São Paulo - 460 anos - 4ª parte


23/01/2014 17:06 | Antônio Sérgio Ribeiro*

Compartilhar:

Patio do Colégio e a construção que reproduz o primitivo colégio dos jesuítas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158124.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Efígie de Manoel da Nóbrega em moeda portuguesa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158125.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Busto do padre  Manoel da Nóbrega <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158126.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Busto do padre Manoel da Nóbrega<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158127.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Nóbrega <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158128.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Monumento de Nóbrega e a índia catequisada, do escultor Pasquale de Chirico, em Salvador<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2014/fg158129.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O Diário da Assembleia publica a 4ª parte do artigo do pesquisador sobre a fundação da cidade de São Paulo.

Manoel da Nóbrega: o Fundador

Nascido em Sanfins - Portugal, em 18-10-1517, e falecido em 18-10-1570, no Rio de Janeiro.

Padre Jesuíta. Cursou Humanidades na Universidade de Salamanca, na Espanha, e doutor em Direito Canônico e em Filosofia pela Universidade de Coimbra em Portugal em 14-6-1541. Já tinha então ordens de presbítero e fez oposições a uma colegiatura no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, em 1542. Repelido pela injustiça e pelo patronato desgostou-se por tal forma, que decidiu ingressar em 21-11-1544, na Companhia de Jesus, em Coimbra, ordem criada em 1540 pelo padre Inácio de Loyola, posteriormente santo. Dois anos depois após sua iniciação, foi nomeado "Procurador dos Pobres", cargo especialmente criado.

Fez as peregrinações de Salamanca e Santiago de Compostela e pregações rurais pelas regiões de Beira e do Minho, onde reconciliou até inimigos e ensinou a doutrina cristã ao povo e aos meninos. Pregava descalço por não possuir sapatos e sobrevivia com ajuda de esmolas que pedia. Posteriormente examinou o processo jurídico da anexação ao recém-fundado Colégio de Coimbra, de bens eclesiásticos, que a Santa Fé e o rei houveram por bem lhe conceder, e exercitou os ministérios próprios da Companhia como diretor de almas.

Houve-se nas suas diversas ocupações com tanta caridade, inteligência, tino prático, dedicação e zelo, que ao tratar-se de fundar a Missão do Brasil, o seu nome se apresentou como capaz de tão grande empreendimento e, em 1549, veio na comitiva de Tomé de Sousa, primeiro governador-geral, chefiando o primeiro grupo de religiosos, encarregados da catequese dos indígenas, que era integrado pelos padres Leonardo Nunes, João Azpilcueta Navarro, Antonio Pires, e os Irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. Sua missão prolongou-se por mais de vinte anos a estruturar essa obra e a da unidade brasileira. Foi o primeiro que se insurgiu contra o cativeiro dos indígenas e a escravatura africana. Solicitou aos seus superiores o envio de Portugal de órfãos e mulheres para povoarem e casarem no Brasil. Permaneceu algum tempo na Bahia, onde ajudou a fundar a cidade de Salvador em 29-3-1549, e celebrou sua primeira missa no novo continente. Logo na sua chegada na Bahia travou contanto com Diogo Álvares, o "Caramuru", que muito contribuiu com os jesuítas e se tornou seu amigo fiel.

Começou logo os seus trabalhos, criando uma igreja, sendo o vigário interino, além de pregador dos portugueses e, sobretudo tratando da conversão dos indígenas, tarefa a que se entregou com muita dedicação, coragem e bom êxito. Ele e os seus companheiros arrancaram muitas vezes, arriscando a própria vida, das mãos dos selvagens antropófagos, os prisioneiros que eles iam sacrificar à sua voracidade. Alcançaram por fim um inacreditável prestígio, multiplicando-se as conversões a ponto de poder fundar um colégio, que teria em poucos meses 200 estudantes, onde educava os meninos brancos e mamelucos, além dos curumins, que aprendiam a ler e escrever. Sua preocupação com o seu trabalho envolvia até o sustento dos religiosos e dos meninos, e assim comprou doze vacas. Nóbrega, em cartas em 1549 aos seus irmãos Jesuítas em Coimbra, afirmava: "A terra do Brasil dá esperanças de muito fruto, mas faltam operários" e também da "Grandeza, clima, fertilidade e abundância do Brasil".

