São Paulo - 460 anos - Parte 1


20/01/2014 11:12 | Antônio Sérgio Ribeiro*

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Martim Afonso de Souza<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158071.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Os fundadores de São Paulo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158072.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> João Ramalho, pintura de Benedito Calixto<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158073.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> João Ramalho com um de seus filhos<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158074.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> João Ramalho encontra Bartira e Tibiriçá<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158075.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A divisão das terras do além-mar, pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em 7/6/1494, pelos reis de Portugal, D. João 2º, e o da Espanha, D. Fernando 2º de Aragão, prova que a existência do continente americano já era de conhecimento dos navegadores daquela época. Mesmo o Brasil não foi descoberto em 1500, sabendo-se, portanto, de sua existência anos antes dessa data.

O tratado definia como linha de demarcação o meridiano de 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde, localizado no oceano Atlântico, nas costas da África. Os territórios a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal e os territórios a oeste, à Espanha.

A Coroa portuguesa não teve nenhuma pressa efetivamente em demarcar as suas novas terras do outro lado do Atlântico. Somente 30 anos depois, com chegada de uma esquadra exploradora sob o comando de Martim Afonso de Souza, teve inÍcio a colonização territorial, com a fundação, no dia 22/1/1832, do primeiro povoamento no Brasil, São Vicente, em São Paulo. Apesar da controvérsia com CananEia, que na opinião de alguns historiadores teria sido criada antes, também por Martim Afonso. Mas não se tem dúvida que das 15 primeiras povoações criadas no Brasil sete foram em São Paulo, incluindo a primeira situada no interior do território, então fora do litoral.

Para melhor administrar suas terras de além-mar, o rei de Portugal D. João 3º resolveu dividir em 15 capitanias hereditárias, entre 1534 e 1536, e doá-las para fidalgos de sua confiança. Assim teve início efetivamente a conquista territorial. Em 1549, foi determinada a vinda de um governador geral, diretamente subordinado ao rei; finalmente o Brasil começa a ser povoado de modo mais sistemático. Nessa esquadra sob o comando de Tomé de Souza, vieram os primeiros jesuítas, chefiados pelo padre Manoel de Nóbrega, como missionários para catequizar os indígenas e trazer a palavra da Igreja Católica para os portugueses residentes na colônia.

A Companhia de Jesus, uma congregação religiosa, mais conhecida como jesuítas, foi fundada por um grupo de estudantes na Universidade de Paris em 1534, liderados pelo basco Inácio de Loyola, como ficou conhecido posteriormente, sendo essa entidade reconhecida por uma bula papal de 1540. Os jesuítas ficaram notórios principalmente por seu trabalho missionário e educacional, e o seu maior representante na atualidade é o papa Francisco.

Foi o padre Manoel da Nóbrega, o único e verdadeiro fundador da cidade de São Paulo, sendo o responsável pela criação da Aldeia de Piratininga, que segundo pesquisas se deu em 29/8/1553 e pela instalação do Colégio dos Jesuítas, que ocorreu somente em 25/1/1554. Sua determinação conseguiu preservar a povoação e torná-la vila, com a instalação da Câmara Municipal e do Pelourinho em 1560. Sem dúvida nenhuma, foi o primeiro bandeirante em terras brasileiras, homem de visão, com sua coragem ajudou a desbravar e colonizar o interior brasileiro. Estabeleceu os primeiros colégios, ajudando a ensinar não só os filhos dos portugueses como também os curumins a ler e escreve; além de ser o grande defensor dos indígenas. Por diversas vezes solicitou diretamente aos reis de Portugal que ajudassem o Brasil, pois sempre acreditou no futuro dessa grande nação.

Em homenagem aos 460 anos de fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, que marcou o início da grande metrópole de São Paulo, apresentamos a biografia dos participantes desse fato histórico, e ao final da série, um pouco da história da cidade.



JOÃO RAMALHO

Nasceu em Vouzela, distrito de Viseu, em Portugal, entre 1485 e 1493 e faleceu em São Paulo, por volta de 1580.

Segundo suas palavras, teria chegado ao Brasil aproximadamente em 1512, não se sabendo se foi um náufrago ou um degredado. Porém, alguns estudiosos acreditam que poderia fazer parte das expedições de João Dias Solis ou de Fernando de Magalhães.

Foi o primeiro europeu a subir a serra, então chamada de Paranapiacaba (lugar de onde se vê o mar), em direção ao planalto, onde estabeleceu contato com os índios guaianases, sendo aceito pelo cacique dessa tribo, Tibiriçá, que, simpatizando com ele, oferece sua filha M´bicy (Flor de Árvore), também conhecida por Bartira ou Portira, como esposa, presumivelmente em 1515, com quem teve inúmeros filhos.

