São Paulo - 460 anos - Parte 3


22/01/2014 16:38 | Antonio Sérgio Ribeiro*

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Casa do Conselho de São Paulo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158116.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Jesuítas martirizados pelos índios<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158117.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Manoel de Paiva<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158118.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O Diário da Assembleia publica a terceira parte do artigo do pesquisador sobre a fundação da cidade de São Paulo.

Vicente Rijo Rodrigues

Nascido em São João da Talha (Sacavém), Portugal, em 1528, e falecido em 9-6-1600.

Irmão e depois padre jesuíta. Ingressou na Companhia de Jesus em Coimbra, em 16/11/1545, para auxiliar leigo e irmão coadjutor. Veio para o Brasil com o padre Manoel de Nóbrega, em 1549, na comitiva do governador-geral Tomé de Souza, sendo ordenado padre logo depois de sua chegada na Bahia. Quinze dias depois de desembarcar, já tinha aberto uma escola para ler e escrever, ensinando aos mamelucos (filhos de portugueses com índias). Foi o primeiro mestre-escola em terras brasileiras. Ao mesmo tempo era o responsável por todos os batizados e dedicou-se também a trabalhos no campo, com o emprego de sementes enviadas de Portugal. Praticou com um tecelão da armada para ensinar os índios a tecer. Fez construir uma igreja junto da casa em que ensinava a ler e a escrever. Por motivo de saúde, no inicio de 1550 foi enviado pelo padre Manoel da Nóbrega a Porto Seguro, acompanhado pelo padre João Navarro, depois substituído pelo padre Francisco Pires. Entre a vila e a aldeia empreendeu a fundação da igreja de Nossa Senhora da Ajuda e, ao lado, a construção de uma casa onde, com ajuda do irmão Simão Gonçalves, ensinava aos meninos. A água, porém, ficava distante e todos a queriam perto. Padre Rodrigues desejou-a num monte vizinho, que logo desmoronou e no seu lugar surgiu uma fonte. O povo passou a venerar o lugar e a água passou a servir os doentes e a ser também enviada para outras terras do Brasil e para Portugal.

Em meados de 1551 encontrava-se na Bahia, atacado de febres palustres, e só interrompeu a sua atividade por ordem de Nóbrega, também atacado. Logo que se restabeleceu, o que não demorou muito recomeçou a ensinar às crianças índias e a desenvolver um combate eficaz à antropofagia entre os índios, aos quais procurava fixar no povoamento. Um ano depois estabelecia outra escola de meninos, numa aldeia que tomou o nome de São Tomé, em Paripe. Não sem algum risco para suas vidas, Nóbrega e Vicente Rodrigues internavam-se entre os índios e arrancavam-lhes os cadáveres humanos trazidos para o bárbaro festim. A esta ação dos missionários jesuítas se deve a repressão da antropofagia, desenvolvida por Mem de Sá. Fez parte da missão chegada na Bahia em 13-7-1553 e foi Superior dos Jesuítas em Salvador, por ausência do padre Manoel de Nóbrega. Estudando latim e casos de consciência, recebeu a ordenação sacerdotal, acreditando-se ser a primeira realizada no Brasil. Seguiu para o Sul, mas sofreu um naufrágio na altura de Abrolhos e com os outros religiosos conseguiu chegar a São Vicente, na véspera do natal de 1553. Foi residir em Maniçoba (aldeia de curta existência, então localizada as margens do rio Anhembi, hoje Tietê, na região de Itu. Expulsos os jesuítas pelos mamelucos da família de João Ramalho, seguiu para o planalto, onde participou da fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, em 25/1/1554. Foi para a Bahia logo depois. Fez os últimos votos como coadjutor espiritual em 1560. Foi superior do Colégio de São Paulo de Piratininga e estava no acampamento do Rio de Janeiro quando se deu o ataque dos índios Tamoios, em 9/7/1562. Durante a luta, ajoelhou-se entre os combatentes e impetrou do céu a vitória, que os portugueses obtiveram. Em 1570 seguia pelo rio Anhembi, com o padre José de Anchieta, superior da capitania, e outros padres, mas a canoa afundou e todos, salvos, seguiram pelas margens. No dia 28/4/1573 naufragou mais uma vez, perto da foz do rio Doce, quando se dirigia com outros missionários para a Bahia. Em Salvador tomou posse, em 1574, do cargo de prefeito da igreja. Dez anos depois era prefeito dos doentes e padre espiritual da comunidade, em que revelou suas mais notáveis qualidades religiosas. Os últimos anos de sua vida passou no colégio do Rio de Janeiro, onde teve os cargos de padre espiritual, prefeito e consultor. É hoje considerado o primeiro professor do Brasil, como o padre Alexandre Gusmão na ordem pedagógica. Foi o ultimo sobrevivente do grupo de missionários de Manoel de Nóbrega. Os seus 55 anos de vida religiosa podem dividir-se em três fases distintas: a da Bahia, antes do sacerdócio; a da superioridade em residências e, por fim, a de diretor espiritual. A primeira, que se fechou com a sua ordenação sacerdotal, foi à fase heroica da sua existência e coincidiu com a sua juventude. As outras duas fases decorreram em plena tranquilidade. Algumas cartas suas saíram nas coleções Nuovi Avvisi dell´ll Indie (Roma) e Diversi Avvisi (Veneza, 1559 e 1565), e nas Cartas Jesuíticas, II (Cartas Avulsas, 1550-1568), Rio de Janeiro, 1931, p. 108-114, 116-119, 134-136. A. Franco, Imagem da Virtude em o Noviciado de Lisboa, na biografia de Vicente Rodrigues, transcreve excertos de uma relação da "Entrada ao sertão e naufrágio dos Padres Vicente Rodrigues e José de Anchieta escrita por V.R.".

