CPI do Trabalho Escravo questiona política de combate à migração ilegal

Bolívia e Peru são principais origens de operários em condição análoga à de escravo
30/04/2014 20:14 | Da Redação: Keiko Bailone Fotos: José Antonio Teixeira

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Roque Patussi, Juliana Felicidade Armede, Carlos Bezerra Jr, Arturo Jarama e Jaime Pedro Valdivia Almanza <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161367.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Sarah Munhoz e Marco Aurélio <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161368.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião da CPI que apura a exploração do trabalho análogo ao de escravo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161369.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião critica omissão dos países de onde provém os trabalhadores da indústria têxtil <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161370.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Sarah Munhoz<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161371.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Arturo Jarama, cônsul do Peru <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161372.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Jaime Pedro Valdívia Almanza, cônsul da Bolivia  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161373.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Juliana Armede  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161374.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião da CPI que apura a exploração do trabalho análogo ao de escravo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161375.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Roque Patussi<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2014/fg161376.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A debilidade da fiscalização brasileira nas fronteiras e a falta de uma política migratória no continente favorecem o aumento de trabalhadores que se sujeitam a atividades degradantes e exaustivas, principalmente na área têxtil. Essa foi a conclusão partilhada pelo padre Roque Patussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante (Cami), e por Juliana Felicidade Armede, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, que participaram, nesta quarta-feira, 30/4, de reunião da CPI do Trabalho Escravo.

O próprio presidente da CPI Carlos Bezerra Jr. (PSDB) questionou os dois cônsules presentes à reunião, Arturo Jarana, do Peru, e Jaime Pedro Valdivia Almanza, da Bolívia, sobre quais eram as providências tomadas pelos seus governos para coibir a migração ilegal de trabalhadores.

Trabalhadores invisíveis

O padre Roque Patussi, coordenador do Cami, condenou a falta de compromisso de setores que acabam por favorecer o trabalho escravo. Num relato minucioso, contou sobre anúncios em panfletos, distribuídos em regiões pobres da Bolívia e do Peru, chamando para trabalhos nas oficinas de costura em São Paulo, principalmente. Nesses locais - chamados de sweat shops - os imigrantes sujeitam-se a condições de trabalho exaustivas, de mais de 18 horas por dia, para receber em média de R$ 450 a R$ 600 reais.

Para entender por que isso ocorre, Patussi explicou como funciona o sweat system: "uma grande rede contrata uma oficina para fabricar de cinco a seis mil peças; essa primeira oficina secundariza a produção; uma outra terceriza e assim por diante, formando uma cadeia que desemboca no costureiro. Este recebe de 25 a 30 centavos de reais por peça, depois vendida por R$ 300 a R$ 400 nas grandes magazines ou até R$ 1.800 no exterior".

Segundo Patussi, como o ganho do costureiro é pouco, ele tem de produzir muito. Além disso, como esse trabalhador já sai de seu país devendo ao empreiteiro ou coiote, seus documentos ficam retidos pelo dono da oficina de costura. Sem documentos, não sai do seu local de trabalho. "São os trabalhadores invisíveis, só vistos às sextas-feiras, quando saem para receber o pagamento".

"O mais grave desse sweat system é a continuidade do processo de exploração", disse Patussi, já que o dono da oficina foi um costureiro. E o sonho de muitos que hoje trabalham nas oficinas é ser o próximo dono da oficina. "É o oprimido oprimindo", avaliou o coordenador do Cami. Por isso, os países de origem desses trabalhadores precisam repensar e humanizar a vida dessas pessoas no local onde nasceram. Para Patussi, as pessoas que migram são forçadas a isso, não o fazem por livre e espontânea vontade.

A deputada Sarah Munhoz (PCdoB), presente à reunião, complementou a observação de Patussi, lembrando que a invisibilidade desses trabalhadores os coloca numa situação de vulnerabilidade, sem direito à saúde ou à educação.

