Repressão a povos indígenas é tema da Comissão da Verdade

Indígenas sofreram repressão durante regime militar
23/10/2014 20:36 | Da Redação: Monica Ferrero Fotos: José Antonio Teixeira

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Danilo Marcelli, Marcelo Zelic, Adriano Diogo, Benedito Prezia e Luiz Canê Minguê  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165585.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Luiz Canê Minguê<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165586.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> .....<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165587.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Pádua Fernandes, pesquisador da Comissão da Verdade<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165588.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Representantes da tribo Guaraní <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165589.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> .....<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165590.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Marcelo Zelic  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165591.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Representantes da tribo Guaraní<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-10-2014/fg165592.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), em parceria com o SOS Racismo, realizou, nesta quinta-feira, 23/10, audiência pública sobre as violações dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais desde a ditadura militar. Nova audiência sob o tema acontecerá, no próximo dia 3/11, às 14h, em conjunto com a Comissão Nacional da Verdade.

"O genocídio de nosso povo é evidente", disse Timóteo Verá Popyguá, cacique da aldeia Eldorado, na cidade de mesmo nome, e coordenador nacional da Comissão Nacional de Terra Guarani Yvy Rupa. Antes os guaranis ocupavam grandes áreas, e agora estão reduzidos, confinados em pequenas áreas. "Sofreram com assassinatos, torturas e com as políticas dos governos e suas instituições", lembrou.

Essa violência, continuou o cacique Timóteo, além de suas terras ameaça sua cultura. Para ele, "a reparação é para as crianças, para o futuro, mediante concessão de terras, pois dinheiro não tem valor para nossa cultura. Queremos respeito dos poderes públicos, como diz a lei. Queremos espaço para viver dignamente". Ele disse ainda que "a PEC 215, em tramitação, é um tapa na cara dos índios e da sociedade". A proposta afeta a demarcação das terras indígenas.

Condenação internacional

A jornalista Memélia Moreira, residente nos EUA, participou da audiência via internet. Ela falou sobre o julgamento de 1980 do Tribunal Bertrand Russel, hoje chamado Tribunal dos Povos, que condenou o Brasil por genocídio indígena. A jornalista contou a luta para que o cacique xavante Mário Juruna pudesse ter autorização para ir a Rotterdã, na Holanda, para depor, pois os índios até hoje são considerados tutelados. Ela acompanhou todo o processo, e fez parte da comitiva que incluía o cacique Álvaro Tucano, o escritor Márcio de Souza e o antropólogo Darcy Ribeiro.

Memélia, sempre ligada à causa indígena, disse ter conhecido a região do Araguaia e testemunhado a devastação da Amazônia e a consequente erradicação das populações indígenas. "As aldeias chegaram a ser bombardeadas com napalm", afirmou. Como exemplo, citou tribo no Pará que até hoje é mantida sob vigilância da Eletronorte.

Violência institucional

Vice-presidente do Tortura Nunca Mais-SP e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic considerou uma vitória a inclusão do tema indígena na Comissão da Verdade, pois é uma população muito sofrida, cuja questão não foi muito abordada na comissão nacional. Disse que "a ditadura atingiu todos os que estavam à sua frente, indígenas ou não, pois a violência do Estado foi a mesma para todos".

Por volta de 1975, contou Zelic, houve o estabelecimento da Política de Integração Nacional, que visava integrar a Amazônia, com a abertura de estradas como a Transamazônica. Para as obras, aldeias indígenas foram exterminadas, sendo que há denúncias de envenenamento por arsênico, uso de dinamite e armas de fogo, Em outro caso, de aldeia pataxó no sul da Bahia, houve contaminação proposital com varíola, para abrir terras para o cultivo de cacau, afirmou. Em São Paulo, foi estabelecida na cidade de Icatu uma prisão indígena, nos moldes de campos de concentração, onde houve denúncias de torturas e assassinatos.

Já numa CPI de 1963, na Câmara dos Deputados, foram apontadas uma série de violações de direitos, assassinatos, mortes, remoções forçadas, que se intensificaram após 1964. Houve outras CPIs, que investigaram o trabalho do Serviço de Proteção ao Índio (SIP), que funcionou de 1946 a 1967, e que passou, após o golpe de 1964, a funcionar como escritório de negócios de terra, falou Zelic. O SPI foi substituído em 1967 pela Funai, que continuou com a mesma forma de ação. Ele ainda citou diversas ações que espoliaram ou massacraram aldeias indígenas. Zelic defendeu que o Brasil deve reconhecer que os indígenas têm direitos constitucionais e à reparação de injustiças sofridas. Disse ainda que é preciso que as violações sofridas continuem a ser investigadas.

Fazenda Guarani

Antropólogo e pesquisador de história indígena, Benedito Prezia falou de seu trabalho sobre a Colônia Penal Indígena localizada em Minas Gerais, chamada de Fazenda Guarani. Em uma antiga fazenda de café, com terras de fertilidade comprometida, nos moldes de campo de concentração, foram realocados indígenas, principalmente da etnia krenak, além de índios de outras etnias. Um grupo deles, por exemplo, foi expluso de suas terras no Estado do Espírito Santo, usadas para a instalação da indústria Aracruz Celulose.

A situação destes indígenas foi denunciada pelo Jornal do Brasil ainda na década de 1970, o que levou à criação de um grupo de apoio em 1978. Prezia lamentou que, da população original de 10 mil krekaks, apenas 80 estavam vivos na década de 1980. Hoje são 150. "É um desafio resgatar a história dos índios, sobretudo no Estado de São Paulo, onde as rodovias têm nomes dos bandeirantes que os exterminaram", finalizou.

O historiador Luiz Canê Minguê disse ser o último falante da língua guainá, tribo originária da área onde está o bairro de São Miguel Paulista, onde ele trabalhou em escavação arqueológica na igreja de São Miguel. Ele relatou sobre sua pesquisa em documentos do Deops relativos aos indígenas, atualmente em poder do Arquivo do Estado. Havia por parte do governo uma série de "critérios de indianidade", usados para decidir quem era ou não índio, para negar a sua existência nas cidades e no campo, e para não ter de preservar suas terras, disse Minguê.

Vazio demográfico

As reivindicações indígenas são históricas, disse o pesquisador da Comissão da Verdade, Danilo Morcelli. Ele lembrou que muitos povos da América Latina e do Canadá já estabeleceram suas memórias desde a chegada dos europeus há 522 anos. Em todos os casos houve tentativa de aculturação. Eram comuns conflitos diretos, estupros, mortes e aniquilação cultural. No caso do Brasil, considerava-se necessário povoar o "vazio demográfico" do centro-oeste e da Amazônia, desconsiderando a população original.

Diogo reconheceu o tamanho e a importância da questão indígena. Com o golpe militar, disse, tanto em São Paulo como em Mato Grosso e Paraná as chamadas "terras devolutas" se tornaram um grande negócio imobiliário, expulsando os indígenas e as populações tradicionais. Mostrou-se preocupado com a lentidão do governo federal em demarcar terras indígenas, ainda mais com o avanço da bancada ruralista no Congresso.

No início da audiência pública foram exibidos trechos do documentário sobre a "Conquista da Amazônia", de Amaral Netto, onde se mostra a devastação da floresta; e do programa TVFolha, com a formatura da Guarda Indígena (Grin), criada em Minas Gerais em 1969 vídeo e vídeo da Agência Pública sobre prisões para índios - vídeo , além da animação Pajerama, do Instituto Sócio Ambiental (ISA) - vídeo

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