Crusp e batalha da Maria Antonia são temas da Comissão da Verdade

Mais uma vez o regimento interno da USP, da época da ditadura, é criticado
12/09/2014 15:26 | Da Redação: Monica Ferrero - Foto: José Antonio Teixeira

Compartilhar:

Adriano Diogo, à mesa, preside audiência promovida pela  Comissão da Verdade Rubens Paiva<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165083.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Estudantes e docentes da USP, na época da ditadura, formam mesa que coordenou os trabalhos da audiência<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165084.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Depoimentos relembraram a invasão da USP na rua Maria Antonia, no centro da capital paulista<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165085.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Na tarde de 11/9, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva realizou a parte final da audiência pública O legado da ditadura na USP - repressão e estrutura, ontem e hoje. Para falar do tema, compuseram a mesa Antonio Carlos Cesarino, Renato Tapajós, Antonio Carlos Lobão da Silveira Cunha, Artur Machado Scavone, João Zanetic e Bárbara Grayce Guimarães.

O Conjunto Residencial da USP (Crusp), foi construído para abrigar atletas dos Jogos Panamericanos de 1963, contou Antonio Carlos Lobão da Silveira Cunha. Depois do evento, foi ocupado por estudantes em luta por moradia. Passou a ser, com a ditadura, um polo de resistência política e de experiências culturais.

Após a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, houve invasão pela polícia. Silveira Cunha falou que os materiais apreendidos, que incluíam facas de cozinha e o livro Resistência de Materiais, foram expostos no saguão do jornal Diários Associados como "material subversivo". A exposição acabou sendo explodida pela resistência.

Maria Antonia

O prédio da Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) localizado na rua Maria Antônia, no centro da capital, era a "usina de força do movimento estudantil de São Paulo", declarou Renato Tapajós, que era calouro de Ciências Sociais em 1964. Até 1968, o local era "um oásis de liberdade", onde havia debates políticos entre todas as correntes políticas. Mas, do outro lado da rua, estava o Mackenzie, cuja reitoria era conivente com a presença no campus de membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

As provocações eram diárias, continuou Tapajós, e os estudantes da USP receavam nova invasão como a de 1964, quando o grêmio foi destruído, daí ser mantido um piquete de vigilância. No dia 2/10/1968, quando começou o ataque ao prédio, estavam no piquete um grupo de estudantes secundaristas. O resultado foi a invasão e incêndio do prédio da FFLCH e, principalmente, a morte do secundarista José Guimarães, seguida de "uma passeata furiosa" pelo centro da cidade.

Na visão de Tapajós, a Batalha da Maria Antonia foi o auge do movimento estudantil. Os cursos da Faculdade de Filosofia (14 à época) foram realocados para a Cidade Universitária, ainda que alguns em caráter precário. Oito dias depois, o congresso da UNE realizado em Ibiúna acabou com praticamente todos os participantes presos, o que levou as lideranças estudantis a partir, em 1969, para a clandestinidade e para a luta armada.

Tapajós realizou um documentário sobre a época: A batalha da Maria Antonia - o confronto que marcou para sempre, em fase de finalização, cujo trailer está em youtu.be/_B_YEJKfoiM.

Juquery

Antonio Carlos Cesarino falou do clima na Medicina da USP, e falou sobre a prática da repressão levar médicos para atender torturados. Respondendo a perguntas do presidente da Comissão da Verdade, deputado Adriano Diogo (PT), falou sobre o Hospital Psiquiátrico do Juquery, em Franco da Rocha.

Criado em 1895 para abrigar imigrantes com problemas mentais, o Juquery chegou a ter 20 mil internados, que não recebiam tratamento, que não existia à época, e que divididos em fazendas. Havia um cemitério no local, sobre o qual não há informações. Na época da ditadura, foram para lá enviadas "pessoas cuja única loucura era ser subversivas", que foram internadas no Manicômio Judiciário, que era um verdadeiro inferno, disse Cesarino.

Inexperiência democrática

Uma característica da sociedade brasileira na época do golpe militar era a inexperiência democrática, disse João Zanetic. "Embora tenhamos hoje atos da democracia, como eleições, no cotidiano ainda vivemos numa democradura", falou. Zanetic falou sobre as origens e a atuação da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), no contexto da morte, em 1975, de morte de Vladimir Herzog, jornalista e professor da USP.

"O mundo estava desabando em 1968", lembrou Artur Machado Scavone ao citar as movimentações estudantis no mundo todo e no Brasil. Calouro na USP em 1970, ele contou que a ditadura era onipresente na USP, pois, além de estar na reitoria, era uma presença física, pois era comum passarem jipes do Exército pelas ruas do campus. Scavone lamentou que hoje as universidades deixaram de ser "espaço de discussão, liberdade, questionamento e dúvida. Essa é a marca mais desgraçada que a ditadura legou, conseguiram matar os sonhos, as pessoas estão enquadradas".

Código da ditadura

Representante do DCE da USP, Bárbara Grayce Guimarães, aluna de Letras e moradora do Crusp, citou as expulsões de estudantes ocorridas recentemente por conta do regimento antigo da universidade. Falou dos ataques ao caráter público e gratuito da USP.

Em depoimento em vídeo, Gilberto Bercovici fez uma análise da estrutura administrativa e de poder da USP durante a ditadura, lembrando que ela ainda é a mesma, incluindo seu código disciplinar, que foi elaborado no auge da ditadura. Destacou a pouco democrática estrutura, cujos cargos de direção são considerados prêmios para a carreira, e a eleição se dá em colegiados, sem ouvir a comunidade. Ele defendeu a revisão da estrutura da USP: "A sociedade precisa repensar a universidade que quer", disse.

Coordenador da Comissão da Verdade, Ivan Seixas disse que, embora o trabalho das comissões da verdade se encerrem em dezembro deste ano, deverão ser constituídos grupos para acompanhamento, para que as recomendações dos relatórios sejam executadas.

alesp