O Brasil perde Inezita Barroso


09/03/2015 18:37 | Antônio Sérgio Ribeiro* Fotos: Acervo do autor e José Antonio Teixeira

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Inezita Barroso na Assembleia <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg168084.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Inezita Barroso, capa da Revista do Rádio <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg168085.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Inezita Barroso, capa da revista Radiolândia <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg168086.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Inezita Barroso, capa da revista O Cruzeiro <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2015/fg168087.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Faleceu na noite do domingo, 8 de março, no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, vitima de insuficiência respiratória, a cantora e apresentadora Inezita Barroso.

Ignez Magdalena Aranha de Lima (nome de batismo) nasceu em 4 de março de 1925, em São Paulo, tendo completado 90 anos. Filha de família tradicional paulistana passou a infância cercada por influências musicais diversas, quando as meninas de sua idade brincavam de bonecas. Aos sete anos de idade começou a cantar e estudar violão. Na fazenda da família, no interior paulista, desenvolveu o amor pela música caipira de raiz e pelas tradições populares. Teve uma infância confortável, nos bairros da Barra Funda e das Perdizes.

Ela afirmou que "esse berço quatrocentão tinha seu lado negativo. Infelizmente a família implicava com tudo que fugisse aos padrões vigentes. Tudo era feio, não ficava bem. Mais tarde, para conseguir cantar e ser artista tive que brigar muito".

Aos 11 anos iniciou o aprendizado de piano, com o apoio do pai, mas com 16 anos de idade comprou sua primeira viola, que tocava escondida no quarto, até que, segunda ela, "deslanchei e comecei a tocar profissionalmente". Rebelde desde pequena, decidiu ser cantora após assistir em São Paulo um espetáculo de Carmen Miranda. Encarou a resistência dos pais, segundo ela "caretas".

Moça da sociedade paulistana, a cantora sempre atraiu olhares pelo cabelo curto, o violão a tiracolo e a disposição em participar das rodas dos trabalhadores rurais. Ela sempre estava nas casinhas de caboclos das fazendas dos avós. Acompanhava as rodas de improviso, e "recolhia", como costumava dizer, as músicas de raiz.

Mesmo casada, voltou ao canto e ao violão, estreando, em 1950, na Rádio Bandeirantes de São Paulo, então localizada na Rua Paula Souza, na zona cerealista da capital, a convite do compositor Evaldo Rui.

Participou em seguida da primeira transmissão de televisão da América Latina, em 18 de setembro de 1950, quando foi inaugurada a TV Tupi. Com a inauguração da Rádio Nacional de São Paulo, em 1952, trabalhou nessa emissora como cantora exclusiva, transferindo-se logo depois para a Record. Ainda em 1950, participou do filme Angela, dirigido por Tom Payne e Abílio Pereira de Almeida, e realizou recitais no Teatro Brasileiro de Comédia, no Teatro de Cultura Artística e no Teatro Colombo. Voltou a atuar em cinema em 1953, nos filmes Destino em apuros (direção de Ernesto Remani) e Mulher de Verdade (direção de Alberto Cavalcanti).

No dia 3 de agosto de 1953, foi convidada a gravar um disco nos estúdios da RCA-Victor, no Rio de Janeiro. Foi na companhia do marido, o advogado Adolfo Cabral Barroso, do amigo Paulo Vanzolini e esposa. Nos estúdios da gravadora, estava tudo preparado para ela cantar a moda Marvada Pinga (de autoria de Laureano), com os famosos versos "Co"a marvada pinga é que eu me atrapaio/ Eu entro na venda e já dô meu taio/ Pego no copo e dali num saio/ Ali mesmo eu bebo, ali mesmo eu caio/ Só pra carregá é queu dô trabaio, oi lá!". Ao ser indagada o que cantaria no outro lado do disco 78 rotações, ela perguntou a Vanzolini se tinha uma música. Na mesma hora, ele compôs o clássico Ronda: "De noite eu rondo a cidade/ A te procurar sem encontrar/ No meio de olhares espio/ Em todos os bares/ Você não está.../ Volto pra casa abatida/ Desencantada da vida/ O sonho alegria me dá/ Nele você está". E assim foi lançado, em outubro de 1953, o seu primeiro disco, um êxito absoluto.

