Opinião: A guerra silenciosa contra o crack


24/03/2015 18:23 | Orlando Bolçone

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Vivemos uma guerra silenciosa contra o crack, droga que mata jovens, famílias inteiras, principalmente as mais pobres. Pude constatar o estado epidêmico do crack logo no primeiro ano de mandato, ao coordenar pesquisa no noroeste paulista, em trabalho na Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas da Assembleia Legislativa.

Achava que a droga só estava instada em grandes centros. Qual não foi minha surpresa, assustadora, ao descobrir que há consumo de crack em todos os municípios, do menor ao maior. O crack inalado leva oito segundos para elevar a produção de dopamina no cérebro, criando sensação imediata de prazer. O efeito passa em cinco minutos. Por isso o usuário tende a recorrer a uma pedra atrás da outra.

Os números nos desafiam. O crack não atinge somente andarilhos, mas pessoas com endereços fixos. Quatro em cada dez dependentes têm casa com nome de rua e número. Oito em cada dez crianças abandonadas são filhas de dependentes químicos.

Esta droga infernal, no dizer do jornalista Leonardo Coutinho, "tem uma força que tem se mostrado potente o bastante para superar até o amor de uma mãe pelo próprio filho". Milhares de mulheres engravidaram sob o efeito da droga, gestaram seus bebês nessa condição e agora lutam contra o vício para não perder seus filhos.

A Maternidade Leonor Mendes de Barros, da capital paulista, é referência no tratamento da dependência química em gestantes e bebês. No ano passado, 71 mães viciadas tiveram seus filhos naquele hospital. Segundo o Juizado da Juventude de Belo Horizonte (MG), 480 filhos de usuários de crack foram abandonados em hospitais da capital mineira em 2014. No Rio de Janeiro, cerca de 90% das crianças abandonadas têm pais dependentes. O número de usuários saltou de 22 mil para 2,5 milhões em 15 anos.

Segundo o ministério da Saúde, em 2005, foram registrados 1.863 casos de sífilis em mulheres grávidas, doença venérea provocada em consequência do uso de crack. Sete anos depois, o número de gestantes com sífilis saltou para 7.043. O número de recém-nascidos contaminados foi de 4.447.

Quinze por cento dos recém-nascidos de mães viciadas em crack morrem em decorrência de distúrbios respiratórios. Cinco por cento das substâncias tóxicas do crack fumado por uma gestante entram na corrente sanguínea do feto. Seis dias é o tempo que as substâncias do crack ficam presentes no leite materno. Trinta mil crianças e adolescentes vivem em abrigos e casas-lares. Trinta por centro dos frequentadores da cracolândia têm curso superior ou passaram pela universidade. Mais de oito mil pessoas (8.541) foram afastadas do trabalho por causa de consumo de cocaína e crack em 2013. Quarenta por cento dos dependentes de crack do País não vivem na rua.

Não só os usuários e as famílias estão perdendo esta guerra. A sociedade está sendo derrotada. O poder público, os políticos. Os esforços de enfrentamento se deparam com outro desafio: a recaída. Mesmo para quem passa por internações e recebe o devido acompanhamento, a taxa de reincidência chega a 15%.

Da experiência de acompanhar entidades com trabalhos sociais com drogados, concluí que não há saída para vencer esta guerra sem o tripé ciência, família e fé. A ciência trata, a família apoia, acolhe, conforta. As igrejas elevam a um plano espiritual fundamental para a superação. Cada um de nós tem sua parte nesta guerra.

*Orlando Bolçone foi secretário de Planejamento de Rio Preto durante 20 anos e é deputado estadual pelo PSB

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