Em 1532, sabedor da chegada de uma expedição estrangeira ao litoral, e de que os indígenas poderiam hostilizá-la, resolveu ir, juntamente com outro habitante português, Antonio Rodrigues, morador em Tumiaru (perto de Bertioga), casado com uma filha de Piquerobi (irmão de Tibiriçá), ao encontro dos recém- chegados, para assegurar o desembarque em paz e amizade.

A surpresa de serem recebidos por dois homens brancos foi enorme para os recém-chegados, que estavam sob o comando de Martim Afonso de Souza, mandado pelo rei de Portugal, D. João 3º, para averiguar as terras do sul, até os limites fixados pelo Tratado de Tordesilhas.

João Ramalho foi um grande colaborador de Martim Afonso, tendo auxiliado na fundação da Vila de São Vicente no dia 22/1/1532. Sua relação com o cacique Tibiriçá facilitou bastante o relacionamento entre colonos e indígenas. De porte agigantado, era respeitado por todos. Sobre ele escreveu Tomé de Souza ao rei de Portugal D. João 3°: "tinha tantos filhos, netos e bisnetos que não ouso dizer a Vossa Alteza, ele tem mais de 70 anos, mas caminha nove léguas (a légua portuguesa equivalia a cinco quilômetros) antes de jantar e não tem um só fio branco na cabeça nem no rosto". Sua prole foi numerosa, contando com inúmeros filhos legítimos e bastardos; talvez desse fato provenha a designação de "povoador". Apesar de sua vida de polígamo, era religioso. Todos os seus filhos, legítimos ou não, foram batizados.

Em conversa com o padre Manoel da Nóbrega, afirmou que fora casado em Portugal com Catarina Fernandes das Vacas, a quem jamais tornou a ver e que desconhecia se ainda vivia. Por esse motivo, em 1550 foi excomungado pelo jesuíta Simão de Lucena, por viver "amancebado" com Bartira. Nóbrega escreveu ao reino para saber da existência de Catarina e posteriormente efetuou o casamento de João Ramalho com Bartira, após uma vida em comum de 40 anos, já com o nome de Izabel Dias, depois de convertida à religião católica.

João Ramalho acompanhou Martim Afonso de Souza ao planalto de Piratininga, recebendo uma sesmaria, em 1534, na qual fundou a povoação de Santo André da Borda do Campo (hoje São Bernardo do Campo), elevada a vila em 8/4/1553, pelo governador-geral Tomé de Sousa, sendo nomeado seu alcaide e guarda-mor do campo e, mais tarde, capitão (1/7/1553). Foi também vereador (1553 e 1558). Às suas custas fortificou a vila, com trincheira e quatro baluartes. Apesar de sua dedicação a Santo André, esta estava em franca decadência, e não chegava a contar com 30 moradores brancos. Assim, em 1560 não teve como evitar a ordem de Mem de Sá, novo governador-geral do Brasil, de transferir todos os moradores para São Paulo, e o Pelourinho para defronte do Colégio de São Paulo e, por consequência, extinguir Santo André.

Contrariado, foi obrigado a vir morar em São Paulo, onde serviu como vereador de 1562 a 1566. Ainda em 1562 foi nomeado pela Câmara Municipal e povo de São Paulo para o cargo de Capitão da Gente, a fim de combater os índios carijós, no Vale do Paraíba, que tinham feito cerco e atacado a vila em 9/7/1562. Nesse combate, a vila foi salva por ele e por Tibiriçá. Em 1564, recusou-se a ser mais uma vez vereador, por contar com mais de 70 anos, mas em 1576 seu nome constava em ata da Câmara paulistana.

Já velho e cansado, foi viver no Vale do Paraíba entre os tupiniquins. Morreu por volta de 1580 em São Paulo, onde deixou diversos descendentes legítimos e ilegítimos. Era avô de quase toda a população nascida na Vila de São Paulo de Piratininga, sendo considerado o principal tronco das famílias paulistas. Tem uma rua com seu nome no bairro paulistano das Perdizes, e em 14 cidades da grande São Paulo.



BARTIRA

Filha do cacique Tibiriçá. M´bicy (Flor de Árvore), também conhecida por Bartira ou Potira. Casou-se com João Ramalho, presumivelmente em 1515, com quem viveu por mais de 40 anos. Seu nome foi mudado para Izabel Dias, depois de batizada na religião católica pelos jesuítas, no planalto de Piratininga. Tiveram nove filhos, e dessa união descendem inúmeras das mais tradicionais famílias paulistas. Também é nome de rua no bairro das Perdizes, e em diversas cidades da região metropolitana da capital.