Depois da pinga

Com o sucesso da Moda da Pinga, Inezita ganhava garrafas de pinga dos fãs, que normalmente distribuia entre a equipe. Quando a música chegou às rádios, em 1954, uma cachaça com seu nome foi lançada, no interior de São Paulo.

Gravaria na RCA-Victor, entre outras músicas, Canto do mar (de Guerra-Peixe); Benedito Pretinho e Dança do Caboclo (ambas de Heckel Tavares); e os sambas Os Estatutos da Gafieira (de Billy Blanco) e Isso é papel, João? (de Davi Raw e Cicero Galindo Machado).

No ano de 1954, apareceu nos filmes É Proibido Beijar, de Ugo Lombardi, e O Craque, de José Carlos Burle, recebendo ainda o prêmio Roquete Pinto, como melhor cantora de rádio da musica popular brasileira, e o prêmio Guarani, como melhor cantora em disco. Passou a apresentar-se semanalmente em programas folclóricos na TV Record, de São Paulo, sendo a primeira cantora contratada pela emissora. Em 1955, atuou no filme Carnaval em lá maior (de Ademar Gonzaga) e, como atriz e cantora, representou o Brasil no Festival de Cinema de Punta del Este, no Uruguai, viajando em seguida ao Paraguai. Também foi premiada com o prêmio Saci, como melhor atriz de cinema.

Participou de nove filmes. Em uma das filmagens nos estúdios da Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, Inezita ficou com um Jeep usado na gravação. Partiu logo depois, em uma viagem ao Nordeste, com o único objetivo de pesquisar música. Na época, mulher ao volante era tabu. "Posso afirmar até que eu causava", disse Inezita.

Passou a realizar gravações de divulgação do folclore brasileiro, ilustrando uma série de conferências de professores na USP.

Sucesso no exterior

Seu primeiro LP, Inezita Barroso, foi lançado pela gravadora Copacabana, também em 1955, com um repertório folclórico que incluía, entre outras, Banzo e Funeral dum Rei Nagô (ambas de Heckel Tavares e Murilo Araújo); Viola Quebrada (de Mário de Andrade) e Mineiro tá me chamano (de Zé do Norte). Em seguida, lançou os LPs Canta Inezita, Coisas do meu Brasil e Lá vem Brasil. Nessa época, os músicos Jean Louis Barrault, Marian Anderson, Roberto Inglês e o ator e diretor italiano Vittorio Gassmann, em visita ao Brasil, levaram seus discos para os Estados Unidos e Europa, onde foram divulgados nas principais emissoras de rádio.

Seus dois próximos LPs lançados em 1956, Vamos falar de Brasil e Inezita Apresenta, ainda pela gravadora Copacabana, reunindo neste último só composições de mulheres como Babi de Oliveira, Juraci Silveira, Zica Bergami, Leyde Olivé e Edvina de Andrade, e com músicas do folclore baiano, mineiro e paulista. Nesse mesmo ano publicou seu primeiro livro Roteiro de um Violão.

Em 1960, pela Copacabana, foi lançado o LP Eu me Agarro no Violão, titulo da música do compositor paraense Waldemar Henrique, que abria o disco, com as músicas Leilão (de Heckel Tavares e Juracy Camargo), Moda da Mula Preta (de Raul Torres e João Pacifico), Moda do Conde Camarão (de Cornélio Pires e Mariano da Silva) e Canção da Guitarra (de Marcelo Tupinambá e Aplecina do Carmo). Em 1961, lançou o novo LP Inezita Barroso com: Casa de Caboclo (de Heckel Tavares e Luiz Peixoto), Viola Quebrada, regravação de seu primeiro LP; Tambata-já (de Waldemar Henrique); Roda Carreta (de Paulo Ruschell) e Carreteiro (de Barbosa Lessa). Em 1968, no LP Melhor de Inezita, regravou Banjo e Funeral dum Rei Nagô, e Cisne Branco, o hino da Marinha do Brasil, de autoria de Manoel do Espirito Santo e Benedito de Macedo; e o grande sucesso Lampião de Gás, de Zica Bergami, e novamente a Moda da Pinga. em 1969, lançou o LP Clássicos da Música Caipira, com destaque para as composições Chico Mineiro (de Francisco Ribeiro e Tonico), Do lado que vento vai (de Raul Torres), Baldrana Macia (de Anacleto Rosas Junior e Adelino Pinto), Sertão do Laranjinha (adaptação da dupla Tonico e Tinoco e do Capitão Furtado) e Pinga D´água (de Raul Torres e Joao Pacifico). Nesse ano ganhou o troféu do Folclore Sul Americano, em Salinas, no Uruguai.

