A retomada da democracia e as novas constituições

25 anos da constituição paulista
20/10/2014 18:12 | Antônio Sérgio Ribeiro*

Compartilhar:

A Constituinte federal na visão do cartunista e jornalista Henfil, um dos mais ardorosos defensores das liberdades democráticas e o primeiro a chamar o movimento pelas eleições diretas para presidente de Diretas Já.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165492.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Diretas Já <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165493.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Os militares que tomaram o poder do país através de um golpe em abril de 1964, derrubando o governo constitucional do presidente João Goulart, estavam completamente desmoralizados e suas ideias ultrapassadas e esgotadas, depois de 20 anos de um regime autoritário, que cassou, prendeu, exilou, matou centenas de milhares de cidadãos, e cerceou as liberdades democráticas do povo brasileiro.

No ano de 1984, o Brasil almejava uma democracia, com eleições diretas, e principalmente uma Constituinte, para que todo o lixo autoritário fosse banido das normas legais do Brasil. Uma primeira manifestação pró-diretas havia sido realizada na Praça Charles Miller, em frente ao estádio municipal do Pacaembu, na capital paulista, no dia 27 de novembro de 1983, reunindo 10 mil participantes.

O povo brasileiro, após 20 anos, havia escolhido através de eleições diretas em 15 de novembro de 1982, seus governadores. Em São Paulo o escolhido foi André Franco Montoro, que desde 15 de março de 1983, dirigia os destinos do Estado Bandeirante, e com seu imprescindível apoio, em 25 de janeiro de 1984, aniversário da capital paulista, foi realizado na Praça da Sé com a presença de mais de 300 mil pessoas um monstruoso comício pedindo o voto direto para o cargo de presidente da república. Essa manifestação há muitos anos não se via não só em São Paulo, mas como em todo o país.

Estava marcada para janeiro de 1985 a escolha pelo voto indireto, através de um espúrio colégio eleitoral, do novo presidente da república, que sucederia o general presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, filho de um dos comandantes militares da heroica Revolução Constitucionalista de 1932, o então coronel Euclides Figueiredo. Ao contrário de seu pai, que foi deputado federal pelo Distrito Federal, o presidente Figueiredo não tinha nenhuma aptidão pelo cargo que ocupava, chegando a dizer que "preferia o cheiro de cavalo ao do povo...". Como bom cavalariano que era.

A manifestação na Sé, como um rastilho de pólvora, percorreu todos os rincões do país, a população cansada de ser governada por aqueles que não haviam escolhido, foi às ruas exigindo em só brado: Diretas Já!

O deputado federal do PMDB do Mato Grosso, Dante de Oliveira, havia apresentado uma emenda constitucional na qual era estipulado que o povo brasileiro votaria diretamente para presidente, que seria escolhido para o próximo mandato. Mas apesar de todo apoio recebido nas ruas, e ter recebido 298 votos no Congresso Nacional na sessão realizada em 25 de abril de 1984, essa emenda, para desapontamento da população brasileira, não seria aprovada, pela ausência de 22 parlamentares da base do governo que deveriam votá-la. E assim, por falta de quórum, a emenda foi rejeitada e arquivada. A mudança tão ansiosamente esperada pelo povo brasileiro foi adiada por mais alguns anos.

Com essa frustação, a oposição resolveu dar o seu apoio ao nome do ex-deputado, ex-ministro da Justiça de Getúlio Vargas, antigo primeiro ministro do Gabinete Parlamentarista, ex-senador, e então governador de Minas Gerais. Tancredo de Almeida Neves, do PMDB. Alguns integrantes do partido governista o PDS, - oriundos da antiga ARENA, agremiação politica criada pelo governo militar em 1965 para dar sustentação aos donos do poder no Congresso Nacional -, encabeçados pelo então presidente da legenda senador José Sarney, não concordaram em dar o seu apoio ao nome de Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, que se lançou candidato governamental, apesar de não ter o apoio nem do próprio presidente Figueiredo e de grande parte dos governistas, e bandearam de mala e cuia, para as hostes oposicionistas. Sarney acabou sendo indicado para a chapa de Tancredo, como candidato a vice-presidente, após se filiar ao PMDB.

