Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 60 anos de uma tragédia brasileira


14/08/2014 13:45 | Antônio Sérgio Ribeiro*

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Presidente Getúlio Vargas e general Caiado, no Rolls-Royce presidencial<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164594.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputado Afonso Arinos  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164595.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputado Lutero Vargas  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164596.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Jornalista Carlos Lacerda conhecido como O Corvo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164597.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Ao completar 60 anos dos fatos que culminaram com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Agência Assembleia e o Diário da Assembleia publicam, desde o dia 4/8/2014, uma série de textos que relatam a sequência dos eventos que ocorreram naqueles negros dias de agosto e que enlutaram o Brasil. Tentaremos narrar cronologicamente, seguindo a mesma data, porém seis décadas depois, esses acontecimentos tão marcantes para a história do nosso país.

Sexta feira - 13 de agosto de 1954

Sorridente, Vargas desembarcou no Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro, vindo de Belo Horizonte. Foi recebido pelo ministério e autoridades civis e militares. Após os cumprimentos, dirigiu algumas palavras à imprensa carioca e seguiu diretamente para o Palácio do Catete, no Rolls-Royce presidencial.

Teve início uma verdadeira caçada aos envolvidos no crime da Tonelero, José Antônio Soares e Climério Euribes de Almeida, por parte da polícia e de oficiais da FAB, que, cansados de esperar alguma ação efetiva por parte das autoridades policiais, resolveram formar grupos que se dirigiram para vários pontos do Estado do Rio e subúrbios da capital do país.

O ministro Nero Moura determinou a prisão do brigadeiro Franco Faria e do coronel Alvim em virtude dos pronunciamentos feitos durante a assembleia no Clube de Aeronáutica, em que pregaram a destituição do presidente da nação. À noite, no Clube Naval, reuniram-se os associados, em assembleia, para manifestar a solidariedade aos oficiais da Aeronáutica e corroborar a defesa intransigente da Constituição.

Na sede da Diretoria das Rotas Aéreas, órgão onde trabalhava Rubens Vaz, o major Gustavo Borges, que estava auxiliando nas diligências para a captura dos criminosos, realizou uma exposição sobre o desenvolvimento dos acontecimentos, a fim de evitar desencontros de informações entre os integrantes da corporação.

O deputado Afonso Arinos, líder da UDN na Câmara dos Deputados, pronunciou um longo discurso, considerado um dos melhores de toda a sua vida pública, em resposta ao do presidente Getúlio Vargas feito em Belo Horizonte. Em determinado momento de sua locução, Arinos disse:

"O governo do sr. Getúlio Vargas é um estuário de lama e sangue.... Não é mentira a viuvez, a orfandade, os homens assassinados e feridos. Apelo a Vargas como presidente e como homem...", e finalizando disse: "...lembre-se dos homens e deste país e tenha a coragem de ser um desses homens, não permanecendo no governo, se não for digno de exercê-lo".

No Senado Federal, o senador Arthur Bernardes Filho (UDN-MG), da tribuna, disse: "o sr. Getúlio Vargas não tem mais autoridade para governar".

Por indicação de um detetive da polícia técnica e depois de uma busca incessante, foi efetuada a prisão, às 3 horas da madrugada, em sua própria casa, em São João do Meriti, de Alcino João do Nascimento, assassino do major Rubens Vaz e causador dos ferimentos em Carlos Lacerda e no vigilante municipal Sálvio Romeiro, na madrugada de 5 de agosto. Às 15h30, o pistoleiro foi levado preso para a Base Aérea do Galeão. Em depoimento aos membros integrantes da comissão responsável pelo IPM, confessou a autoria do crime e acusou como mandante do crime o deputado federal Lutero Vargas, filho do presidente. A divulgação dessa informação pela imprensa caiu como uma verdadeira bomba em todo o Brasil.

Grave denúncia

Ao tomar conhecimento da denúncia, depois de intensa movimentação no Ministério da Guerra, o general Zenóbio da Costa dirigiu-se em proclamação ao país, pedindo que o povo confiasse na ação das autoridades.