TIBIRIÇÁ

Nasceu na Aldeia dos Piratiningas (hoje cidade de Santo André) e faleceu em São Paulo em 15-12-1562.

Teberyça, na língua tupi é Maioral ou Vigilância da Terra. Cacique da tribo dos índios guaianases, era irmão dos caciques Caiubi, Piquerobi e Araraí. Convertido ao catolicismo e batizado pelo padre Leonardo Nunes, com a colaboração do irmão José de Anchieta, adotou o nome de Martim Afonso Tibiriçá, em homenagem ao fundador da Vila de São Vicente, de quem era dedicado amigo. Era o chefe de enorme parte da nação indígena estabelecida nos campos de Piratininga, com sede na aldeia de Inhapuambuçu, então localizada em uma colina entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, no atual centro antigo da capital paulista. Sua filha M´bicy, também conhecida como Bartira, casou-se com João Ramalho.

Tibiriçá colaborou na fundação da Aldeia de Piratininga, em 29/8/1553, e com o Colégio dos Jesuítas, em 25/1/1554, estabelecendo-se no local onde se ergue hoje o Mosteiro de São Bento. Participou eficazmente da defesa da vila, que, em 9/7/1562, foi atacada pelos índios tupis, guaianás e carijós, chefiados por seu sobrinho Jagoanharo, filho de Araraí, que havia, pouco antes, como emissário dos tamoios, conversado para que reconsiderasse sua posição a favor dos portugueses e se aliasse aos seus irmãos indígenas. Tibiriçá, no confessionário, contou o fato a Anchieta, e este levou a informação aos chefes portugueses.

No combate que se seguiu, matou o sobrinho com uma espada, quando este vacilou em matá-lo no entrevero. Faleceu a 25/12/1562, depois de longa enfermidade que se complicou após o ataque a São Paulo. Seu corpo foi sepultado na igreja dos jesuítas e o funeral revestido de toda a pompa compatível com os recursos daquela época.

Em carta escrita em 16/4/1563, o irmão José de Anchieta assim se expressou: "Foi enterrado em nossa igreja com muita honra, acompanhando-o todos os cristãos portugueses com a cera de sua confraria. Ficou toda a capitania com grande sentimento de sua morte pela falta que sentem, porque este era o que sustentava todos os outros, conhecendo-se-lhes muito obrigados pelo trabalho que tomou de defender a terra, mais que todos creio que lhe devemos nós os da companhia e por isso determinou dar-lhe em conta não só de benfeitor, mas ainda de fundador e conservador da Casa de Piratininga e de nossas vidas. Fez testamento e faleceu com grandes sinais de piedade e de fé, recomendando a sua mulher e filhos que não deixassem de honrar sempre a verdadeira religião que abraçaram".

Seus restos mortais repousam hoje na cripta da Catedral Metropolitana de São Paulo, na praça da Sé. Em sua homenagem, a rodovia estadual SP-031, ligando Ribeirão Pires a Suzano, foi denominada Índio Tibiriçá, além de ter seu nome em duas ruas da capital, uma na Luz e ao outra no Brooklin Paulista.



AFFONSO BRAZ

Nascido em Anadia, Portugal, em 1524, e faleceu no Brasil, em 1610.

Padre Jesuíta. Como membro da Companhia de Jesus pregava nas vilas e aldeias da região do Minho e Douro, em Portugal, no ano de 1547. Foi enviado pelo próprio padre Inácio de Loyola para coadjuvar os padres que estavam no Brasil. Chegou no ano de 1550 chefiando a missão religiosa vinda na armada do fidalgo português Simão da Gama de Andrade. Em 1551, foi servir no Espírito Santo, juntamente com o irmão Simão Gonçalves, onde não havia nenhum evangelizador, sendo bem recebido pelos indígenas, que ajudaram a edificar casa e igreja, sendo o primeiro superior da Casa dos Jesuítas na vila de Vitória. Esteve em Porto Seguro em 1552, retornando logo ao Espírito Santo. Foi transferido pelo padre Manoel de Nóbrega para São Vicente em 1553, acompanhando o padre Leonardo Nunes, que voltava da Bahia com um grupo de religiosos, entre eles José de Anchieta, ficando no seu lugar, em terras capixabas, o irmão Braz Lourenço. Tomou parte na fundação do Colégio São Paulo de Piratininga em 25/1/1554, onde dirigiu a construção de igreja e da casa dos padres, trabalhando como pedreiro e carpinteiro, ofícios que exerceu, também, em São Vicente. Com o provincial Inácio de Tolosa, seguiu em 1573 para o Rio de Janeiro, onde foi encarregado das obras do novo colégio, "por ser um grande carpinteiro". A cidade que ajudou a fundar o homenageou com uma rua com o seu nome no bairro da Vila Nova Conceição.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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