Especial Getúlio Vargas - Agosto de 1954: 60 anos de uma tragédia brasileira

Agonia e morte do presidente Getúlio Vargas
03/09/2014 13:59 | Antônio Sérgio Ribeiro

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Nelson Raimundo na Base Aérea do Galeão<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164943.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Alcino assina depoimento na Base Aérea do Galeão<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164944.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Gregório Fortunato<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164945.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> José Antônio Soares<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164946.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Climério Euribes de Almeida<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg164947.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Ao completar 60 anos dos fatos que culminaram com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, a Agência Assembleia publica, a partir de hoje, uma série de textos que relatam a sequência dos eventos que ocorreram naqueles negros dias de agosto e que enlutaram o Brasil. Tentaremos narrar cronologicamente, seguindo a mesma data, porém seis décadas depois, esses acontecimentos tão marcantes para a história do nosso país.

Agosto de 1954 - No banco dos réus

No processo investigatório, que envolveu a morte do major Rubens Florentino Vaz e o ferimento do jornalista Carlos Lacerda, houve várias nuances dignas de Sherlock Holmes ou Agatha Christie.

A caçada aos criminosos e, em consequência, as prisões efetuadas empolgaram o Brasil. Os noticiários de rádios e jornais deixavam em suspense aqueles que acompanhavam o desenrolar dos fatos.

A partir da prisão de Gregório Fortunato, ex-chefe da guarda pessoal do presidente Vargas, e da apreensão do seu arquivo, a situação agravou-se. Na realidade, encontrou-se um punhado de documentos sem importância, na sua grande maioria correspondências que continham saudações ou respostas a algum pedido para beneficiar ou mesmo ajudar algum apaniguado.

Instruídos pelos advogados, os envolvidos no crime da Tonelero, principalmente Gregório, começaram a apresentar vários nomes em seus depoimentos de possíveis mandantes, e estes sempre tinham imunidades ou alta patente. A intenção era complicar, ao máximo possível, o trabalho da Comissão do IPM. E, assim, o inquérito acabou tomando um novo rumo. No dia 21 de agosto de 1954, Gregório afirmou que "recebera do deputado federal Euvaldo Lodi, por intermédio de Roberto Alves, a proposta de bombardear Carlos Lacerda, mas que teria repelido tal plano. Não satisfeito, voltou posteriormente a propô-la, em termos violentos, no quarto do próprio Gregório, no Palácio do Catete".

Euvaldo Lodi era deputado federal pelo PSD-MG e presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJ). Sua acareação com Gregório e Roberto Alves contou com a presença do presidente em exercício da Câmara Federal, deputado José Augusto, que ouviu tudo. Lodi acabou acuado no depoimento, deixando transparecer que pudesse estar envolvido no incitamento ao crime.

Outro nome que acabou sendo implicado foi o do irmão de Getúlio, Benjamim Vargas. No IPM, foi incriminado por ter mentido para a comissão ao depor no Galeão e acusado de ter instigado os criminosos a "tomar providências para dar sumiço ao jornalista Carlos Lacerda".

Benjamim afirmou em seu depoimento que Gregório, ao voltar de Petrópolis, no dia 8 de agosto de 1954, a chamado do presidente Vargas, "havia lhe confessado que tinha arquitetado um plano para acabar com o sujeito (Carlos Lacerda)". Mas a comissão ficou sem entender o porquê do silêncio do irmão do então presidente, que guardou essa informação por quase duas semanas.

Foram aparecendo mais nomes no decorrer das averiguações, como o do deputado federal Danton Coelho, acusado de incitar o atentado. Mas como parlamentar, Danton, valendo-se da imunidade, recusou-se a prestar qualquer esclarecimento.

Finalmente, apareceram indícios envolvendo o general Ângelo Mendes de Morais, ex-prefeito do Distrito Federal e inimigo de Carlos Lacerda, que o tratava pelo seu jornal de "coxo de voz fina". Com o surgimento de uma patente superior, a comissão que cuidava do IPM foi obrigada, pela legislação militar brasileira, a encaminhar para o ministro da Aeronáutica todo o inquérito.

O julgamento

A promotoria instruiu o processo composto de 11 volumes e, finalmente, em 4 de outubro de 1956, teve início o julgamento de todos os envolvidos. O primeiro a ir a júri foi Alcino João do Nascimento, no 1º Tribunal do Júri, presidido pelo dr. Joaquim de Souza Netto, tendo como promotor Araújo Jorge, e na defesa, o advogado Humberto Teles. A viúva do major Rubens Florentino Vaz contratou o advogado Hugo Baldassarini, e Carlos Lacerda, o deputado Aduacto Lucio Cardoso, que auxiliaram na promotoria.

O corpo de jurados foi composto só de homens, pertencentes a vários segmentos: advogados, médicos, comerciantes e funcionários públicos. Após 17 horas de debates, Alcino foi condenado a 33 anos de prisão, sendo 19 pela morte do major Vaz, 12 pela tentativa de homicídio de Carlos Lacerda e 2 por lesões corporais contra o guarda municipal Sálvio Romeiro. Em 1976, Alcino foi libertado, depois de cumprir 21 anos e 8 meses de prisão.

No dia 8 de outubro, foi a vez de Climério enfrentar o júri. O julgamento começou às 9h e terminou às 23h30. O criminalista José Valadão foi o seu advogado. O réu foi também apenado, em conformidade com o que se deu com Alcino. Na prisão, em uma briga de presos, Climério recebeu uma estocada. Ferido, permaneceu durante anos internado no hospital Souza Aguiar, onde veio a falecer em 1975.