Pero Correia

Nasceu em Portugal e faleceu em 1554, na região de Cananeia, então Capitania de São Vicente.

Irmão jesuíta, presumivelmente chegou ao Brasil em 1534, tendo estado no Rio de Janeiro, antes da vinda do francês Villegagnon, que invadiu o território. Levou a vida de aventuras como conquistador e aprisionando índios para vendê-los como escravos.

Em 1549, deixou a vida bárbara que levava e se converteu e foi recebido como irmão pelo padre Leonardo Nunes. Entrou na Companhia de Jesus, em São Vicente, sendo o primeiro irmão recebido no Brasil, e, então, doou todos os seus bens e as terras que possuía ao Colégio de São Vicente, do qual foi um dos fundadores.

Falando fluentemente a língua tupi evangelizou índios de diversas nações e participou, em 25/1/1554, da fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga. Em fins de 1554, com seu companheiro irmão João de Sousa, foi morto a flechadas pelos índios Carijós, na região de Cananeia, quando em missão de catequese. Juntamente com João de Sousa é considerado o protomártir da Companhia de Jesus no Brasil.

Pero Correia era descendente de família nobre portuguesa e escreveu: Suma da Doutrina Cristã vertida em língua brasílica; Carta escrita aos irmãos de Portugal em 1551; Carta aos irmãos que assistiam em África em 1551, onde trata dos costumes dos bárbaros do Brasil; Carta escrita da Capitania de São Vicente ao Padre Belchior Nunes, a 8 de junho de 1554, por ordem superior, em que relata o fruto das suas missões. Estas cartas foram traduzidas para o italiano e publicadas em Veneza, no ano de 1659.

João de Sousa

Nascido em Portugal, faleceu em fins de 1554, na região de Cananeia - então Capitania de São Vicente.

Irmão jesuíta e coadjutor. Servindo a carreira das armas - soldado - embarcou para o Brasil, onde serviu na casa do governador-geral Tomé de Sousa em Salvador, na Bahia. Foi um dos primeiros povoadores de São Vicente. Antes de ingressar na vida religiosa já era considerada uma pessoa santa, conforme testemunho do padre José de Anchieta, jejuava todas as semanas, a quarta-feira, a sexta e o sábado, e não consentia diante de si que se fizesse ofensa a Deus Nosso Senhor (Cartas, Informações, Fragmentos históricos e sermões, Rio de Janeiro 1933, p. 83). Entrou como noviço na Companhia de Jesus, em 1550, e na casa religiosa foi exemplo de penitência, humildade, simplicidade e caridade.

