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Comissão da Verdade destaca importância de pesquisas arqueológicas

Estudos em prédios como o que abrigou o DOI-Codi devem reforçar preservação da "memória do horror"
29/09/2014 18:08 | Da Redação: Keiko Bailone Fotos: Maurício Garcia de Souza e Roberto Navarro

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Juliana Poloni, Pedro Funari, Adriano Diogo, Inês Prado Soares e Deborah Neves<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165222.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Inês Prado Soares e Deborah Neves<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165223.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Acompanham os trabalhos <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165224.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presentes no evento <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165225.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Inês Prado Soares <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165226.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Publicação <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165227.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Pedro Funari<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165228.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Juliana Poloni<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2014/fg165229.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A partir de movimentos civis que surgiram após a 2ª Guerra Mundial, a arqueologia mudou de disciplina conservadora para uma ciência fundamental para se resgatar fatos ocorridos em períodos obscuros da história de um país, disse Pedro Paulo Funari, mestre em antropologia social e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepan) da Unicamp.

Doutor em arqueologia pela USP e livre-docente em história, Funari participou da 144ª audiência pública promovida pela Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva nesta sexta-feira, 26/9, sob a presidência do deputado Adriano Diogo (PT). O tema da reunião foi "Arqueologia da Repressão e da Resistência: sua importância para revelação da verdade sobre as graves violações de direitos humanos na ditadura brasileira".

Funari citou como movimentos civis que influenciaram a arqueologia aqueles com participação de grupos majoritários ou minoritários, com grande repercussão nas ciências em geral, como o que apregoava o direito ao voto da mulher, ou o da independência da Índia, sob domínio dos ingleses até 1947, ou o da libertação de Argélia, na década de 1960. No Brasil, a renovação da arqueologia surgiu a partir da década de 1980, quando voltou a ser pensada sob uma ótica humanista, pregada anteriormente por Paulo Duarte - cofundador da USP, cassado em 1969.

Ao relatar a história da arqueologia, Funari explicou que essa ciência sofre intervenções porque depende de verbas e também da autorização do Estado para realizar pesquisas. Esses dois fatores agregados positivamente possibilitaram o surgimento em 1984, logo após o fim da ditadura, da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF).

O trabalho da EAAF, frisou Funari, deu à arqueologia latino-americana proeminência no que se refere a pesquisas sobre pessoas desaparecidas na época da ditadura militar e sobre os edifícios de repressão ou de resistência.

Ele observou que o Brasil preferiu seguir o modelo espanhol, que optava por uma "política de esquecimento". Contou que Paulo Duarte e outros professores cassados nunca tiveram o devido reconhecimento, tanto que, quando Duarte morreu, em 1984, seus documentos encontravam-se na Unicamp. "O reitor da USP, na época, não queria que identificassem Paulo Duarte como sendo da Universidade de São Paulo".

Arqueologia produz história

Pós-doutoranda do Núcleo de Pesquisas e Estudos Ambientais da Unicamp, Juliana Poloni estuda temas relacionados a governos ditatoriais. Explicou que seu grupo se dedica a descobrir quais eram as táticas de repressão ou de resistência, os espaços que usavam, quem eram os personagens, o que era produzido. Ao definir arqueologia como a ciência que traz o vestígio da materialidade do passado para o presente, acentuou que "conseguimos dar voz a presos políticos que não nos deixaram relatos, apenas grafites ou manuscritos nas paredes das celas; podemos descobrir o que faziam, como pensavam".

Juliana citou como exemplo da forma como a arqueologia tem contribuído para a temática da busca por desaparecidos políticos e pelo direito à verdade o trabalho desenvolvido por Andrés Zarankin, no Club Atlético de Buenos Aires, que serviu como centro clandestino de detenção e tortura. "A partir de depoimentos, reconstituiu-se a planta de um prédio que já não existia e até o espaço físico de tortura".

Exemplo da Alemanha

A historiadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico da Secretaria Estadual de Cultura/Condephaat, especialista em gestão do patrimônio cultural e mestre em história social pela USP, Deborah Neves, disse que quatro lições da Alemanha têm de ser aprendidas para preservar a memória: as iniciativas surgidas da sociedade civil e só depois apoiadas pelo Estado; os processos judiciais que produziram enorme impacto junto ao público; novos movimentos sociais e mudanças de valores que aguçaram olhares para entender as atrocidades do passado; e a importância da educação para se preservar a memória e cultivá-la de modo criativo.

Para exemplificar sua fala, citou a descoberta, após 60 anos, dos restos da câmara de gás de Sorbibor, no sudeste da Polônia. Após essa observação, Deborah Neves mostrou que exatamente o contrário tem ocorrido na cidade de São Paulo: "a Casa de Detenção do Carandiru, palco de fatos terríveis no passado, hoje é o Parque da Juventude e não há uma placa relatando o que ocorreu naquele lugar; o presídio Tiradentes, primeira prisão construída em São Paulo, em 1852, foi totalmente demolido para a construção da estação Tiradentes do metrô, em 1973, dele restando apenas o arco".

Após essa explanação, Deborah Neves fez comparação entre dois prédios tombados pelo Condephaat, o Departamento de Ordem Política e Social (Deops) e o Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Contou que, antes da transformação do prédio do Deops em Memorial da Resistência, "existiam marcas do passado, mas os vestígios se perderam porque as autoridades procuraram eliminar lembranças da repressão". Segundo Neves, esse prédio estava tombado desde 1999, portanto as celas deveriam ter sido mantidas conforme o original, mas isso não ocorreu.

A lição serviu para o tomba­mento do conjunto do DOI-Codi. Neves contou que fizeram investigações, fotos aéreas, colheram testemunhos e foram ao local para verificar as salas onde as pessoas eram torturadas, as celas onde ficavam os presos, a enfermaria, os setores de rádio e de Inteligência. "Assim, o prédio considerado coração do DOI-Codi foi preservado", afirmou.

Direito à verdade

O suporte jurídico é o direito à verdade, declarou a procuradora regional da República Inês Virgínia Prado Soares, ao manifestar-se sobre as obrigações do Estado na realização de pesquisas arqueológicas em locais de tortura. Segundo ela, estudos sobre o DOI-Codi são peças determinantes para que o Estado discuta sua concepção museológica. "Mas a vontade política nem sempre conduz a um o caminho tão simples."

Na observação de Inês Soares, que também é colíder do Grupo de Pesquisa Arqueológica da Resistência da CNPq/Unicamp, o tombamento do DOI-Codi é bem emblemático porque mostra o amadurecimento da democracia brasileira. Entretanto, lembrou, não existe "tombamento de uso", ou seja esse prédio não irá se transformar obrigatoriamente em memorial. "Mas pesquisas arqueológicas podem tornar quase que irreversível a destinação desse prédio em um memorial. Daí a importância de se discutir isso agora", destacou, enfatizando que ações complementares viriam reforçar a proteção aos bens culturais de direitos humanos e de "memória do horror".

alesp