No ano de 1970, gravou o LP Modinhas, onde se destacaram as composições Canção da Felicidade (de Barroso Neto e Nosor Sanches) e Conselhos (de Carlos Gomes). Ainda em 1970, produziu um documentário que representou o Brasil na Expo-70, realizada no Japão. Em 1972, lançou o segundo volume de Clássicos da Música Caipira, com Rio de Lágrimas (de Piraci e Lourival dos Santos e Tião Carreiro), Divino Espirito Santo (de Canhotinho e Torrinha), Destinos Iguais (de Capitão Furtado e Laureano) e o Rei do Café (de Carreirinho e Teddy Viera).

Em 1975, gravou o LP Inezita em Todos os Cantos, com Negrinho do Pastoreio (de Barbosa Lessa), Asa Branca (de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) e números folclóricos recolhidos na Bahia, Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Programas mundo afora

Realizou programas especiais para o Uruguai, Paraguai, Estados Unidos, Israel, na antiga União Soviética, França e Itália. Atuou na extinta TV Tupi e, em 1980, passou a comandar o programa Viola, Minha Viola, na TV Cultura, de São Paulo, em parceria com Moraes Sarmento, no ar até os dias de hoje, com grande audiência. No mesmo ano gravou o LP Joias da Música Sertaneja, volume 2. No ano de 1986, lançou o LP Inezita Barroso a incomparável, e a partir de 1990 fez a apresentação e a direção musical do programa Estrela da Manhã, na Rádio Cultura AM de São Paulo. Em sua longa carreira gravou mais de 80 discos.

Formou-se em Biblioteconomia pela USP, mas dedicou-se inteiramente a música. Foi uma grande pesquisadora do gênero musical, instrumentista, arranjadora, folclorista e professora. Percorreu o Brasil resgatando histórias e canções.

Em depoimento ao jornalista Carlos Eduardo de Oliveira, no livro de sua biografia, recém-lançado Inezita Barroso - Rainha da Música Caipira, afirmou que mantinha a voz discordante contra a modernidade no gênero, chamando a safra atual de "sertanojo". "A verdade é que esse pseudosertanejo atual é música inventada pela indústria, sem raiz, paupérrima, sempre a mesma letra, sempre o mesmo ritmo! Um modismo".

Durante sua carreira deu espaço a muitos artistas iniciantes. Também nutria muito respeito aos seus fãs. Educada, com simpatia e gentileza ímpares, o autor deste texto teve, em uma sessão solene realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo, o prazer e o privilégio de conversar e ouvi-la cantar, acompanhada com um único violão.

Entre as homenagens recebidas por Inezita Barroso, está a concedida pela Universidade de Lisboa, em Portugal, de "Doutor Honoris Causa", pelo seu trabalho em defesa do folclore. No mês de novembro de 2014, foi eleita para ocupar uma cadeira na Academia Paulista de Letras, mas acabou não tomando posse.

Inezita manteve a rotina de apresentações e gravações do programa na TV Cultura até 2014. Em dezembro, ela chegou a ser hospitalizada após cair na casa de sua filha, em Campos do Jordão. Desde então, não participou mais do seu tradicional programa de música sertaneja.

Inezita Barroso estava internada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, desde o dia 19 de fevereiro. Seu velório foi realizado no Hall Monumental da Assembleia Legislativa e contou com a presença de inúmero público, amigos e autoridades, como o governador Geraldo Alckmin e o presidente da Alesp, deputado Chico Sardelli.

Seu enterro foi realizado no Cemitério Gethsemani, no bairro do Morumbi, na capital paulista. O caixão foi coberto pelas bandeiras corintiana e paulista, um último pedido da cantora.

Inezita casou em 1947 com o advogado Adolfo Cabral Barroso, mas segundo ela, o relacionamento teve "prazo de validade" de dez anos. Deixou uma filha, Marta, três netas e cinco bisnetos.

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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