Opinião: Superar o racismo depende do Estado e da sociedade


12/05/2014 17:46 | Leci Brandão*

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Todos os dias, invariavelmente, ao lermos as notícias dos jornais e ao acompanharmos as redes sociais percebemos que um assunto vem tomando conta da pauta: o racismo contra a população negra. Venda de crianças negras pela internet, jovens atados a postes por "parecerem suspeitos", jogadores de futebol sendo xingados a cada lance durante as partidas e jovens sendo assassinados ou presos simplesmente por serem negros, como o ator Vinícius Romão e o dançarino Douglas Pereira, são apenas alguns exemplos de como esse tema tem sido recorrente na mídia.

Esses fatos vêm se repetindo com tanta frequência que há quem aposte que o racismo está se acirrando em nosso país. Eu acredito que o fato de termos visto aumentar, nos últimos anos, o número de negros em espaços dos quais antes éramos totalmente excluídos fez cair a máscara de uma cordialidade racial que alguns teimavam em enxergar. É bem verdade que a inserção nesses espaços ainda é muito aquém do que queremos e precisamos, mas a manifestação explícita do racismo continuará a ser proporcional a essa inserção.

Um grande exemplo do que estou apontando foi a recepção das médicas cubanas ao chegarem em nosso país para fazer parte do Programa Mais Médicos, do Governo Federal. As médicas, quase todas negras, tiveram sua competência profissional colocada em xeque devido à aparência, pois, no dizer de uma jornalista que publicou seu comentário nas redes sociais, elas pareciam empregadas domésticas. Toda a polêmica deixou explícito algo que a população negra já sabe há muito tempo: em nosso país, as profissões têm cor e classe social. Aos brancos estão reservadas as profissões com os mais altos salários, como a de médico, por exemplo. Aos negros restam as profissões com os mais baixos salários, entre as quais a de empregada doméstica.

Mas quero citar ainda o mais recente e notório episódio, que aconteceu no dia 27 de abril deste ano, quando o jogador Daniel Alves comeu uma banana que havia sido atirada no campo. Seria mais um ato de racismo nos estádios igual ao que sofreu Tinga, Grafite, Obina e tantos outros, mas a ironia de Daniel Alves, louvada como uma atitude mais eficaz do que qualquer discurso, desencadeou uma campanha que tomou conta do país.

Com a velocidade que a internet e as redes sociais proporcionam hoje, esse fato logo repercutiu entre milhões de brasileiros através da campanha "Somos todos macacos". Atores, apresentadores de tevê, cantores e personalidades consideradas celebridades se apressaram em fazer parte da campanha que, ficou-se sabendo depois, fora arquitetada por uma agência de publicidade. Jogada sabiamente capitalizada em cima de um tema sério como o racismo e que acabou virando grife.

Faço referência a esses fatos porque hoje faz 126 anos que nosso país aboliu oficialmente a escravidão, e o racismo é um de seus legados.

A Organização das Nações Unidas considera que a escravidão e o tráfico de escravos são crimes contra a humanidade e que todos os descendentes de africanos escravizados, reconhecidos ou não como tal, são também herdeiros dos males causados a seus antepassados. Digo isso porque não podemos deixar que esse tipo de campanha ou fato midiático tire de foco o que é mais importante: a população negra brasileira, que enfrenta o extermínio dia a dia nas periferias das nossas cidades, precisa de proteção em todos os níveis. As políticas públicas para o enfrentamento do racismo e das desigualdades devem se intensificar.

Chamarem-nos de macacos sempre foi uma forma de nos oprimir e de nos desumanizar. Não será uma campanha de marketing que vai decretar o fim do racismo.

Somos negros e somos portadores de valores e de uma história. É a partir dessa história que estamos reconstruindo nossa existência. Estamos construindo nossa igualdade e vamos superar o racismo na luta. A destruição do racismo depende de todos nós. Depende do Estado, mas também da sociedade.

Quero ver as mesmas personalidades que fizeram parte dessa campanha demonstrarem igualmente seu repúdio ao racismo apoiando movimentos que, de fato, visem a superação do racismo.

*Leci Brandão é deputada estadual pelo PCdoB.

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