Dados de pesquisa sobre tortura no Brasil são apresentados na Comissão da Verdade
09/02/2015 16:08 | Da Redação: Keiko Bailone Fotos: Maurício Garcia











A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), recebeu nesta sexta-feira, 6/2, coordenadores e pesquisadores do relatório "Julgando a tortura: análise de jurisprudência nos tribunais de Justiça do Brasil".
São os primeiros dados oficiais sobre esse assunto, trabalho resultante de três anos de pesquisa feita por advogados e militantes de organizações dos direitos humanos como a Conectas, Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura (Acat-Brasil), Pastoral Carcerária, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) e Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP). Todos os profissionais envolvidos nessa pesquisa se voluntariaram para esse trabalho ao constatar que não havia qualquer dado sobre tortura no Brasil. A pretensão não foi definir o que é tortura, mas sim, traçar um panorama sobre a tortura no Brasil.
Do total de casos analisados, com base nos acórdãos dos tribunais de segunda instância de todo o País, o sudeste aparece como a região onde mais se pratica a tortura, com 41%, seguida da região sul, 23%, nordeste, 19% e norte, 7%. Ao apresentar este primeiro dado, a advogada Nathércia Magnani, uma das idealizadoras dessa pesquisa, esclareceu que o resultado pode ter surgido em razão de essa região ser a mais populosa ou pelo fato de no sudeste o aparato da Justiça ser mais qualificada.
Nathércia Magnani destacou também que o baixo número de acórdãos a que os pesquisadores tiveram acesso - 455 -, foi uma surpresa e levantou a hipótese de que "casos não chegam à Justiça pelo fato de as vítimas não estarem se sentindo seguros para denunciar". Sobre o perfil da vítima, ela disse que há mais vítimas do que acórdãos porque, em muitos casos, a tortura não foi cometida por uma só pessoa.
Maioria de agentes públicos
A respeito dos acusados, a pesquisa apontou um total de 756 pessoas, sendo a maioria homem e enquadrados como agentes públicos (61%). Quanto ao local da ocorrência, aparecem com maior frequência as cadeias, os manicômios e as casas de detenção. Ocorrências em residências somam 33% - faça-se ressalva à invasão da residência por aparato policial que também se inclui nesse percentual " e em vias públicas, 31%, informou Nathércia.
O item propósito da tortura resultou em duas leituras, segundo a advogada: quando a tortura foi praticada por agente público, o motivo foi confissão de algum crime; já, quando cometido por agente privado (pais, cunhados, tios ou outro parente), o objetivo foi castigar a vítima. Neste ponto, ou seja, sobre a tortura praticada por agente público ou privado, ela explicou que a legislação brasileira, ao contrário da lei norte-americana, entende que o perpetrador da tortura pode ser um agente privado.
"Tentamos perceber isso nos acórdãos e notamos que, na grande maioria dos casos, ou seja, 80%, quem moveu a ação foi o réu, para pedir absolvição", observou Nathércia Magnani, ao acrescentar que as decisões de primeira instância foram mais condenatórias, sendo que os agentes privados receberam mais condenação do que os públicos. Entretanto, em segundo instância, essa decisão se manteve mais para os agentes privados do que para os públicos. Ou seja, os agentes públicos conseguiram, no segundo grau, gerar mais absolvição do que os privados. Em mais de 70% desses casos, a argumentação dos desembargadores foi a de que não havia como provar a tortura.
O presidente Adriano Diogo afirmou, nesse momento, que a legislação brasileira enfrenta um obstáculo para tipificar a tortura: o violento atentado ao pudor. "Até estupro vira violento atentado ao pudor. A tortura pressupõe intenso sofrimento físico. Parece que tem de morrer para ser tortura. E a tortura psicológica?", lamentou.
Mecanismo de combate à tortura
Sheila de Carvalho, advogada da Conectas, concordou com Diogo ao afirmar que os juízes desclassificam a tortura ao substituir esse crime por lesão corporal e maus tratos. Para ela, a pesquisa sobre tortura foi um caminho para se tentar compreender como a Justiça atua nesses casos e, a partir daí, formular políticas públicas. Sheila destacou que o objetivo das entidades, ao elaborar a pesquisa, foi o de fornecer subsídios para que poderes competentes, como o Legislativo, apresentem proposta de criação de um mecanismo de combate à tortura.
