Para professores, golpe militar interrompeu gestão democrática na USP e abriu espaço às fundações

A ditadura despertou jovens estudantes e professores para a vida política, avaliam especialistas
11/09/2014 17:06 | Da Redação Fotos: Roberto Navarro

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Palestra do geólogo Ciro Teixeira Correia, professor do Instituto de Geociências e presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp). <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165034.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião desta quinta-feira, 11/9 da Comissão estadual da Verdade "Rubens Paiva"<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165035.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Socióloga Maria Caramez Carlotto, formada pela USP em 2005 e atualmente pesquisadora do Centro de Altos Estudos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165036.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ciro Teixeira Correia, geólogo <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165037.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião desta quinta-feira, 11/9 da Comissão estadual da Verdade <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165038.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adriano Diogo e Ciro Teixeira Correia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165039.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Paulo Arantes e Franklin Leopoldo <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165040.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Painel da tarde desta quinta-feira, 11/9 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165041.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Painel de trabalhos da tarde<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165062.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Em seu segundo dia, a audiência pública O Legado da Ditadura na USP " Repressão e Estrutura, Ontem e Hoje deu prosseguimento ao debate a respeito dos reflexos do golpe militar sobre a mais importante instituição de ensino do país. O evento é promovido pela Comissão estadual da Verdade Rubens Paiva, que tem como presidente o deputado Adriano Diogo (PT).

Um dos convidados para o debate desta quinta-feira, 11/9, foi o geólogo Ciro Teixeira Correia, professor do Instituto de Geociências e presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp). Ele definiu como um "antilegado" da ditadura militar o papel hoje exercido por fundações privadas que, criadas com o propósito de atuar como entidades de apoio à universidade, "aproveitam-se da estrutura pública e mantêm uma atuação predatória e oportunista", com a finalidade de obter recursos em proveito próprio e de seus membros.

Correia citou trecho de publicação ainda inédita que mostra que as primeiras fundações a atuarem na USP datam, por exemplo, de 1967 (Fundação Vanzolini) e 1974 (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, a Fipecafi). Ele apresentou ainda dados de uma pesquisa pioneira feita pela revista da Adusp no início desta década. Os números mostram, por exemplo, que em 1998 o orçamento da Faculdade de Economia e Administração era de cerca de R$ 20,5 milhões, enquanto os recursos captados por fundações ligadas à FEA chegavam a R$ 134 milhões. "Isso mostra a dimensão do interesse econômico que está em jogo", afirmou.

"É falsa a ideia de que as fundações captavam recursos para manter a universidade. Os convênios [que elas celebram] são fundamentalmente com órgãos do setor público, recebendo recursos que os cofres públicos deveriam destinar às universidades", completou Correia.

Enfraquecimento dos órgãos colegiados

A socióloga Maria Caramez Carlotto, formada pela USP em 2005 e atualmente pesquisadora do Centro de Altos Estudos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), fez uma rápida exposição de sua tese de doutorado, que trata do legado institucional que a ditadura deixou na USP, sobretudo no estatuto universitário e na formação de quadros.

Carlotto apresentou um painel das movimentações pela reforma universitária em 1968, articuladas simultaneamente no âmbito da comunidade universitária e por um grupo de trabalho constituído no governo do presidente Costa e Silva. A segunda, que resultou em lei aprovada em novembro de 1968, foi na direção de um enfraquecimento dos órgãos colegiados e na imposição de um modelo de gestão empresarial, avaliou a professora.

"Ela juntou a visão dos chamados economistas da educação à dos militares. Era uma proposta que defendia que a universidade precisava ser eficiente e atuar a partir de uma cadeia de comando explícita", avaliou Carlotto. Esse modelo seria aquele vigente ainda hoje na USP, com o reitor concentrando uma enorme parcela de poder, completou.

Quando o Conselho Universitário da USP completou, em abril de 1969, sua proposta de reforma, que ia nos limites da lei aprovada no ano anterior e criava, por exemplo, uma instância consultiva paritária, veio o que Carlotto definiu como "golpe": o então novo reitor da USP, Alfredo Buzaid, determinou que a proposta fosse submetida ao Conselho Federal de Educação. Ali, todas as medidas no sentido de uma gestão democrática seriam derrubadas.

Gestão privatista

"A USP nunca foi democrática. Houve algumas tentativas excepcionais para se ter um modelo de decisões ampliadas, que se frustraram", corroborou Franklin Leopoldo e Silva, professor aposentado da Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

Quanto à atuação das fundações, ele observou serem estas uma prova de que não foi preciso privatizar a universidade para que ela tivesse uma gestão privatista. "A consequência imediata é que as decisões acadêmicas são tomadas de modo administrativo, interferindo no ensino e na pesquisa", afirmou. Isso diminui, segundo ele, o papel de discussão dos órgãos colegiados e esvazia as decisões de conteúdo político-acadêmico.

O último convidado presente, o filósofo Paulo Arantes, destacou em seu depoimento o que ele chamou de efeito paradoxal da ditadura sobre a Faculdade de Filosofia da USP, da qual é professor aposentado. Segundo ele, no período imediatamente anterior ao golpe de 1964, a instituição se julgava, em relação aos outros centros de educação superior do Brasil, detentora de maior competência e eficiência, e se encontrava fora do contexto da vida política do país. "A ditadura, paradoxalmente, despertou jovens estudantes e professores assistentes para a vida política. A Faculdade de Filosofia nunca foi tão inteligente coletivamente como naquele período".

Ao final da sessão, Adriano Diogo anunciou uma singela homenagem a Salvador Allende, presidente socialista do Chile que, há exatos 41 anos, em 11 de setembro de 1973, foi destituído do poder por um golpe que deu início à ditadura militar que perdurou até 1990 naquele país.

alesp