Cem oficinas de costura são de peruanos

Arturo Jarama, cônsul-geral do Peru em São Paulo, informou que estão no Estado de São Paulo 25 mil peruanos, sendo 22 mil na capital, onde funcionam cem oficinas de costura cujos donos são seus conterrâneos. Esses imigrantes provêm de Cuzco, Arequipa e Puno e falam o quéchua, dialeto da região do sul do Peru.

Jarama citou entre as ações de seu governo um convênio com o Sebrae para que sejam oferecidos cursos aos donos de oficinas sobre gestão empresarial e as políticas de incentivo para a legalização de atividades. Ressaltou que a maioria dos migrantes peruanos não vem para trabalhar em oficinas de costura. "Eles são pequenos comerciantes", explicou.

Questionado pelo presidente da CPI, Carlos Bezerra Jr., sobre a ação do governo peruano para coibir a migração nos locais de origem, Jarama respondeu que tem de haver um trabalho conjunto entre os dois países: "O problema apresenta muitas arestas e a atuação em uma única instância é insuficiente".

Sobre os anúncios feitos por aliciadores, contou que mencionam salários de R$ 500 a R$ 600 reais, atraentes para os trabalhadores pobres da região, e dão números de telefones celulares que depois são desligados. "O aliciador faz primeiro uma aproximação para conquistar a vítima e depois o convence a vir; a entrevista acontece em um quarto de hotel, alugado por um único dia".

Jarama contou ainda que o homem andino costuma viver em comunidade e, portanto, parentes são sempre a primeira vítima.

75 mil bolivianos em São Paulo

O número de bolivianos que vivem em situação regular no Estado foi apresentado pelo cônsul-geral da Bolívia em São Paulo, Jaime Pedro Valdivia Almanza. Segundo ele, são 75 mil no Estado, dos quais 65 mil vivem na capital. Nos últimos nove anos, 350 mil documentos foram emitidos pelo governo brasileiro para cidadãos bolivianos em São Paulo.

Ainda sobre a legalização desses trabalhadores, Almanza explicou que até 2005 era muito difícil a regularização, só possível através de casamento, condição financeira alta ou filho nascido no país. Em 2006, foi facilitada a vida dos imigrantes que preenchiam pré-requisitos exigidos pelo Mercosul, principalmente após a inauguração de um Poupatempo voltado aos trabalhadores bolivianos, apto a emitir cédula de identidade, passaporte e atestado de antecedentes em 72 horas.

Sobre a atuação de coiotes, Almanza culpou a falta de fiscalização do Estado brasileiro nas fronteiras. Ele informou que "as leis bolivianas são duras e o tráfico humano é inafiançável". Perguntado pelo presidente da CPI sobre quantas pessoas já receberam tal punição, disse que nenhuma, pois a lei é nova.

Governos e sociedade

Juliana Felicidade Armede, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, destacou que "a condição do trabalho escravo está ligada à questão de natureza econômica. Este é o viés".

Continuando sua análise, Juliana Armede enfatizou que, no momento em que pessoas são trazidas com a finalidade de exploração, fica caracterizado o tráfico. "É uma situação complexa e todas as esferas precisam conversar, sejam do governo ou da sociedade civil; a eficácia no combate ao trabalho escravo ocorre quando instituições divergentes iniciam diálogo de colaboração".

Ao final de sua fala, instou os deputados presentes - além de Sarah Munhoz, Hélio Nishimoto (PSDB), Luiz Cláudio Marcolino e Marco Aurélio (ambos do PT) - a perceberem, dentro do Estado de São Paulo, situações de trabalho análogo ao de escravo não só no setor têxtil, mas também na construção civil e no agronegócio.

Segundo Juliana Armede, o ano de 2014 é o ano de se visualizar o interior do Estado de São Paulo. "Não há imigrantes só na capital", frisou ela, apelando para que a CPI do Trabalho Escravo olhe também para o escravo infantil.

alesp