Especial Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 60 anos de uma tragédia brasileira

Agonia e morte do presidente Getúlio Vargas
26/08/2014 15:48 | (*) Antônio Sérgio Ribeiro

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Deputado Augusto do Amaral Peixoto<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164803.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presidente Getúlio Vargas com o Marechal Mascarenhas de Moraes<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164804.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Ao completar 60 anos dos fatos que culminaram com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Agência Assembleia está publicando, desde 4 de junho, uma série de textos que relatam a sequência dos eventos que ocorreram naqueles negros dias de agosto e que enlutaram o Brasil. Tentaremos narrar cronologicamente, seguindo a mesma data, porém seis décadas depois, esses acontecimentos tão marcantes para a história do nosso país.

Sábado - 21 de agosto de 1954

Agravava-se a tensão da situação político-militar. Reuniram-se no ministério da Guerra, às 9 horas da manhã, cerca de 70 generais convocados pelo Alto Comando do Exército, que ao término do encontro expediram uma nota em que se reafirmava o propósito de preservar a Constituição de qualquer modo. Também os almirantes reuniram-se no Clube Naval e declararam-se pela apuração do crime e defesa dos princípios constitucionais.

Mas o mais preocupante foi a realização de uma grande reunião, à noite, no Clube da Aeronáutica, em que participaram mais de mil oficiais da Aeronáutica, Exército e Marinha. A leitura do relatório pelo major Gustavo Borges, do que fora até então apurado pelo IPM, principalmente o teor dos documentos apreendidos no arquivo de Gregório Fortunato no Catete e a participação comprovada no crime de integrantes da guarda pessoal de Getúlio Vargas provocaram indignação e revolta. Oficiais exaltados, como o brigadeiro Neto dos Reis, pronunciaram-se abertamente pela renúncia do presidente da República. O brigadeiro Guedes Muniz convocou, à revelia do ministro da Aeronáutica, Epaminondas Gomes dos Santos, para o dia seguinte, uma reunião no próprio Clube da Aeronáutica com todos os brigadeiros presentes no Rio.

Por determinação do ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa, as tropas do Exército sediadas no Rio de Janeiro e na Vila Militar foram colocadas em estado de prontidão, e os ministros da Marinha, almirante Rebato Guillobel, e o da Aeronáutica, brigadeiro Epaminondas Gomes dos Santos, puseram as suas em estado de alerta.

Um grave incidente ocorreu a bordo do cruzador Barroso, quando o contra-almirante Muniz Freire, durante seu discurso na cerimônia de comemoração do 3º aniversário da incorporação do navio à Marinha do Brasil, fez graves referências à crise política e à atitude do governo. Foi preso pelo vice-almirante Noronha de Carvalho, que se encontrava presente. Toda a oficialidade presente solidarizou-se com ele, sendo que alguns também chegaram a ser presos.

Reunidos, os oficiais da Marinha resolveram marcar para o dia seguinte, às 15 horas, uma grande manifestação de desagravo ao almirante Muniz Freire, que teve a sua prisão relaxada no mesmo dia pelo almirantado, que entendeu "não ter havido prática de indisciplina, mas sim uma exaltação momentânea".

O líder do governo na Câmara Federal, deputado Gustavo Capanema, foi ao encontro do vice-presidente Café Filho em seu gabinete, que se localizava no Ministério do Trabalho, na esplanada do Castelo. Este, em tom desalentador, comentou a delicada situação em que o país vivia, principalmente, após a divulgação dos documentos do arquivo de Gregório Fortunato.

Capanema demonstrou sua preocupação sobre o teor do "discurso tremendo" que o líder da oposição, deputado Afonso Arinos, pronunciaria na Câmara dos Deputados na sessão de segunda-feira, dia 23. Indagado por Café sobre a situação em que se encontrava o presidente da Câmara, deputado Nereu Ramos, o líder do governo respondeu que ele não dispunha de força parlamentar para uma contra-ofensiva política e que o desgaste era completo, principalmente pela campanha oposicionista no Congresso, nos jornais e no rádio, situação que o enfraquecia demais.

O vice concordou e disse: "A situação é realmente má e cheia de perigos."

Café Filho disse a Capanema que iria, ainda no mesmo dia, ao encontro do presidente Getúlio Vargas para propor "a nossa renúncia simultânea", como sendo uma fórmula capaz de resolver pacificamente o problema que se agravava com o alastramento da desordem. O líder foi contra a proposta, acreditando que seria o fim de tudo. Mas Café o contradisse e perguntou se havia outra escolha, e Capanema nada respondeu.

O vice-presidente da República dirigiu-se ao Ministério da Marinha, a fim de conversar com o almirante Renato Guillobel, que vivia em seu gabinete o maior alvoroço em virtude do incidente a bordo do Barroso.

Após conversar com Guillobel sobre sua proposta, Café indagou se as Forças Armadas estariam em condições de garantir a ordem pública, na hipótese de efetivar-se a renúncia de Getúlio e a sua. O ministro da Marinha confessou suas apreensões; era muito forte o movimento contra o presidente. Cerca de 90% da corporação estava contra Vargas. E ele nada podia fazer senão acompanhá-lo até o fim.

Café falou que gostaria de conversar com o ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa. O titular da Marinha, por telefone, convidou o colega para ir até seu gabinete, o que foi aceito.