Em fins de 1549 seguiu com o Irmão Diogo Jácome para a sua primeira viagem, indo até Porto Seguro, em missão evangelizadora. A sua fama espalhou-se de tal forma de tribo em tribo, que em 1551, indo a Pernambuco, muitos selvagens o procuraram para serem batizados por ele. Em Olinda fundou um retiro para os indígenas e meninos e outro para mulheres. Foi de sua iniciativa escrever ao rei de Portugal, D. João III, pedindo e insistindo na criação de um Bispado no Brasil, para ter nessa autoridade uma salvaguarda contra a má vontade dos colonos, que queriam utilizar os índios como escravos, e se revoltavam contra Nóbrega, porque encontravam nos jesuítas infatigáveis defensores dos pobres indígenas. Efetivamente foi escolhido o primeiro bispo do Brasil, D. Pedro Fernandes Sardinha, que chegando tinha visão totalmente diferenciada dos Jesuítas quanto à evangelização dos gentios. Em 1552 deixou em Pernambuco o Irmão Antonio Pires e retornou a Bahia, escrevendo logo que chegou, uma carta a D. João III, rei de Portugal, no qual reiterava o pedido de "envio de órfãs e mulheres portuguesas e que mandasse homens de trabalho e não para empregos públicos, que há demais...", ainda na carta conta a sua intenção de entrar para ao sertão e pediu ajuda para este fim. Essa vontade tinha como obstáculo o próprio governador-geral, este entendia que primeiro dever-se-ia povoar o litoral e depois o interior e ainda tinha a preocupação de que a ida para o sertão pudesse despovoar e desguarnecer os povoamentos litorâneos então existentes deixando-os a mercê de corsários e piratas.

Acompanhou em 1552, Tomé de Sousa em viagem a Capitania de São Vicente, para ele esta era a porta de entrada para o interior da colônia, tendo fundado na povoação do mesmo nome, em 22-1-1553, o Colégio do Menino Jesus, e no dia 9-7-1553 recebe de Inácio de Loyola a carta-patente de sua nomeação de Provincial da Companhia de Jesus no Brasil. Com outros religiosos sobe a serra de Paranapiacaba em direção ao planalto, apesar da oposição do governador. Na Vila de Santo André da Borda do Campo, encontra com João Ramalho e em companhia de seu filho André e outros Jesuítas, percorre o planalto, onde escolheu o local na colina de Inhapuambuçu, onde é hoje o Pátio do Colégio, entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, para fundar em 29-8-1553 a Aldeia de Piratininga, reunindo 50 catecúmenos e confiando a doutrinação ao padre Manoel de Paiva, e este a 25-1-1554, por designação de Nóbrega celebrou a missa padroeira pela instalação do Colégio dos Jesuítas que deu origem à cidade de São Paulo. Fundou também a povoação de Maniçoba (aldeia que se situava as margens do rio Anhembi, hoje Tietê na região de Itu-SP, e que teve curta existência). Em carta para o rei português adjetivaria São Paulo de Piratininga como "formosa povoação". Corajoso, e ante a eminência de uma guerra com os Tamoios, se deslocou para a aldeia de Iperoig (perto de Ubatuba) obtendo a paz com os portugueses. Residindo em São Vicente em 25-3-1555, escreve uma carta aos superiores da Companhia em Jesus, no qual solicitou a dispensa de seu cargo de Superior por se encontrar cansado e doente (sofria de hematêmese), devido ao esforço despendido em sua árdua missão. No ano de 1556, transfere os meninos do Colégio de São Vicente para o de São Paulo de Piratininga, com a preocupação de manter a povoação permanente, já que os indígenas após alguns anos iam embora para outro local e levavam seus filhos.

