Especial Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 60 anos de uma tragédia brasileira

Agonia e morte do presidente Getúlio Vargas
27/08/2014 13:29 | (*) Antônio Sérgio Ribeiro

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 Deputado Danton Coelho <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164817.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> General Mendes de Moraes  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164818.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Vice-presidente Café Filho <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164819.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> General Juarez Távora  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2014/fg164820.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Ao completar 60 anos dos fatos que culminaram com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Agência Assembleia publica, a partir de hoje, uma série de textos que relatam a sequência dos eventos que ocorreram naqueles negros dias de agosto e que enlutaram o Brasil. Tentaremos narrar cronologicamente, seguindo a mesma data, porém seis décadas depois, esses acontecimentos tão marcantes para a história do nosso país.

Domingo - 22 de agosto de 1954

O vice-presidente João Café Filho foi procurado na noite anterior por diversas personalidades políticas, só conseguiu dormir por poucas horas, já pela madrugada, em uma rede na varanda de seu apartamento em Copacabana. De manhã, foi ao Palácio do Catete, onde se avistou demoradamente com o chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Lourival Fontes, com quem trocou impressões sobre a crise e a atitude que poderia tomar o presidente Getúlio Vargas.

Elmano Cardim continuou sua missão e foi ao encontro do general Juarez Távora que, autorizado pelo visitante, telefonou ao chefe do Estado Maior das Forças Armadas, marechal Mascarenhas de Moraes, para informar sobre o assunto. De lá foi à casa do general Canrobert Pereira da Costa, que participou ao general Fiúza de Castro o fato. Cardim ainda foi procurar o presidente da Câmara Federal, deputado Nereu Ramos, mas este estava em viagem a seu Estado, Santa Catarina.

A reunião dos brigadeiros no Clube da Aeronáutica iniciou-se no período da manhã e foi interrompida às 13 horas, porque o brigadeiro Eduardo Gomes, que a presidia, foi chamado para uma reunião, urgente, na casa do marechal Mascarenhas de Morais.

Na residência do chefe do EMFA, estavam os generais Canrobert Pereira da Costa, Juarez Távora, Álvaro Fiúza de Castro e Humberto de Alencar Castello Branco, o brigadeiro Ivan Carpenter Ferreira e o almirante Salalino Coelho. Permaneceram reunidos até as 17h30, debatendo a crise, discutindo a atuação dos chefes do Exército no caso e as consequências previsíveis da permanência de Getúlio Vargas à testa do governo. O general Juarez foi para casa. O marechal Mascarenhas de Moraes dirigiu-se ao Catete, a fim de comunicar ao presidente da República o ponto de vista dos colegas. O brigadeiro voltou ao clube da Aeronáutica para recomeçar a reunião, que foi reaberta às 17 horas, ao término foi emitida uma nota assinada por trinta brigadeiros:

"Os oficiais generais da Força Aérea Brasileira, identificados com o sentimento de sua corporação, ante a evolução dos fatos criminosos revelados no Inquérito Policial-Militar exprimem mais uma vez o seu agradecimento à solidariedade recebida do Exército e da Marinha e a certeza de que as Forças Armadas, dentro da ordem da disciplina e fiéis a Constituição, não faltarão à confiança nelas depositada para que a presente crise nacional tenha solução definitiva e digna. Convieram também em que o sr. tenente brigadeiro Eduardo Gomes, oficial mais graduado presente à reunião, comunicasse aos srs. Ministros das pastas militares e ao senhor marechal chefe do Estado Maior das Forças Armadas uma determinada decisão unânime que foi ali tomada como capaz de restaurar a tranquilidade no país."

No Clube da Aeronáutica, o brigadeiro Eduardo Gomes retirou-se para dar conhecimento aos ministros militares e ao marechal Mascarenhas de Moraes da resolução dos seus companheiros de farda reunidos, que exigiam claramente a renúncia como única solução capaz de restituir a tranquilidade ao país.

Às 20 horas, Getúlio mandou chamar o vice Café Filho para uma conversa no Catete. Este, ao chegar, notou que os jardins e algumas dependências da sede do governo estavam transformados em trincheiras, com sacos de areia, e ocupados com soldados fortemente armados, inclusive com metralhadoras.

O nervosismo era incontido por parte dos funcionários e dos militares que serviam a Casa Militar. A partir das 21 horas, tornou-se intenso o movimento no palácio, registrando-se a presença de numerosas personalidades civis e militares que foram levar ao presidente sua solidariedade. Enquanto aguardava para ser recebido, pois Vargas naquele momento estava reunido com o marechal Mascarenhas de Moraes, o vice-presidente ouvia Benjamin Vargas, irmão do presidente, que, agitado de metralhadora em punho, só falava em resistir até a morte. "Não renuncio, só sairei morto"

No gabinete presidencial, o velho marechal expôs o ponto de vista dos generais e Getúlio respondeu:

"- Marechal, em 1945, eu estava no governo mantido pela vontade das armas. Atualmente, fui eleito pelo povo, e não posso sair daqui enxotado pelas Forças Armadas. Não renuncio, só sairei morto e o meu cadáver servirá de protesto contra essa injustiça".