Em 15 de janeiro de 1985, quase um ano após o memorável comício pelas diretas na Praça da Sé em São Paulo, Tancredo foi eleito pelo colégio eleitoral por 480 votos, derrotando Maluf, que obteve apenas 180 sufrágios. Mas o trágico destino reservaria mais uma vez uma decepção e uma das maiores tristezas que o povo brasileiro viveu em sua história. Na véspera de sua posse, em 14 de março de 1985, a nação foi sobressaltada com a notícia do internamento do presidente eleito no hospital de Base de Brasília, vitimado por uma diverticulite. Na manhã do dia 15, José Sarney assumiu como vice-presidente, e assim automaticamente passou a exercer o cargo de presidente da república em exercício.

A saúde de Tancredo Neves se agravou, e ele por foi transportado no Boeing presidencial para São Paulo, permanecendo internado no Instituto do Coração, mas não obteve melhoras. Na noite de 21 de abril de 1985, feriado nacional em homenagem a outro mineiro, o herói da liberdade Tiradentes, veio a falecer, deixando a nação brasileira em choque.

Em 28 de junho de 1985, Sarney, efetivado como presidente da república, encaminhou ao Congresso Nacional uma Emenda Constitucional que receberia o número 26, quando de sua aprovação em 23 de outubro, seguinte. Essa emenda determinava, em seu artigo 1º, que os membros das duas casas do Congresso Nacional - o Senado Federal e a Câmara dos Deputados - iniciassem em 1º de fevereiro de 1987, à elaboração da nova Constituição do Brasil.

Estavam marcadas para 15 de novembro de 1986, as eleições para o Legislativo federal e estadual, e para governadores. Com base na Emenda 26, os deputados e senadores eleitos nesse pleito teriam função constituinte, e elaborariam uma nova Carta Magna para o Brasil. Com a instalação de uma nova legislatura, no primeiro dia de fevereiro de 1987, Câmara e Senado passaram a ter poderes constituintes, e seus integrantes passaram a discutir todos os pontos de uma nova Constituição brasileira. Coube ao presidente da Câmara, o deputado paulista Ulysses Guimarães, também a presidência da Assembleia Constituinte. Finalmente, em 5 de outubro de 1988, após vinte meses de exaustivos trabalhos, a nova Constituição do Brasil, foi solenemente promulgada.

A Assembleia Constituinte Paulista

Com a nova Constituição Federal, através do artigo 11, inserido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi atribuído às Assembleias Legislativas dos Estados o exercício do Poder Constituinte decorrente:

"Art. 11. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta."

No pleito realizado em 15 de novembro de 1986, foram eleitos à Assembleia paulista para período de 1987-1991, 84 deputados (para a legislatura seguinte esse número foi elevado para 94), filiados em dez partidos políticos, que tinham também poderes legislativos ordinários, mas a grande tarefa era elaborar a Constituição estadual.

Eleita a nova Mesa diretora da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para o primeiro biênio da 11ª Legislatura, iniciada em 15 de março de 1987, sob a presidência do deputado Luiz Máximo, do PMDB, foi instituído pelo Ato nº 1.060 de dia 13 do abril seguinte, o Grupo de Trabalho Pró-Constituinte com a finalidade de acompanhar o andamento dos trabalhos da Constituinte em Brasília, estudar e propor medidas para dotar o Legislativo paulista de meios para a realização das tarefas constituintes, solicitar e receber sugestão de dispositivos constitucionais, tanto para o texto federal como para o estadual, de deputados, das câmaras e prefeituras municipais de São Paulo, universidades públicas ou particulares, entidades representativas de empregados, empregadores, trabalhadores autônomos, servidores públicos ou quaisquer outros segmentos da sociedade civil. Seu primeiro estudo resultou num documento que orientou o início dos trabalhos constituintes na maioria das Assembleias Legislativas brasileiras. Três dias depois, Luiz Máximo nomeou os deputados para comporem o Grupo de Trabalho, de acordo com as indicações das bancadas dos partidos.

