Morte de militantes da ALN sob tortura contradiz relatos oficiais, afirmam depoentes na Comissão da Verdade


10/12/2013 21:43 | Da redação Fotos Marco Antonio Cardelino

Compartilhar:

Suzana Lisboa, Adriano Diogo, Amélia Telles, Domingos Fernandes e Darcy Miyaki<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2013/fg157153.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Domingos Fernandes<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2013/fg157154.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Darci T. Miyaki é entrevistada <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2013/fg157158.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Reunida nesta terça-feira, 10/12, a Comissão Estadual da Verdade "Rubens Paiva", presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), apresentou os casos de Luiz José da Cunha e Hélcio Pereira Fortes, militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) mortos pelos órgãos de segurança na década de 1970, quando o país vivia sob regime militar.

Segundo a versão oficial, Luiz José da Cunha (Crioulo), dirigente da ALN, foi morto após ter reagido a tiros a uma abordagem policial, na avenida Santo Amaro, em 13 de julho de 1973. Na fuga, ele teria tentado tomar o veículo onde se encontravam duas moças, que foram feridas.

Em fotos de cadáveres de presos políticos obtidas posteriormente pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, oriundas de arquivos do Dops paulista, Crioulo foi reconhecido. "A ampliação das fotos revelou o estado de seu rosto, onde havia 11 lesões. Foi uma grande surpresa, porque não tínhamos ideia de que ele havia sido torturado", disse Suzana Lisboa, que foi integrante daquela comissão, instituída pelo governo federal em 1995.

Ela contou que, para superar divergências internas no órgão, o caso foi levado ao perito Celso Nenevê, cujo laudo concluiu que as lesões não se coadunavam com a morte em tiroteio. "Crioulo foi torturado, mas não se sabe onde, quando e como", completou Suzana.

Ex-militante da ALN e companheira de Luiz José, Darcy Miyaki, que viu as fotos do cadáver de Crioulo naquela ocasião, reforçou que "havia lugares do corpo com manchas circulares, que alegaram ter sido provocadas por uma queda. Mas quedas não causam manchas circulares".

Darcy e Luiz José se conheceram em Cuba, em 1969, onde estavam no mesmo grupo de treinamento de guerrilha. "Ele me chamou a atenção pela sua formação política, por sua visão e equilíbrio", disse Darcy. Essas qualidades se destacavam a tal ponto, segundo ela, que chegaram a provocar temor no encarregado do grupo de treinamento, que, receoso de que Crioulo assumisse o comando da equipe, chegou a pedir a uma médica integrante do grupo que desse um atestado afirmando que Crioulo não tinha condições para passar pelo treinamento de guerrilha rural.

Equilíbrio, convicção, reserva e dedicação foram substantivos usados por Domingos Fernandes para descrever Crioulo, com quem militou na ALN. "Não tenho dúvida de que ele reagiu quando foi preso. Ele era muito decidido", afirmou.

Crioulo foi enterrado no cemitério de Perus como indigente. Exumado em 1991, só foi oficialmente reconhecido em 2006, após exame de DNA. "Ele só foi identificado por interferência do Ministério Público Federal, que exigiu que a Secretaria de Direitos Humanos procurasse um laboratório particular para fazer exame das ossadas", acrescentou Amelia Telles, coordenadora da Comissão da Verdade.

As versões oficiais da morte de Hélcio Pereira Fortes também se contradizem. Relatos de órgãos de segurança dizem que ele foi morto em tiroteio na avenida dos Bandeirantes, em São Paulo, em uma tentativa de fuga; outro documento afirma que sua morte ocorreu nesse local quando ele ia ao encontro de um companheiro de militância, o que fazia pressupor que ele estaria em liberdade. Mas a data desses relatórios confere: 28 de janeiro de 1972.

"Hélcio não pode ter sido morto nessa data porque nesse dia eu e ele estávamos sendo transferidos do Rio de Janeiro para o DOI/Codi de São Paulo. Quando chegamos aqui, no dia 28, já estavam noticiando a morte dele. Quando a família dele veio à sua procura, ele estava a cerca de 15 metros, sendo torturado", revela Darcy.

Ela conta que ainda ouviu gritos de Hélcio, sob tortura, no dia 30. "Depois, quando fui levada para a solitária, o carcereiro me disse: "Daqui saiu um presunto fresquinho". Hélcio deve ter morrido dia 30 ou 31 de janeiro, de hemorragia interna, na solitária", completou Darcy.

Hélcio Pereira Fortes começou sua militância em 1963, no Partido Comunista Brasileiro. Após o golpe de 1964, caiu na clandestinidade. Já como militante da ALN, foi para o Rio de Janeiro, e a última comunicação que manteve com sua família foi por um telegrama de Natal, em dezembro de 1971. Foi preso em 22 de janeiro de 1972. Sua sepultura foi localizada no cemitério de Perus e em 1975 seus restos mortais foram trasladados para Ouro Preto.

alesp