Mascarenhas reafirmou o seu ponto de vista e o seu apoio. O presidente Vargas retorquiu:

"- Marechal, eu acredito nas suas palavras, porque o senhor não é político e é meu amigo".

Nesse meio tempo chegou à sede do executivo, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, acompanhado de sua esposa Alzira, que ao ver o vice disparou:

"- Como é já veio assumir?"

Café respondeu no mesmo tom:

"- Não, porque estou muito cansado..."

Ao sair do gabinete, Mascarenhas de Moraes, ao cumprimentar o vice, respondeu ao ouvido:

" - Vai tudo bem..."

João Café Filho nunca entendeu a resposta, mas em suas memórias João Baptista Mascarenhas de Moraes, comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), nos campos da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, afirmou:

"Ao retirar-me, encontro no fundo da escada, aprestando-se para subi-la, o vice-presidente da República, dr. João Café Filho, que, ao cumprimentar-me, pergunta como vão os acontecimentos. Apesar de estar convencido do contrário, respondi laconicamente - tudo bem! - para não revelar a gravidade da situação a quem, como ele, estava notoriamente ligado aos revolucionários, que envidavam todos os esforços no sentido do afastamento temporário ou definitivo do presidente Getúlio Vargas".

Getúlio recebeu Café com sua costumeira cordialidade. Delicado e firme, afirmou:

" - Considerei com interesse a sua proposta de nossa dupla renúncia. Reconheço os seus bons propósitos e quero renovar os agradecimentos pelo seu gesto de colaboração; mas prefiro resistir no meu posto. Estou velho. Não tenho o que perder."

O vice tentou argumentar, fazendo ponderações sobre a preocupante situação vivida pelo governo e, em consequência pelo país, mas Vargas, aparentando calma e confiante, com dignidade declarou:

" - Os ministros militares me asseguraram que manterão a ordem. Ficarei no poder. Faço questão que o crime da Tonelero seja cabalmente apurado."

Seu interlocutor insistiu mais uma vez na sua fórmula e, com um timbre definitivo, o presidente reiterou:

" - Não renunciarei de maneira alguma. Se tentarem tomar o Catete, terão de passar sobre o meu cadáver."

O vice-presidente, ao sair do palácio, foi ao encontro do ministro Zenóbio, descumprindo sua palavra de primeiro conversar com o líder do governo na Câmara dos Deputados, Gustavo Capanema, após a conversa com Vargas. Para sua surpresa, o deputado Capanema ficou sabendo que Café havia se antecipado: foi procurar Zenóbio e combinou detalhes, fazendo crer, inclusive pelo convite, que o ministro da Guerra continuaria no posto no novo governo. O que acabou não se efetivando em virtude do veto ao seu nome por parte do general Juarez Távora.

Café Filho, como presidente do Senado Federal (a Constituição de 1946 determinava que a presidência do Senado seria exercida pelo vice-presidente da República, como a norte-americana), resolveu convocar os senadores para, no dia seguinte, quando estivesse na tribuna, relatar a sua proposta de renúncia simultânea.

Ordem a qualquer preço

O ministro da Justiça, Tancredo Neves, emitiu uma nota desmentindo noticias que davam conta da renúncia do chefe da Nação, imputando o fato "a elementos interessados na perturbação da ordem", e o chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Aguinaldo Caiado de Castro, declarou: "... que no palácio estava tudo absolutamente calmo e que tudo eram boatos espalhados pelos interessados em lançar a confusão em proveito de objetivos políticos e que o governo resistiria a qualquer manobra de violação da Constituição e que a ordem seria mantida a qualquer preço".

Às 23h30, um pelotão da Polícia do Exército isolou a sede do governo, interditando as ruas próximas e dispersando os mais de mil populares que se postavam na calçada em frente ao palácio.

Em face da divulgação de rumores e boatos, o chefe de polícia, coronel Paulo Torres, determinou que fossem garantidas a prestação de todas as estações de rádio, jornais, da Companhia Telefônica, postos de abastecimento de luz, força e água da cidade, ao mesmo tempo em que expediu ordem às autoridades policiais no sentido de que fosse redobrada a vigilância para evitar perturbações.

Enquanto era transferida, a pedido do almirante Muniz Freire, a homenagem que lhe seria prestada pelos oficiais da Marinha, o general Zenóbio da Costa foi à Vila Militar, no distante subúrbio de Deodoro, para inspecionar as unidades militares do Exército. Quando de lá retornou, à meia-noite, afirmou que não havia a menor possibilidade de golpes.

Às 22 horas, Eduardo Gomes ligou para Juarez Távora e informou que o presidente Vargas havia rejeitado a ideia de sua renúncia conjunta com a do vice e que optara pela resistência, até a morte, tendo transmitido ordens nesse sentido ao ministro da Guerra. Preocupado com a possibilidade de um confronto entre as Forças Armadas, Juarez reuniu-se com os generais Canrobert Pereira da Costa, Nicanor Guimarães de Sousa, Alcides Etchegoyen e Fiúza de Castro, na residência deste último na av. Maracanã, para redigir um manifesto de solidariedade de oficiais generais do Exército à posição adotada por seus camaradas da Marinha e da Aeronáutica.

(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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