Ao chegar, Zenóbio contou que tinha recebido em seu gabinete o líder Capanema, que o procurara "assombrado", e afirmou com veemência: "Esta situação só se resolve mesmo é a bala!"

Todos ouviram calados. Café mais uma vez repetiu a sua proposta, mas Zenóbio não o deixou terminar e afirmou: "Sou auxiliar do presidente. Estarei ao lado dele, haja o que houver. Não tomo parte em nenhum movimento de renúncia.".

O vice interrompeu e disse: "Perdão! Não estou pedindo o seu apoio nem sequer a sua opinião. Quero apenas comunicar a um dos responsáveis pela ordem pública e pela sobrevivência do regime uma decisão que já tomei e vou transmitir ao dr. Getúlio Vargas dentro de poucas horas."

Café ainda afirmou que a oposição queria que Vargas se afastasse e que ele assumisse, e que sua proposta era uma solução política, para que Getúlio tivesse uma saída honrosa para a crise.

Às 16 horas, Café Filho foi ao Palácio do Catete para seu encontro com Getúlio. Este apreensivo, mas cordial, o recebeu de imediato. O vice foi direto ao motivo de sua visita e transmitiu ao presidente sua proposta. Levou ainda os nomes dos ministros Osvaldo Aranha e José Américo de Almeida, dos deputados Alberto Pasqualini e Gustavo Capanema, do almirante Álvaro Alberto (renomado cientista na aérea da energia nuclear) e do marechal João Baptista Mascarenhas de Moraes, que poderiam ser indicados e eleitos pelo Congresso Nacional nos termos da Constituição para exercer o cargo de presidente da República e completar o período do mandato.

Getúlio Vargas ouviu olhando para o teto do palácio e, numa peculiar reflexão mímica, retrucou com voz de amargura: "Enganam-se os que me acreditam incapaz de renunciar. Estou velho e esgotado. A situação é realmente difícil. Não contesto o quadro que me traçou. Posso largar isto definitivamente..." Com ironia, completou: "Irá buscar-me depois uma patrulha da Aeronáutica".

O vice-presidente assegurou que nada daquilo aconteceria e que, pessoalmente, obteria um compromisso das Forças Armadas. Getúlio disse:

" Agradeço-lhe a colaboração. Compreendo a gravidade do momento. Não tenho apego a isto. Depois de ouvir alguns amigos, dar-lhe-ei uma resposta definitiva."

Retornando ao seu apartamento no Posto 6 em Copacabana, Café Filho, à noite, chamou seu amigo, o jornalista Elmano Cardim, diretor do Jornal do Commércio, e confidenciou-lhe a proposta apresentada ao presidente, e que se fazia necessário o apoio dos militares que se opunham a Vargas. Cardim foi ao encontro do brigadeiro Eduardo Gomes às 23 horas, que louvou o gesto do vice-presidente, mas manifestou ceticismo quanto à deliberação favorável de Getúlio.

No Palácio do Catete, o ministro da Justiça, Tancredo Neves, ouviu do próprio presidente a proposta de seu vice e, em resposta, afirmou:

"A nossa situação com a atitude do vice-presidente se agravou consideravelmente. Se ele, Café Filho, até então dentro de uma linha de rigorosa serenidade e lealdade ao presidente, tomara aquela atitude, era evidente que passara a participar da conjura, e se o fizera era com a cobertura de prestigiosos elementos militares".

O deputado federal Augusto do Amaral Peixoto, irmão do governador do Estado do Rio, tomou a iniciativa de procurar uma solução para a crise e, depois de consultar o deputado Afonso Arinos e outros lideres políticos, foi ao Catete a fim de propor a Getúlio "uma reorganização do governo, de tal forma que a opinião pública viesse a ter certeza de que todos os crimes cometidos neste e noutros quinquênios seriam devidamente apurados, de que todos os criminosos seriam punidos..."

Augusto não pôde se avistar com o presidente, mas ele respondeu a proposta apresentada: "Aceito qualquer solução que seja a bem do Brasil. Apenas advirto que na hipótese de não poder manter a ordem pública, eu então entregarei o governo a quem possa manter essa ordem pública, que é o Exército Nacional, na pessoa do seu ministro, general Zenóbio da Costa".

À noite, na casa do marechal Mascarenhas de Moraes, o deputado Amaral Peixoto, com as presenças dos generais Juarez Távora e Francisco Gil Castello Branco, presidente do Superior Tribunal Militar - STM, do brigadeiro Luís Raul Neto dos Reis, apresentou a resposta de Vargas, que foi mal recebida por Távora, classificando-a de inconstitucional e declarando que, no caso de passar o governo, caberia assumir o substituto legal, o vice-presidente da República.

Revelam-se novos documentos do arquivo de Gregório: listas de bicheiros que incriminavam os delegados Belens Porto, Hermes Machado e Brandão Filho, que comprovadamente mantinham ligações com Gregório Fortunato na exploração do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Por ordem do chefe de policia coronel Paulo Torres, são presos.

(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Na manchete: O então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, discursando diante de Benedito Valadares, governador de Minas Gerais, e Getúlio Vargas, presidente da República, na inauguração do asfalto na Avenida do Contorno, em 12 de maio de 1940. Fonte: Wikipédia

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