Opinião: República em construção


14/11/2013 20:11 | Samuel Moreira*

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Há 124 anos, o Brasil deixava de ser uma monarquia constitucional para se tornar uma república federativa. Esse fato transformou o rumo da história do país de forma duradoura e irreversível. Até os nossos dias, ainda cabem questões sobre o significado daquelas mudanças. Se elas, de fato, responderam ao anseio do povo por um sistema democrático, com mais liberdade, maior participação e mais igualdade social. Podemos procurar os ecos dessas indagações ainda hoje nos gritos dos manifestantes que saem às ruas com palavras de ordem que, em certa medida, encarnam sentimentos republicanos frustrados e reafirmados ao longo de todo esse tempo.

A leitura mais superficial dos fatos ocorridos em 15 de novembro de 1889 mostra que marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República no Brasil. Acabava, assim, o governo imperial de Dom Pedro II, por meio de um decreto, que o expulsava do país, junto com sua família. Levante político-militar? Golpe palaciano? Conspiração? Movimento revolucionário? Há diversas classificações sobre os acontecimentos que marcaram o advento da República e o sentido das mudanças de regime. Alguns historiadores chegam a comparar o evento a uma espécie de fim do "antigo regime", porém sem revolução.

Uma interpretação que considero ponderada, e sem exageros, permite enxergar que a República emergiu em meio a transformações estruturais da sociedade brasileira no século XIX. Respondeu a alguns problemas fundamentais que não haviam sido resolvidos pelo sistema político surgido com o processo de Independência. A manutenção de uma sociedade aristocrática e escravista e a perpetuação de valores tradicionais, elitistas e antidemocráticos, bem como a marginalização de amplos setores da população da esfera política, aprofundaram as tensões geradas por mudanças da economia brasileira na direção de uma nova realidade industrial e urbana.

As lutas pelo fim da escravidão, pela maior autonomia das províncias e dos municípios, pelo aumento da participação política da população, pelo mandato político não vitalício e legitimado pelo voto e pelos critérios de mérito para o acesso aos principais postos do Estado, enfim, toda uma vertente de anseios democráticos convergiu para o movimento republicano, razão pela qual ele passou a significar um caminho de ruptura com a tradição colonial perpetuada pela monarquia.

Apesar desse conjunto de significados, a instauração da República no Brasil não se deu por meio de um evento de massas. Tornou-se célebre a frase do jornalista Aristides Lobo de que "O povo assistiu bestializado" à Proclamação da República. Um indicativo do baixo teor popular do movimento que culminou com os fatos de 15 de novembro. Da mesma forma, Silvio Romero denunciava, já em 1893, que o novo regime havia sido incapaz de fundar no Brasil "uma república democrática livre", ao comentar o comportamento das elites políticas brasileiras de seu tempo e seu desdém pelo povo.

O fato é que os ideais republicanos foram fermento para as críticas mais contundentes ao sistema político da época, feitas pelas novas classes urbanas que não se sentiam suficientemente representadas na estrutura política do Império. As ideias republicanas introduziram um motor nos grupos sociais insatisfeitos, que passaram a adotar um estilo político novo. Como diz a historiadora Emilia Viotti da Costa, "pela primeira vez, a política saía dos limites estreitos dos conchavos familiares para a praça pública. Os políticos falavam às populações urbanas. Os poetas e escritores voltaram a falar do povo, redescobrindo-o, como fonte de inspiração". Apesar disso, lembra ela, a República se faria sem a colaboração das massas.

A face democrática e popular da República Brasileira não é portanto uma característica de origem, mas sim uma construção histórica, de longo prazo e que envolve diferentes gerações. Passa pelas conquistas políticas do período da chamada República Velha, pelos avanços dos direitos políticos e sociais abertos pela Revolução de 1930, pelo processo de redemocratização do pós-guerra, pelas lutas contra o Regime Militar de 1964, pelo movimento das Diretas-Já, em 1984, pelo processo de consolidação da Constituição de 1988, até chegar aos nossos dias.

Arrisco dizer que as manifestações políticas a que assistimos recentemente nas ruas das principais cidades brasileiras são também expressão dessa longa trajetória de construção. Elas recolocam na ordem do dia as dimensões não realizadas da República no Brasil e abrem as portas para a incorporação de novos sujeitos, de novas ideias e de novas dimensões da cidadania. Acredito que o significado de 15 de novembro está em aberto, assim como o sentimento republicano está mais presente do que nunca nas vozes difusas que desafiam antigos privilégios e velhas formas de poder.

*Samuel Moreira é deputado estadual (PSDB) e presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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