"É necessário um especialista munido do olhar da tortura que possa verificar, nas unidades prisionais, a ocorrência desse tipo de crime e mostrar como o Estado pode impedir essa prática", sugeriu. Segundo Sheila, do contingente de mais de 600 mil pessoas presas no País, um terço encontra-se no Estado de São Paulo, distribuído em 160 unidades prisionais. "Teria de haver visitas periódicas de profissionais de órgãos independentes para que as vítimas de tortura pudessem denunciar sem medo de represálias", sugeriu.
Sheila de Carvalho defendeu ainda a criação de uma perícia autônoma, que pudesse investigar os crimes de forma adequada. Essa proposta, argumentou, seria também de competência do Legislativo.
Autonomia é o caminho
Ao abordar essa mesma questão, José de Jesus Filho, que participou da pesquisa como membro da Pastoral Carcerária, mas esteve na Comissão da Verdade representando a Associação para Prevenção da Tortura, defendeu também a independência administrativa e, inclusive, financeira para as ouvidorias das polícias civil e militar. "Hoje essas ouvidorias funcionam como blindagem, como dispositivos de escudos para essas instituições", acusou.
Ao se referir à questão do agente privado, Jesus Filho disse que a legislação brasileira banalizou a tortura. "A tortura é o terror do Estado contra o cidadão, a agressão e a violência cometida por aquele que detém poder contra a vítima, causando dor intensa, além de sofrimento físico e mental. A tortura do agente privado é a quebra do laço de confiança", comparou. Para Jesus Filho, apesar de a tortura ainda prevalecer e ser cotidiana, a reação da Justiça tem melhorado. "Pouco, mas tem melhorado. Isso é relevante".
Marca infinita
Assessora da Comissão da Verdade Rubens Paiva e representante da Associação dos Mortos e Desaparecidos e vítima de tortura na época da ditadura militar, Amelinha Teles lembrou que a tortura não acaba nunca e seus efeitos atingem a comunidade e a família por gerações até, mesmo que a tortura tenha ocorrido de forma indireta.
Disse que, ironicamente, o ônus da denúncia recai sobre a vítima. "Eu tenho um processo na Justiça", contou, referindo-se à ação que tramita há 11 anos contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Relatou que "é preciso dar todos os detalhes do torturador, todos os elementos comprobatórios, e se você não lembra, não tem como fazer a denúncia. Ninguém pensa em como você está se sentindo ao reviver aquilo tudo". Outro comportamento perverso da Justiça, segundo ela, é a individualização da tortura.
Amelinha Teles comentou sobre a independência do Instituto Médico Legal, proposta pelos pesquisadores do relatório sobre tortura. Disse que a luta por essa desvinculação é muito antiga, mas que não existe interesse dos próprios peritos em se desligarem da Secretaria de Segurança Pública ou da Secretaria de Justiça.
Sobre a qualificação do agente privado, prevista pela legislação brasileira, Amelinha Teles opinou que a violência doméstica é premeditada, causa danos e se perpetua, assim como a tortura praticada pelo Estado. "A pessoa aprende a ser torturador e a primeira violência com a qual se lida é a doméstica e familiar". Observou que a violência contra as mulheres é menos visível porque, quando se consegue o registro, esse crime é classificado como acidente doméstico. Por essas razões, disse, "não queremos a tortura, seja ela praticada por agentes públicos ou privados".
Herói nacional é torturador
"O Brasil é um dos países onde ocorre o maior número de homicídios no mundo. Além disso, a tortura é legitimada no nosso cotidiano, haja vista que o herói nacional é um torturador, o capitão Nascimento, personagem do filme Tropa de Elite", disse Fábio Simas, do Mecanismo de Prevenção à Tortura do Rio de Janeiro.
Ao se referir à tortura, Simas destacou que essa violação atinge principalmente a população negra, pobre e moradora de favelas e periferias. Além disso, alertou, a tortura é um crime que prevê invisibilidade; é mais praticada em locais de privação da liberdade.
Lembrou que o Rio de Janeiro foi o segundo Estado a aprovar um mecanismo de prevenção e combate à tortura - Lei 5778/2010 - e que instrumentos dessa natureza devem ser formados pelo Estado, com a participação da sociedade civil. Informou que há no Rio de Janeiro 35 mil pessoas privadas da liberdade e a violência física e psicológica ocorre principalmente na porta de entrada das delegacias antes do julgamento, quando ainda não houve o julgamento.
Simas relatou sobre as dificuldades enfrentadas durante as visitas aos institutos sócio-educacionais do Rio, comentando que a realidade desse Estado em nada difere da que se observa em São Paulo. Defendeu a autonomia das Corregedorias e Ouvidorias e a criação de um órgão dentro do Ministério Público específico para casos de tortura.
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