Também foi divulgada uma possível articulação para a criação de uma aliança entre comunistas e getulistas. Segundo a oposição ao governo, estaria sendo encabeçada pelo deputado Roberto Morena, na Câmara Federal, e o vereador Aristides Saldanha, na Câmara Municipal do Distrito Federal, que atacavam a UDN, e os que exigiam a renúncia do presidente. Em Minas Gerais estava sendo articulada uma greve geral para o dia 16.

No Palácio do Governo, ao tomar conhecimento da grave acusação envolvendo seu filho Lutero, o presidente Vargas solicitou ao seu ajudante de ordens, major aviador Hernani Fittipaldi, que chamasse com urgência Lutero Vargas, o vice-presidente Café Filho e o chefe de polícia, coronel Paulo Torres.

Lutero foi o primeiro a chegar. Entrou logo no gabinete, teve uma conversa tensa e séria, jurando ao seu pai que não estava envolvido no atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, e que tudo era um complô contra o presidente e o seu governo. A família Vargas, pouco depois, também se reuniu com Lutero, que mais uma vez jurou inocência. Ele foi aconselhado a utilizar os meios de comunicação para proclamar sua defesa. Terminado seu pronunciamento, apresentou-se, logo em seguida, à Comissão de Inquérito Policial Militar, disposto a renunciar até mesmo a suas imunidades do mandato parlamentar para se defender.

Em proclamação lida nas rádios Nacional e Mayrink Veiga e divulgada pela imprensa escrita de todo o Brasil, Lutero Vargas afirmou:

"Nesta hora em que a insânia de maus brasileiros, trabalhados por ódios pessoais mesquinhos, procura envolver o meu nome numa trama engendrada e urdida por eles próprios, venho diante da opinião pública denunciar essas manobras e proclamar, sem nenhum receio, que estou sendo vítima de torpe difamação". E ao final disse:

"Juro perante Deus e a Nação que nenhuma ingerência, direta ou indireta a nenhuma responsabilidade, por ação ou omissão, tive no deplorável acontecimento".

Foi uma ducha de água fria na oposição, que não esperava que a fala de Lutero pudesse surtir efeito na opinião pública, como ocorreu.

Atendendo ao chamado, Café Filho chegou ao Catete às 17h e foi recebido pelo presidente Vargas, que não deixou o vice falar algo. Comunicou que não iria à Bolívia, conforme já havia anunciado, e esperaria mais um pouco. E falou para um surpreso vice: "Vou passar-lhe o governo". Acrescentou que iria para a sua fazenda no Rio Grande do Sul e que, depois, de lá mesmo, faria a viagem à Bolívia. Em tom de cansaço e desprezo, completou: "Talvez nem volte mais a isto."

Café Filho tentou escusar-se e disse: "Presidente, estamos ao redor de uma fogueira. Não sei se terei condições de sustentar a ordem pública". E ainda argumentou: "Seu filho está sendo envolvido no noticiário do crime. Nestas condições..."

Getúlio o interrompeu e disse: "Meu filho apresentar-se-á hoje à Comissão de Inquérito. Renunciará às imunidades parlamentares. Faço questão de ver tudo apurado". O presidente completou: "Vou falar com os ministros militares para que lhe deem a necessária cobertura. Assim você poderá desempenhar-se bem". Getúlio levantou-se como que se despedindo, dando a impressão de que não admitia objeções e nem queria debater o problema.

Para o coronel da reserva Hernani Fittipaldi, de 91 anos e hoje residente em Brasília, estava claro o porquê da convocação do filho, do chefe de polícia e do vice-presidente. Caso houvesse o envolvimento de Lutero no crime, o presidente não teria nenhum constrangimento em entregar o filho à autoridade policial e o governo a seu substituto constitucional, o vice-presidente da República, Café Filho.

Ainda nesse dia, o então major Fittipaldi, ao cumprir suas obrigações de encaminhar os documentos já despachados por Vargas, encontrou sobre a mesa de trabalho no seu gabinete, no Palácio do Catete, um bilhete manuscrito a lápis, em um papel de memorando timbrado da Presidência da República, com os dizeres:

"À sanha dos meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo a mágoa de não ter podido fazer pelos humildes tudo aquilo que desejava".

*Antônio Sérgio Ribeiro é advogado, pesquisador e funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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