Uma lei aprovada na Alesp, que receberia o número 5.655, de 30 de abril de 1987, criou o Mês de Estudos e Debates sobre a Constituinte. Ainda em 1987, no dia 13 de novembro, uma resolução aprovada no Plenário pelos deputados constituintes destinou 30 minutos do tempo do Grande Expediente das sessões de terça, quarta e quinta-feira para temas de natureza constitucional, vigorando até a promulgação da nova Constituição Federal.

Ainda, durante as sessões legislativas presididas por Luiz Máximo, no biênio 1987 e 1989, várias normas legais foram aprovadas para o bom andamento dos trabalhos da Constituinte. Em 9 de fevereiro de 1988, foi publicado no Diário Oficial do Legislativo o parecer do Grupo de Assessoria ao Grupo de Trabalho Pró-Constituinte, sobre as emendas apresentadas ao anteprojeto de resolução de regimento interno para a Alesp com poderes constituintes. Ainda em 1988, no dia 18 de outubro, foi em Sessão Solene instalada a Assembleia Estadual Constituinte de São Paulo.

Dez dias depois foram publicados os relatórios dos subgrupos encarregados de elaborar o anteprojeto de Constituição Estadual. Seria publicado no dia 1º de dezembro, o Ato de convocação para que a Alesp funcionasse no período extraordinário, a partir de 16 de janeiro até 28 de fevereiro de 1989, para realizar os trabalhos constituintes de elaboração de novo texto constitucional para o Estado, que lhe compete por força do artigo 11 do Ato das Disposições Transitórios da Constituição Federal. E a 7 de dezembro, foi realizada a Reunião para a entrega dos relatórios dos subgrupos do Grupo de Trabalho Pró-Constituinte.

Ainda em dezembro, em 14, foi iniciada a sistematização dos relatórios elaborados pelos oito subgrupos de trabalho, do Grupo de Trabalho Pró-Constituinte, sob a presidência do deputado Barros Munhoz. Nos dias 15 e 17 foram publicados os relatórios sistematizados dos subgrupos do Grupo de Trabalho Pró-Constituinte, e o relatório do subgrupo de Finanças e Orçamento, respectivamente.

Na Sessão de 16 de janeiro de 1989, a Mesa Diretora da Assembleia apresentou o Projeto de Resolução 1/1989, estabelecendo normas regimentais de organização e funcionamento do Poder Constituinte do Estado. Em 23 de fevereiro foi publicado no Diário Oficial o Parecer 3 da Mesa, relativo a esse importante projeto de resolução, e em 3 de março, foi publicado outro parecer, o de número 7, também da Mesa Diretora da Alesp, relativo as emendas e os substitutivos oferecidos ao PR 1/1989.

Durante os trabalhos da Constituinte foram apresentadas 4.683 emendas ao anteprojeto e 2.919 ao projeto de Constituição Estadual por deputados constituintes, organizações sindicais, entidades de classe, prefeituras, câmaras municipais e tribunais. A apresentação de emendas ao projeto de Constituição subscritas por eleitores, as chamadas "emendas populares", teve grande significado democrático. A apreciação dessas iniciativas refletiu o compromisso político com expressões de conjuntos da população que exprimiram reivindicações e aspirações de importantes segmentos da sociedade. A Alesp se tornou um grande foro de debates e interação com a população paulista, cumprindo o requisito democrático de que "todo poder emana do povo e em seu nome é exercido", tão bem lembrada pelo eminente advogado Heráclito Sobral Pinto, quando do Comício das Diretas realizado na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro.

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

alesp