Gregório Fortunato foi o terceiro a ir a julgamento, em 11 de outubro de 1956. Dois advogados foram contratados para defendê-lo, os criminalistas Araújo Lima e Romeiro. Milhares de pessoas compareceram em frente ao Tribunal, no centro do Rio de Janeiro, para ver o Anjo Negro descer da viatura e entrar no prédio da Justiça.

A curiosidade foi enorme, o procurador da Justiça Victor Nunes Leal (futuro ministro-chefe da Casa Civil do presidente Juscelino Kubitschek e ministro do STF), desembargadores, juízes, promotores, advogados, funcionários da Justiça se acotovelavam na sala do júri para assistir ao histórico julgamento.

Após quase 20 horas de debates, Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos de prisão, sendo 11 anos pela morte do major, 12 pelo atentado a Lacerda e 2 pelos ferimentos no guarda Sálvio. Após ouvir a sentença do juiz Souza Netto, Gregório sorriu. Cumpria sua pena na Penitenciária Lemos Brito, no Rio de Janeiro, quando em 1962 foi assassinado por uma estocada de outro preso.

Ainda preso na Base Aérea do Galeão, Gregório Fortunato foi visitado pelo major Hernani Fittipaldi, e teria dito: "Major, o senhor não acha que eu ia fazer essa burrada?" Falou ainda que estava seguindo os passos de Carlos Lacerda há algum tempo e que teria descoberto que o jornalista era amante da mulher de um deputado. O plano era montar um crime passional no local do encontro do casal na Gávea Pequena.

Nelson Raimundo sentou no banco dos réus em 15 de outubro, como o motorista que conduziu o assassino até Copacabana. O advogado que defendeu Nelson foi o renomado jurista Evaristo de Morais. O motorista foi condenado a 11 anos de reclusão, 6 anos pela morte de Vaz, 4 anos por tentativa de assassinato de Lacerda e um pelos ferimentos ao vigilante. Depois de cumprir quase 7 anos de cadeia, saiu em condicional. Faleceu vítima de câncer no pulmão, em 1979, sem entender como se meteu na história da Tonelero.

No dia 18 de outubro, foi a vez de José Antonio Soares. Depois de horas de julgamento e apesar de estar em São Paulo quando ocorreu crime, o corpo do júri decidiu condená-lo a 26 anos de prisão, sendo 12 pela morte de Rubens Vaz, 12 pela tentativa contra Lacerda e 2 anos pelas lesões no guarda Romeiro. Saiu da prisão em 1975 e mudou-se para o interior de Minas Gerais.

Em 22 de outubro, foi a júri o último implicado no caso do "crime da rua Tonelero", o ex-secretário da Guarda do Palácio do Catete, João Valente de Souza. No seu indiciamento não ficou comprovada sua participação efetiva no crime e, assim, foi acusado apenas de favorecimento pessoal. Ele havia sido processado duas vezes, uma por jogar no "bicho" e a outra por tomar dinheiro dos "bicheiros". Ao final do julgamento, foi condenado a 2 meses de detenção e a pagar 200 cruzeiros de multa, a sua pena ficou suspensa durante 2 anos por livramento condicional. Assim, pôde sair do tribunal em liberdade.

50 anos depois

Quando se completou 50 anos do crime da Tonelero, em 2004, Alcino João do Nascimento, então com 82 anos, morava na Baixada Fluminense e gozava de boa saúde e excelente memória. Em entrevista para a Rede Globo, reafirmou o que havia escrito em seu livro de memórias, editado em 1978. Contou que foi contratado para vigiar Carlos Lacerda e assim o fez. Começou a segui-lo de longe desde o momento em que se dirigia para a palestra no Externato São José, na Tijuca. Quando chegaram a Copacabana, Climério pediu que fosse confirmar se a pessoa que estava com o diretor da Tribuna de Imprensa era a mesma que o acompanhava no colégio. Como não enxergou, por estar longe, foi para trás de um automóvel Simca (na realidade um Singer, de fabricação inglesa). Enquanto verificava a placa traseira do carro, foi surpreendido por uma forte chave de braço, tentou desvencilhar-se, mas não conseguiu. Nesse momento foram disparados vários tiros em sua direção. Com sorte, conseguiu afastar o homem que o segurava e deu-lhe um empurrão. Sacou seu revólver, disparou dois tiros e fugiu após tiroteio com o vigilante Sálvio Romeiro.

Apesar de tantos anos passados, Alcino não tinha dúvida: quem acertou o primeiro tiro no major Rubens Florentino Vaz foi Carlos Lacerda. E para completar a cena do crime, o jornalista deu um tiro no próprio pé, para se tornar vítima.

A confissão não é fantasiosa. Desde 1954, muitas dúvidas ainda perduram. Se Lacerda foi ferido por um tiro, como puderam engessar seu pé, em vez de terem somente feito os curativos costumeiros para um ferimento à bala? Por que Lacerda se negou a entregar seu revólver ao delegado Jorge Pastor, para que a polícia técnica fizesse o exame balístico? Se Alcino, que portava uma pistola calibre 45, tivesse de fato acertado o tiro no pé de Carlos Lacerda, este não teria perdido o membro em virtude do violento impacto?

Seis décadas depois, as dúvidas ainda perduram, mas o certo é que o tiro da Tonelero acertou o coração do povo brasileiro.

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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