20 anos da Constituinte Estadual de 1989

Barros Munhoz: a importância do debate
06/11/2014 19:36 | Da Redação

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Barros Munhoz<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2014/fg165801.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Como foi presidir a Comissão de Sistematização da Constituinte?

Foi um trabalho extremamente difícil, mas extremamente gratificante também. Eu diria que foi o ponto alto do Legislativo paulista e, consequentemente, daqueles que tiveram a oportunidade de participar dos trabalhos dessa comissão.

Como é que foi a Constituinte?

Havia um anteprojeto, cujo relator foi o deputado Arnaldo Jardim. Então, as comissões discutiram esse anteprojeto. Muitas emendas foram apresentadas, mais de 7 mil. Esse anteprojeto se transformou em projeto, que passou, então, pela Comissão de Sistematização, que apreciou um número enorme de emendas. Essa comissão era composta por 34 deputados, representando dez partidos que tinham assento na Casa.

Foi difícil. Não havia nem local para essa comissão funcionar. Então ela funcionou aqui na frente do plenário, numa fileira de cadeiras. Duas delas foram retiradas e a comissão se instalou ali.

Era interessante eu sentado numa ponta, ao lado do deputado Roberto Purini, que era o relator, e do meu assessor direto, que era o Renato Casaro, e na outra extremidade sentava o deputado Erasmo Dias. Nos lados, sentados frente a frente, separados por uma mesa estreita, de um metro e meio no máximo de largura, sentavam os outros 31 deputados, e havia embates fantásticos.

É muito fácil comandar até 500 deputados quando eles têm à sua disposição apenas dois microfones, um de cada lado. Agora, nessa comissão, cada deputado tinha um microfone. Então, era uma coisa extremamente difícil. Eu saía das sessões extenuado " e as sessões se prologavam até alta madrugada. Saía realmente com a adrenalina no máximo que ela podia chegar. E, muitas vezes, para baixar a adrenalina, eu ia ainda tomar um chopinho com o José Mentor e a Clara Ant, que embora fossem do PT, coligação diferente da qual eu pertencia, eram extremamente amigos e companheiros. Foram momentos memoráveis. Eu tenho uma saudade muito grande dessa época. Eu diria que no século passado, sem nenhuma pretensão, o trabalho da Assembleia Constituinte de 1989 foi o mais importante.

A Assembleia teve trabalhos fantásticos, memoráveis, durante o século 20, sem dúvida alguma, em toda sua história. Mas eu acho que nenhum se equiparou à elaboração da Constituição de 89.

Houve algum debate mais marcante?

Na realidade, houve um episódio envolvendo uma emenda sobre a participação popular no processo legislativo, situando a questão do plebiscito e do referendo. Havia duas emendas opostas, conflitantes ao máximo. Uma do deputado Erasmo Dias e outra da bancada do PT. Quando eu coloquei as duas emendas em discussão, elas tinham que ser discutidas simultaneamente porque tratavam do mesmo assunto, só faltou sair morte. Foi uma briga terrível.

Então, no momento, eu fui iluminado. Eu disse: vou retirar essa emenda, senão nós íamos parar a Constituinte. Vamos prosseguir com os trabalhos, vamos discutir os outros artigos que precisam ser discutidos e enquanto isso um grupo, não sei se de 5 ou 7 deputados, vai se reunir fora da comissão para ir tratando desse assunto especificamente. Aí veio a segunda vez, eu tentei e não deu certo. Veio a terceira. Acho que foi lá pela décima vez que chegamos a um entendimento.

Esse para mim é um dos maiores exemplos de que nada resiste ao diálogo. O diálogo vence qualquer diversidade, qualquer obstáculo. Ele é cansativo, é exaustivo, dá um trabalho terrível, mas eu me lembro que, quando coloquei em votação o tema, eu anunciei da seguinte forma: "Em votação a emenda PT-Erasmo Dias". Então, foi um riso generalizado, porque PT e Erasmo Dias eram como água e azeite ou água e fogo.

Mas eu me lembro de outras emendas importantes. Havia uma emenda do deputado Tadashi Kuriki que era fantástica. Ela propunha fazer uma determinada coisa e na realidade ela acabou sendo aprovada proibindo essa mesma coisa. Ela foi se distorcendo ao longo da discussão até virar o oposto do que visava.

Mas tivemos uma coisa que não me sai da memória. Foi num domingo. Porque aqui era o seguinte: o plenário ficava tomado pela assessoria dos deputados e as galerias permanentemente lotadas, muita gente tinha interesse, como os servidores estaduais e outros.

Eu me lembro quando foi discutida uma emenda do deputado Adilson Monteiro Alves. O clima de tensão existente... Olha, eu duvido que tenha havido um maior em algum parlamento do mundo. Era a emenda que separava o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar. Imaginem. O Corpo de Bombeiros é a joia da coroa da PM. Porque a polícia, via de regra, faz um trabalho antipático e difícil, em defesa da sociedade. Já o bombeiro é aquele herói, aquele policial adorado e idolatrado pela sociedade. Se for feita qualquer pesquisa para saber qual a instituição mais querida pela população, o Corpo de Bombeiros aparecerá no topo.

Então, naquele domingo de manhã, havia um clima de tensão. Eu não preciso dizer que o deputado Erasmo Dias era o mais ferrenho defensor da não separação dos bombeiros da PM.

Houve também uma sessão para a discussão dos salários dos delegados. Os delegados tomaram as galerias, todos portando armas. Foi uma situação difícil.

Esses momentos de tensão implicaram atrasos dos trabalhos?

A gente fazia sessões aos sábados, domingos e feriados, porque senão não daria tempo de terminarmos o trabalho no prazo. A Constituinte concluiu os trabalhos às 11:59 do dia 4 de outubro. Foi um décimo de hora, faltava um minuto para terminar o prazo, que se encerraria em cinco de outubro.

Eu quero aqui fazer um registro, não de coisas pitorescas, mas de um trabalho. Todo mundo trabalhou muito. Havia deputados que aparentemente não eram tão brilhantes, mas que se revelaram extremamente brilhantes.

Eu vou fazer questão de mencionar um: o deputado Luiz Furlan. O grau de conhecimento que ele mostrou na Constituinte foi impressionante. Queria mencionar também o trabalho do deputado Aloysio Nunes Ferreira. Ele defendia as posições do governo, defendia o Estado. Obviamente, contra o interesse de todo mundo. Então, numa determinada sessão, ele chegou a ficar tão extenuado que teve de ir para o serviço médico. Foi um trabalho heroico. Ele foi indiscutivelmente o grande vulto da Constituição paulista.

Mas eu poderia citar aqui inúmeros outros deputados que se destacaram e nos orgulham muito.

Eu tenho muita saudade dessa época de debates. Hoje tem muito pouco debate na Assembleia. E quando tem, eu vidro, porque o Parlamento tem funções importantíssimas, com a de fiscalizar, mas não há nada que substitua o debate. E na Constituinte foi o tempo todo debatendo. Passávamos um dia inteiro debatendo um artigo e todos queriam deixar a sua marca.

Nós criamos algumas coisas. Essa coisa de emenda aglutinativa é uma criação nossa. Isso não existia em lugar nenhum do mundo. Nós criamos isso porque se não se aglutinasse para votar, ficaríamos três anos votando.

Talvez se tenha errado. Ao invés de 34 membros, a Comissão de Sistematização devesse ter 17 ou coisa assim, porque as discussões não acabavam mais. Mas, valeu... Valeu a pena.

Fonte: texto elaborado pela Divisão de Imprensa com base em entrevista concedida à TV Alesp

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