Participou da fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga em 25/1/1554. Por ordem do padre Manoel de Nóbrega, em março de 1554, e em companhia dos irmãos Pero Correia e Fabiano de Lucena foram incumbidos de iniciar a catequese dos índios ibirajaras, estabelecer a paz entre os tupis e os carijós e assegurar a livre passagem para o rio da Prata a alguns castelhanos que o padre Leonardo Nunes, anos antes, encontrara no Porto dos Patos e trouxera para São Vicente. Eles foram bem recebidos em Cananeia, porto principal dos tupis, com os quais ficou Fabiano de Lucena. A 6 de outubro, juntamente com Pero Correia, seguiram para as terras dos carijós, pelas quais se internaram muitos dias, passando muitos trabalhos, as mais das vezes fome, não tendo que comer e estando enfermo João de Sousa.

Pelo mês de novembro apareceram nessas terras dois intérpretes, um português e um espanhol. Este era já conhecido dos jesuítas, que o haviam libertado de morte certa quando estava prisioneiro dos índios, mas que contra os seus benfeitores alimentava sentimentos de vingança por não terem, os jesuítas, dado uma sua concubina índia, como afirmou Anchieta depois. A felonia deste aventureiro foi a causa da morte dos dois missionários, cuja missão contrariava fazendo crer aos carijós, que o nosso irmão Pero Correia abria a estrada pela qual haviam de vir os inimigos para matá-los. No Natal, ao que parece ter sido a data marcada por Nóbrega para deixarem a terra dos carijós e procurarem a dos ibirajaras, os dois irmãos acompanhados de 10 ou 12 principais carijós até os limites da região que ocupavam, apareceu uma canoa dos mesmos carijós, que mataram dois dos índios que vinham com os missionários e investiram a seguir contra João de Sousa, o qual caindo de joelhos foi morto a flechadas. Tentou ainda Pero Correia conversar com os agressores; vendo porém a inutilidade das suas palavras, as quais respondiam setas, ajoelhou-se encomendando sua alma a Deus e assim acabaram de matá-lo. Juntamente com Pero Correia é considerado o protomártir da Companhia de Jesus no Brasil.

Leonardo do Valle (Antonio Gonçalves do Valle)

Nascido em Bragança, Portugal, em 1538. Faleceu em 2/5/1591

Irmão e depois padre jesuíta, ingressou, em 1553, na Companhia de Jesus, com apenas 15 anos de idade, sendo o segundo noviço recebido pelo padre Leonardo Nunes, em São Vicente. Em fins de 1553, acompanhando os jesuítas subiu a serra em direção ao planalto e participou em 25/1/1554, da fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga. Peregrinou pelos sertões, convertendo muitas almas, a pé, quase descalço, ensinando aos índios pelas ruas e pedindo esmola de casa em casa, para o sustento. Dedicando-se a língua tupi, escreveu um trabalho, que seria reunido e editado no ano de 1938, intitulado Vocabulário na Língua Brasílica, edição coordenada e prefaciada por Plínio Ayrosa.

Leonardo Nunes

Nascido em São Vicente de Beira - Portugal e falecido em 30/6/1554, na costa brasileira.

Padre jesuíta, entrou para Companhia de Jesus no Colégio de Coimbra em 1/11/1548 e veio para o Brasil com o padre Manoel de Nóbrega, em 1549, na comitiva do governador-geral Tomé de Souza. Logo após a chegada a Salvador, foi em companhia do irmão Diogo Jácome para Ilhéus e Porto Seguro, onde ensinavam os meninos a ler e a escrever. Logo depois foi encarregado de uma missão especial na capitania de São Vicente, onde não havia nenhum missionário e, nas palavras do padre Manoel de Nóbrega, "os portugueses que lá viviam eram piores que os índios, completamente entregues a devassidão e a todos os vícios e exercendo sobre os pobres indígenas uma crueldade revoltante e fazendo-os escravos".

Seguiu com 12 meninos - juntamente com o padre Afonso Braz e o irmão Diogo Jácome - e a maioria dos portugueses aceitaram os seus conselhos. Mas, vendo os interesses atacados, outros começaram a maldizer a interferência do religioso, que segundo eles se devia ocupar só das almas. Procurou persuadi-los, mas em vão. A sua palavra era, porém, bem recebida pelos índios, entre os quais gozava de grande prestígio. Foi de grande utilidade o conhecimento da língua dos nativos. Tendo os índios tamoios, em guerra com os portugueses, aprisionado algumas mulheres lusitanas, reservavam-lhes tristíssima e dolorosa sorte. E, sabendo do fato, partiu para resgatar as pobres vítimas sem outra arma que não fosse a sua palavra, e a vitória foi completa.

