente o cônsul-geral de Portugal em Paris, o escritor Eça de Queiroz, todo o corpo diplomático, dentre inúmeras autoridades.

Pelas ruas de Paris, 80 mil homens das tropas francesas participaram das honras. O coche fúnebre, puxado por oito cavalos cobertos de negro, foi escoltado pela guarda republicana, acompanhado por uma banda de música militar tocando a marcha fúnebre de Chopin, e nada menos que 300 mil pessoas, apesar do frio, foram prestar as homenagens a D. Pedro II. Quando o cortejo passou pela Praça da Concórdia, foram prestadas as honras militares, e uma bateria de artilharia deu as salvas de estilo. O corpo foi transportado em um trem especial para Lisboa, com uma parada em Madrid, onde a Casa Real espanhola prestou também suas homenagens. Em Lisboa, o rei D. Carlos, toda sua família, o ministério, altas autoridades, e milhares de pessoas participaram também das honras e despedidas ao velho imperador brasileiro. Na igreja de São Vicente de Fora, o cardeal Dom José Sebastião de Almeida Neto, Patriarca de Lisboa, recebeu o esquife. Depois de rezada uma missa, o corpo do Imperador foi colocado ao lado da imperatriz Thereza Christina, no panteão da família Bragança.

No governo Epitácio Pessoa, em 1920, foi revogado o decreto de banimento da família imperial, e no ano seguinte a bordo do encouraçado São Paulo, da Marinha de Guerra, os restos mortais de D. Pedro II e de D. Thereza Christina foram trazidos para o Brasil. No ano de 1939, foram finalmente depositados em um túmulo especialmente construído na catedral de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, em solenidade presidida pelo então presidente Getúlio Vargas.

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É diretor do Departamento de Documentação e Informação da ALESP.

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