Especial Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 60 anos de uma tragédia brasileira

Agonia e morte do presidente Getúlio Vargas
02/09/2014 13:04 | (*) Antônio Sérgio Ribeiro

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Saída do cortejo para o cemitério, Jango e Tancredo Neves, à direita, acompanham o funeral<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164926.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Familiares e amigos no enterro do presidente Getúlio Vargas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164927.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Osvaldo Aranha discursa à beira do túmulo de Getúlio Vargas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164928.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Ao completar 60 anos dos fatos que culminaram com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Agência Assembleia publica, a partir de hoje, uma série de textos que relatam a sequência dos eventos que ocorreram naqueles negros dias de agosto e que enlutaram o Brasil. Tentaremos narrar cronologicamente, seguindo a mesma data, porém seis décadas depois, esses acontecimentos tão marcantes para a história do nosso país.

Quarta-feira - 26 de agosto de 1954

Durante toda a noite e madrugada a população de São Borja, cidade gaúcha na fronteira com a Argentina, foi se despedir de seu filho mais ilustre, o presidente da República Getúlio Vargas; a temperatura havia caído bastante, mas não foi motivo para que as filas, formadas em torno da prefeitura, diminuíssem.

Às 11:00 horas, após uma breve oração e a benção do padre da paróquia local, o caixão coberto com a bandeira do Brasil deixou o salão nobre do executivo de São Borja, em direção ao cemitério municipal, nos ombros de amigos e de correligionários. Mais uma vez a família dispensou as honras militares.

Uma multidão calculada em 40 mil pessoas acompanhou o corpo do grande presidente, cantando várias vezes, durante o trajeto, o Hino Nacional. Compareceram representantes oficiais de vários Estados e de municípios gaúchos. Por cessão do presidente Juan Domingo Perón, um avião do governo da Argentina trouxe o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Orlando Leite Ribeiro, que apresentou os pêsames à família enlutada.

À beira do túmulo, o deputado João Goulart, presidente do PTB, foi o primeiro a discursar. Começou lendo a "Carta Testamento" dirigida ao povo brasileiro e que lhe havia sido entregue por Getúlio Vargas após a última reunião ministerial, ainda na madrugada do suicídio. Seu juramento final ecoou dramaticamente no silêncio e tranquilidade do pequeno cemitério: "Ela há de ser também o hino do povo que recebe com lágrimas o sangue que deste por ele". Em prantos Jango abraçou o caixão do presidente. Após falou o deputado Ruy Ramos: "Getúlio, aqui estamos para empunhar a espada que legaste ao povo...". O ministro Osvaldo Aranha proferiu o mais inflamado e emocionado dos discursos. Com lágrimas nos olhos e de punhos cerrados iniciou sua oração: "Saímos juntos daqui e não voltamos juntos porque tu poupaste a minha vida. Juntos vivemos, juntos sonhamos. As tuas decisões foram sempre as melhores. Olhando para ti, estou olhando para o Brasil. O que será de nós neste transe que se abre? Nos te continuaremos na morte, mais fiéis do que na vida" (...) "Costuma-se dizer que para escrever a História do Brasil, é preciso molhar a pena no sangue. No futuro se dirá: quando se quiser escrever a História do Brasil, é preciso molhar a pena no teu coração, Getúlio".

As palavras do ministro da Justiça Tancredo Neves não foram menos candentes: "Minas aqui está a seu lado, presidente, como sempre esteve. Foi de Minas que partiu o primeiro tiro da Revolução que o conduziria ao poder. Foi em Minas, presidente, que o senhor recebeu a última e consagradora manifestação popular, quando há dias ali esteve, plantando mais uma usina, para a emancipação econômica do nosso país". (...) "A morte do sr. Getúlio Vargas separou o Brasil em dois grupos " de um lado os vendidos ao capital colonizador, que suga o sangue do povo; de outro lado aqueles que querem que o Brasil seja dominado por brasileiros". "Matou-te a plutocracia reacionária acumpliciada com alguns traidores. Diante de tua memória juramos que teu sacrifício não foi inútil. Não te faltaremos depois de morto". Finalizando disse: "A bandeira de Vargas é hoje a bandeira do que o nosso povo possui de melhor, mais puro, mais heróico".

Usaram a palavra ainda o governador do Estado do Rio Grande do Sul, Ernesto Dornelles: "Vargas será, através dos tempos, o líder do povo"; o representante do governador do Paraná, deputado federal do PTB Paraílio Borba, que falou: "A energia do Paraná está pronta para a luta". E Aníbal di Primio Beck, secretário de Estado Obras Públicas do Rio Grande do Sul e vice-presidente da Comissão Executiva Estadual Gaúcha do PTB afirmou: "Teu túmulo será o santuário dos trabalhistas".

Às 11h50 daquela fria manhã, ao som do Hino Nacional Brasileiro cantado por milhares de vozes emocionadas, o esquife do presidente Vargas desceu ao túmulo da família, construído em 1920, onde estavam sepultados seus pais dona Cândida Dornelles Vargas, falecida em 1936, e o general Manoel do Nascimento Vargas, morto em 1943.

As emissoras de rádio de Porto Alegre não puderam transmitir o sepultamento, em virtude dos acontecimentos verificados no dia 24 de agosto, quando diversos prédios foram depredados na capital gaúcha e a Companhia Telefônica foi obrigada a permanecer fechada por vários dias.

(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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