Outra feita foi a sua visita aos índios dos Patos, a cem léguas de distância e, só pelo prestígio da sua palavra conseguiu a liberdade para algumas famílias de fidalgos castelhanos que se dirigiam ao Rio da Prata.

Na capitania de São Vicente conseguiu que os moradores lhe confiassem seus filhos, com estes e com muitos órfãos portugueses fundou o Colégio de São Vicente, onde os missionários lhes ensinavam a língua portuguesa e o latim, ao mesmo tempo em que os instruíram na doutrina cristã. Antes de qualquer outro, deu aos índios as primeiras noções da religião cristã, catequizando-os e edificando, com o auxílio de colonos portugueses, a igreja do seminário.

Recebeu como irmãos leigos vários europeus e mestiços, dentre os quais Mateus Nogueira do Espírito Santo, Pero Correia, Manuel de Chaves, Leonardo do Valle e Gaspar Lourenço. Da capela onde ia dizer missa intimou João Ramalho a retirar-se, por julgá-lo excomungado, por ser casado em Portugal e viver maritalmente no Brasil com uma índia, a filha do cacique Tibiriçá, Bartira. Pouco tempo depois, andando pelo campo, aconselhou o mesmo a fundar Santo André da Borda do Campo, antecedendo a Manoel de Nóbrega no conhecimento dos campos (planalto de São Paulo) de Piratininga. Era chamado, pelos indígenas, o Abarebebê - padre voador, em virtude da excepcional velocidade com que se locomovia.

Foi quem, por determinação de Nóbrega, viajou à Bahia para trazer José de Anchieta e os outros jesuítas a São Vicente. Ficou como responsável pela Casa de São Vicente, não participando da fundação do Colégio de São Paulo de Piratininga, em 1554, mas foi o grande desbravador da região onde hoje está a capital paulista.

O padre Leonardo Nunes faleceu vítima de um naufrágio, em 30/6/1554, quando, em viagem à Europa, a pedido do padre Manoel de Nóbrega, iria relatar ao rei D. João 3º e a Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, e futuro Santo, os progressos obtidos a favor da doutrina cristã no Brasil.

Em 1551, de São Vicente deixou duas cartas escritas dirigidas aos padres da província - Companhia de Jesus - em Portugal, uma das quais se imprimiu em Veneza, em 1559, juntamente com outras, traduzidas em língua italiana. A outra teria ficado inédita.

Manoel de Paiva

Nascido em Aveiro (Portugal), em 1521, e falecido em 21/12/1584, em Vitória (Espírito Santo).

Padre jesuíta ingressou em 18/1/1548 na Companhia de Jesus e veio para o Brasil, em 1550, na armada do fidalgo português Simão da Gama de Andrade com mais três religiosos e alguns órfãos, no segundo grupo de jesuítas. Exerceu a função de superior do Colégio da Bahia quando da viagem de Nóbrega a Pernambuco.

Em 1552 acompanhou um grupo de meninos em visita ao padre Leonardo Nunes e ao irmão Diogo Jácome, em São Vicente, para onde foi logo transferido. Todos os moradores o respeitavam, sendo indicado como superior dos irmãos pelo padre Manoel de Nóbrega. No ano de 1553, em companhia do padre Nóbrega e de outros religiosos, subiu a serra até o planalto, onde participou, em 29/8, da fundação da aldeia de Piratininga. Manoel Paiva foi designado pelo superior dos jesuítas, Nóbrega, para oficiar a missa celebrada na manhã de 25 de janeiro de 1554, no planalto, ao ser fundado o Colégio dos Jesuítas, que recebeu o nome de São Paulo de Piratininga, sendo o primeiro diretor do Colégio de São Paulo. Em 1564, foi nomeado superior dos jesuítas no Espírito Santo, substituindo o padre Braz Lourenço. Manoel Paiva também foi reitor da Casa de Espírito Santo e primeiro capelão militar do Brasil. Era parente de João Ramalho.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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