Ao completar 60 anos dos fatos que culminaram com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Agência Assembleia publica, a partir de hoje, uma série de textos que relatam a sequência dos eventos que ocorreram naqueles negros dias de agosto e que enlutaram o Brasil. Tentaremos narrar cronologicamente, seguindo a mesma data, porém seis décadas depois, esses acontecimentos tão marcantes para a história do nosso país. Quarta-feira - 25 de agosto de 1954 A nação, em estado de choque com o suicídio, chorou o seu grande presidente morto. Com os ouvidos colados nos aparelhos de rádio, a população brasileira acompanhou as últimas homenagens prestadas primeiramente pela população carioca e, depois, pela gaúcha. Desde a divulgação da primeira notícia da morte de Getúlio Vargas, uma verdadeira multidão correu para o Palácio do Catete, mas mesmo com a demora do início do velório, que atrasou por várias horas, a população não arredou o pé. A Casa Militar da presidência organizou as filas que vinham pelas laterais do palácio e passavam pela câmara ardente, montada no salão ministerial, no mesmo local onde poucas horas antes havia sido realizada a última reunião do ministério. Cenas pungentes foram vistas, a emoção tomou conta de todos. Ao se deparar com o corpo o choro era incontido. Perto de 3 mil pessoas, principalmente com crises nervosas e desmaios, foram atendidas pelo serviço médico de emergência montado nos jardins do palácio, onde centenas de coroas estavam depositadas. Bem cedo, carros de som avisavam àqueles que pretendiam visitar o corpo que não haveria mais tempo, e informavam também o trajeto a ser seguido. Às 8 horas, foi encerrada a visitação e fechados os portões para dar início ao cortejo fúnebre em direção ao aeroporto Santos-Dumont, onde o esquife embarcaria em direção ao Rio Grande do Sul. Segundo cálculos da imprensa, cerca de 67 mil pessoas passaram pelo velório, como o governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, que saiu de Belo Horizonte especialmente para prestar as últimas homenagens ao presidente Vargas. Exatamente 24 horas depois da morte do presidente, o caixão foi fechado e transportado do interior do Palácio pelos filhos Lutero e Manoel Antônio, João Goulart, ministro Tancredo Neves, general Caiado de Castro, brigadeiro Nero Moura, marechal Mascarenhas de Moraes e os oficiais da Casa Militar da Presidência da República e conduzido até uma carreta militar, que havia sido conseguida pelo ministro da Marinha Renato Guillobel, que foi empurrada e puxada por amigos e colaboradores do grande homem público. O ministério seguiu atrás do esquife, acompanhado por amigos e antigos auxiliares do governo. Compacta multidão comprimiu-se pelas ruas do Catete e Silveira Martins, na avenida Beira-Mar, no Flamengo, onde senhoras jogaram centenas de flores para cobrir o caminho do cortejo. Muitas pessoas subiram em árvores para melhor ver a passagem do féretro e todos se deram conta da amplitude da última homenagem a Getúlio Vargas. Era um verdadeiro mar de gente, na maior manifestação popular que o Rio de Janeiro já tinha visto em sua história. Em silêncio, sem pompas, nem a bandeira nacional sobre o esquife, o cortejo seguiu lentamente, precedido por dois Jeeps da Polícia do Exército e por motociclistas da Polícia Especial, que usavam braçadeiras de luto, o trajeto em direção ao Aeroporto Santos-Dumont. Alzira Vargas do Amaral Peixoto recusou o transporte do corpo por aviões da FAB e solicitou ao major aviador Hernani Fittipaldi, que cumpriu durante todo o governo de seu pai a dupla função de ajudante de ordens e de piloto oficial, que fosse procurar o presidente da empresa aérea "Cruzeiro do Sul", Bento Dantas Ribeiro, que colocou à disposição duas aeronaves DC-3. O novo ministro da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, por segurança, determinou a interdição do Santos-Dumont das 8 até as 13 horas, passando todos os voos para o aeroporto internacional do Galeão, localizado na Ilha do Governador. Apesar da área do campo de aviação estar fortemente policiada e a sede do 3ª Zona Aérea isolada, a tropa não teve como impedir que parte do pátio onde estava estacionado o avião da "Cruzeiro do Sul" fosse invadida pela multidão. E foi nos braços do povo brasileiro que Getúlio Vargas chegou para realizar a sua derradeira viagem. No aparelho já se encontrava a viúva dona Darcy, que viajou acompanhada dos filhos Lutero e Manoel, com sua esposa Vera, e também Benjamim Vargas, Aloysio de Castro, Augusto Leivas Otero, João Goulart e o major Fittipaldi. Quando o caixão foi alçado para o avião, pela primeira vez foi quebrado o silêncio por gritos, vivas, brados de dor, lamentos e impropérios por parte da multidão. Um verdadeiro clamor de dor e revolta. A porta do avião já estava fechada quando teve que ser novamente aberta, pois presos pela gigantesca massa humana, Alzira Vargas e seu marido Ernani não tinham conseguido chegar antes, e como a escada já havia sido retirada foram ajudados pelas mãos do povo a subirem no DC-3. Ao entrar, ela virou-se e acenou com a mão em despedida e agradecendo a homenagem sincera da população que ali se encontrava. Em derradeiro adeus, o povo cantou o Hino Nacional Brasileiro. Milhares de lenços brancos foram vistos no momento em que o avião ligou os motores e seguiu para a cabeceira da pista. Quando um Jeep da Aeronáutica com três oficiais foi ao encontro do DC-3, a porta foi aberta novamente e o major Fittipaldi foi saber o que queriam os "colegas": exigiam a lista de passageiros. Fittipaldi não teve dúvida, disse um sonoro palavrão e deu um bico com seu pé no oficial insolente que caiu sobre os outros. A porta foi raivosamente fechada e o avião com os motores a toda potência preparou para decolar. Às 9h50, correu a pista e passou pelo Pão de Açúcar. A multidão então gritou: "Ele subiu! Ele subiu!" A aeronave fez ainda um sobrevoo sobre a área do aeroporto. Milhares de lenços brancos davam o seu último adeus ao homem que tinha governado o Brasil durante quase 20 anos, e agora desaparecia nas nuvens em direção a São Borja. Logo após a partida do avião, começou um protesto na praça Salgado Filho, em frente ao aeroporto. As tropas da Aeronáutica, que faziam o policiamento, foram provocadas por agitadores que insuflavam o povo, e acabaram intervindo, inclusive utilizando armas de fogo e bombas de gás lacrimogêneo; diversas pessoas ficaram feridas, algumas gravemente. O avião da "Cruzeiro do Sul" chegou ao seu destino às 15h20. O corpo foi recebido pelas autoridades que acompanhavam o governador do Estado do Rio Grande do Sul, gen. Ernesto Dornelles, primo de Getúlio, e por milhares de pessoas em prantos. Meia hora depois teve início o cortejo, que levou quase duas horas para perfazer o trajeto de 4 km do aeroporto local até a sede do executivo municipal. O novo presidente João Café Filho, às 11 horas, entrou no Palácio do Catete para iniciar seu governo com um ministério formado, na sua maioria, por opositores ao seu antecessor, vários ligados à UDN. Às 17h45, o caixão coberto com a bandeira do Brasil chegou ao salão nobre da prefeitura municipal de São Borja para o velório. Milhares de pessoas decolaram da capital gaúcha, Porto Alegre, e de cidades vizinhas, para prestar as últimas homenagens ao "presidente do povo". (*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.