Especial Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 60 anos de uma tragédia brasileira

Agonia e morte do presidente Getúlio Vargas
08/08/2014 18:11 | (*) Antônio Sérgio Ribeiro

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Reunião no Clube da Aeronáutica<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164528.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Benjamin Vargas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164529.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Gen. Caiado de Castro, chefe da Casa Militar da Presidência <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164530.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ministro José Américo de Almeida<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164531.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Lourival Fontes, chefe da Casa Civil da Presidência da República <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164532.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Segunda feira - 9 de agosto de 1954

Todos os jornais matutinos publicaram com grande destaque, em primeira página, a foto de Climério Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal do presidente da República, como sendo um dos cúmplices do atentado ao jornalista Carlos Lacerda, e a seguinte nota do Gabinete Militar da Presidência:

"O general Caiado de Castro, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, comunica que o sr. Presidente Getúlio Vargas, tendo em vista a grave suspeita que, no momento, atinge a sua guarda pessoal, deliberou dissolvê-la, dando assim mais uma demonstração da repulsa ao brutal atentado ocorrido, nesta Capital, na madrugada do dia cinco do corrente.

Os serviços de segurança pessoal do Chefe da Nação serão feitos, a partir de hoje, alternadamente por elementos das polícias das nossas Forças Armadas".

A famigerada guarda pessoal havia sido criada pelo coronel Benjamim Vargas, irmão do presidente, em 1938, com integrantes do seu batalhão que lutaram contra os paulistas em 1932, logo após o ataque ao Palácio Guanabara, residência presidencial, perpetrado pelos integralistas (membros de extrema direita nazifascista tupiniquim, fundada por Plínio Salgado, e que havia sido colocada na ilegalidade pela Constituição de 10 de novembro de 1937, que instituiu no Brasil o Estado Novo), e a segurança formada por Fuzileiros Navais, que deveria fazer a defesa do chefe da Nação, estava mancomunada com o movimento. O presidente Getúlio Vargas, sua família e poucos auxiliares ficaram durante horas cercados com pouco armamento, a única metralhadora existente estava travada há algum tempo e ninguém havia se preocupado em mandar consertá-la...

O nome de Climério de Almeida havia sido identificado e revelado no sábado, dia 7 de agosto, mas a demora da polícia em agir possibilitou a sua fuga. No final da tarde, o delegado de vigilância Hermes Machado foi encarregado de capturar o criminoso, sendo cientificado o general Caiado de Castro. Somente 25 horas depois da revelação oficial do envolvimento de Climério é que a polícia, sob o comando do delegado Machado, saiu em sua primeira diligência.

Carlos Lacerda, ao ver a foto do segurança, reconheceu-o como acompanhante do deputado Lutero Vargas em uma audiência da 14ª Vara e exigiu, através de seu jornal, pela primeira vez, a renúncia de Getúlio Vargas, caso ficasse provado o envolvimento da sua guarda pessoal no atentado. A própria polícia confessou que Climério estava à disposição do Palácio do Catete, em serviço de "observação externa".

A Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio divulgou nota afirmando que a carteira de "investigador extra", que Nelson Raimundo de Souza possuía e que foi divulgada pela imprensa, não tinha nenhuma validade desde 10 de agosto de 1952, quando foi publicado o regulamento da polícia fluminense.

O ministro Osvaldo Aranha, ainda no período da manhã, telefonou ao vice-presidente da República, desejando falar-lhe pessoalmente. João Café Filho prontificou-se a ir ao gabinete do ministro, em prédio próximo ao seu, e, ao chegar lá, Aranha informou que a situação era muito grave.

O presidente Getúlio Vargas havia exigido a presença do chefe da guarda pessoal, Gregório Fortunato, tendo-o interpelado de maneira tão dura que o subordinado chegara até a chorar. A ideia do ministro da Fazenda era que o vice assumisse, de imediato, a presidência da República, e permanecesse no exercício durante todas as investigações.

Café Filho, surpreso com a proposta, a recusou por entender que somente o presidente efetivo poderia resolver plenamente todo o problema. Pouco depois, era noticiado que Gregório estava detido e confinado no Palácio do Catete e que, em desespero, ameaçou suicidar-se.

Gregório Fortunato, no final de semana, foi ao encontro de Benjamim Vargas, que se encontrava em Petrópolis com sua esposa, mas teve que retornar ao Rio de Janeiro, quando chamado pelo presidente Getúlio Vargas. Na subida da serra, eles se cruzaram e Gregório fez o seu carro retornar e alcançar "Beijo", como era conhecido o caçula dos Vargas. Passando para o outro carro, Benjamim ouviu os reclamos de Gregório; o presidente estava "brabo" com ele por causa do atentado e acabou confessando a Benjamim que "tinha feito uma besteira". "O Anjo Negro" havia sido o responsável pelo atentado da rua Tonelero.

Oficiais da Aeronáutica expediram uma nota dizendo que a Presidência da República já se encontrava em condições de entregar à polícia um dos pistoleiros. Nesse dia começaram a circular notícias da saída do brigadeiro Nero Moura do Ministério da Aeronáutica.

Reuniu-se às 20 horas, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), sob ambiente de intenso entusiasmo, o Clube da Lanterna, fundado por Carlos Lacerda como entidade civil em 1953, cuja finalidade era combater o governo do presidente Getúlio Vargas. Em suas hostes congregava os opositores ao regime, principalmente parlamentares da UDN.

Também à noite, foram realizadas quase simultaneamente na capital federal quatro reuniões com as classes armadas. O ministro Nero Moura convocou todos os brigadeiros presentes no Rio para uma reunião no Ministério da Aeronáutica, na qual afirmou o empenho do governo em punir os culpados "doesse a quem doesse". Também reuniram-se os oficiais do Clube da Aeronáutica. O Alto Comando do Exército, que "com grande esforço e vencendo dificuldades em face de manifestações extremadas", decidiu que as Forças Armadas teriam um ponto de vista comum no sentido de manterem-se unidas dentro da Constituição. E por fim ocorreu a assembleia extraordinária do Clube Naval. Em todas elas a mesma decisão: repúdio ao atentado da rua Tonelero.

Fora de agenda, o presidente GetúlioVargas recebeu o ministro da Viação, José Américo de Almeida, que, após analisar a situação, sugeriu uma licença até que a situação se normalizasse. O presidente ouviu e reafirmou "sua vigorosa obstinação de conservar o poder, dignificando o mandato que recebera do povo".

Ainda no Palácio do Catete, em conversa com Lourival Fontes, chefe do Gabinete Civil, Getúlio afirmou: "Hoje eu sou presidente constitucional. Não ficarei no governo nem um dia a mais nem um dia a menos do meu mandato. Vou lutar nas ruas e daqui só sairei morto. Resistirei no governo porque esse é o meu dever".

(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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