No mês de janeiro de 1557, por determinação superior, retorna a Bahia, por ser sede no governo geral no Brasil, acompanhado de quatro jesuítas, bastante conhecedores do idioma dos índios. Fundou nos arredores de Salvador quatro residências para continuar a atividade de catequese: a do Rio Velho, a de São Paulo, a do Espírito Santo e a de São João. Com o governador-geral Mem de Sá foi em 16-1-1560 para São Vicente, chegando passou o cargo de Provincial dos Jesuítas a seu sucessor Padre Luis da Grã, mas continuando a exercer a maior influência, tanto no animo do seu sucessor como no do governador, que lhe consagrava a maior veneração. Graças ao seu empenho pessoal, conseguiu de Mem de Sá, contra a vontade de João Ramalho, a transferência da Câmara Municipal, população e pelourinho da Vila de Santo André da Borda do Campo para São Paulo de Piratininga, sendo então elevada à categoria de Vila em 5-4-1560. Sua preocupação era salvar a catequese e a colonização portuguesa ameaçadas pelos índios Tamoios.

Em 11-4-1563, acompanhado do Irmão José de Anchieta, fez sua jornada pacificadora junto aos índios Tamoios de Iperoig (perto de Ubatuba) e ai permaneceram na desejada paz. Ninguém podia imaginar que eles conseguissem sair a salvo dessa temerária tentativa, mas a audácia louca dessa resolução, o aspecto venerando dos dois religiosos, a fama que eles já tinham, o inexplicável prestígio dos jesuítas, tal impressão produziram no animo dos selvagens, que não só respeitaram os dois missionários, como concluíram a paz desejada. Convenceu o governador, da necessidade de expulsar os invasores franceses do almirante Nicolas Durand de Villegagnon da ilha que ocupavam na baia de Guanabara desde 1555, e que tinham o propósito de fundar na América do Sul, uma colônia a que o almirante Gaspar Cologny, um dos chefes do partido protestante que então governava a França, já denominava de "França Antártica". A preocupação de Mem de Sá era não ter força suficiente para rechaçar as tropas francesas, mas Nóbrega foi de opinião contrária. Não só aconselhou a que se empreendesse a expedição, como deliberou auxiliá-la. Acompanhou o governador da Bahia para o Rio de Janeiro e deixando-o na expedição, foi para São Vicente, onde desenvolveu uma atividade imensa para ajudar o governador-geral, fazendo com que os índios o ajudassem, preparando mantimentos para as tropas expedicionárias e tratando de organizar socorros para os feridos.

Já em 1560, em correspondência ao Infante D. Henrique, Nóbrega sugere a fundação de uma cidade no Rio de Janeiro. Após a expulsão dos franceses, a rainha D. Catarina em Lisboa, então regente do reino, mandou que se povoasse o Rio de Janeiro e foi um sobrinho do governador-geral, Estácio de Sá, o encarregado de fundar a nova povoação, e com o auxílio do padre Manoel da Nóbrega, foi realizada a cerimônia no dia de São Sebastião, 20-1-1565. A paz, contudo não podia ser duradoura. Os Tamoios estavam novamente em plena revolta, quando Estácio de Sá chegou. Seguiram-se lutas em que este perdeu a vida. Fundou-se o Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro, do qual Nóbrega foi nomeado Superior, estendendo-se a sua jurisdição as casas dos jesuítas de Santos, São Vicente, São Paulo de Piratininga e Espírito Santo. Após a libertação, recebeu com toda a hospitalidade Mem de Sá em Santos, que havia vindo para refazer-se das fadigas da luta. No Colégio do Rio de Janeiro que ajudou a estabelecer, e do qual seria o seu primeiro Reitor, no Morro do Castelo, permaneceu até falecer no dia em que completava 53 anos de idade. Suas cartas dirigidas aos seus superiores em Portugal, ao rei D. João III e ao próprio (Santo) Inácio de Loyola, foram traduzidas para o italiano e publicadas em Veneza, em 1559, 1561 e 1570. Também é sua a obra Informações das terras do Brasil, mandadas pelo padre Nóbrega e carta do mesmo ano de 1551, in Revista do Instituto Histórico, t. VI, p. 49, de 1844. Posteriormente todas as suas cartas foram reunidas no livro: Cartas do Brasil e mais escritos do P. Manoel da Nóbrega, editada pela Universidade de Coimbra-Portugal em 1955.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

alesp