Há 30 anos, o Brasil perdia Tancredo Neves


16/04/2015 19:24 | Antônio Sérgio Ribeiro *

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Tancredo Neves, foto Wikipédia <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169355.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputado José Pereira da Silva ao lado do governador Tancredo Neves, juntamente com um dos vice líderes do governo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169375.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Jango eTancredo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169376.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Tancredo e Aécio Neves <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169377.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Tancredo e Aécio Neves<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169378.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Aqueles que viveram o verdadeiro calvário por que passou o presidente eleito do Brasil, Tancredo Neves, sabem o que representaram para a alma do povo brasileiro aqueles dias dolorosos de 1985.

A esperança que foi depositada em Tancredo era imensa. Ele era o fim do regime militar que oprimiu e calou a população do Brasil por 21 anos. Era a mudança em todos os aspectos da vida nacional, o retorno à democracia, à liberdade de expressão, à redenção econômica e social, a uma nova vida de esperança para todos os milhões de brasileiros.

O presidente Tancredo de Almeida Neves nasceu em São João Del Rei, Minas Gerais, em 4 de março de 1910. Era o quinto dos 12 filhos de Francisco de Paula Neves e Antonina de Almeida Neves. Iniciou os seus estudos no "Grupo Escolar João dos Santos" entre 1917 e 1920, e depois no "Colégio Santo Antônio", de frades franciscanos, concluindo o curso de humanidades em 1927. No ano seguinte, transferiu-se para a capital mineira, bacharelando-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, em 1932. Retornando à sua cidade natal, foi advogado e promotor de justiça por um curto período. Em 1935, iniciou a sua vida política, sendo eleito vereador pelo Partido Progressista e, logo depois, presidente da Câmara Municipal de São João Del Rei, sendo o mais votado entre os candidatos.

Defesa da legalidade

Com o golpe do Estado Novo de 10 de novembro de 1937, e o fechamento das câmaras legislativas em todo o país, retornou à advocacia. Com a redemocratização, em 1946, foi eleito deputado estadual pelo Partido Social Democrático - PSD, de 1947 a 1951. Nas eleições de outubro de 1950, foi eleito deputado federal, também pelo PSD, para a legislatura de 1951 a 1955; em 23 de junho de 1953, foi nomeado ministro da Justiça e Negócios Interiores pelo presidente Getúlio Vargas, enfrentando no cargo uma cerrada pressão da União Democrática Nacional - UDN, partido de oposição, que buscava apoio das forças armadas para depor o presidente da República. Nesse período conturbado da vida nacional, que culminou no suicídio do presidente Vargas em 24 de agosto de 1954, Tancredo mostrou firme determinação na defesa da legalidade e da democracia. Com a morte de Getúlio, reassumiu sua cadeira na Câmara Federal.

Tancredo não se candidatou para as eleições de 3/10/1954, por não ter se descompatiblizado do cargo de ministro a tempo. Após o término de seu mandato parlamentar, foi nomeado, em maio de 1955, diretor do Banco de Crédito Real de Minas Gerais pelo governador Clóvis Salgado. Ainda nesse ano, foi um dos articuladores da vitoriosa eleição do ex-governador mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira à presidência da República. No ano seguinte, deixando o cargo no banco mineiro, foi nomeado diretor da Carteira de Redescontos do Banco do Brasil, que posteriormente seria um dos pontos de apoio para a formação do Banco Central.

Em 1958, foi convidado pelo governador Bias Fortes para assumir o cargo de secretário das Finanças do Estado de Minas Gerais, que exerceu até 1960, quando deixou a função para concorrer ao governo de seu Estado, mas foi derrotado pelo banqueiro José de Magalhães Pinto, candidato da UDN, que usou o seu prestigio, e principalmente o seu dinheiro na campanha.

Ainda em 1960, foi nomeado presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico " BNDE, hoje BNDES ", pelo presidente Juscelino Kubitschek, mas permaneceu pouco tempo no cargo. Logo após a posse de Jânio Quadros na presidência da República, demitiu-se do BNDE. Em 1961, foi cotado para ser embaixador do Brasil na Bolívia, mas por divergências entre o seu partido, o PSD, e o presidente da República, as negociações não se concretizaram.

Primeiro ministro

No dia 25 de agosto de 1961, a nação foi surpreendida pela intempestiva renúncia de Jânio Quadros da chefia da Nação. O substituto constitucional, o vice-presidente João Goulart estava em visita oficial a Ásia , e pelo veto ao seu nome pelos ministros militares, quase levou o país a uma guerra civil. A saída encontrada foi a instauração do regime parlamentarista, por uma emenda constitucional aprovada por 259 votos contra 22, e o nome de convergência para ocupar o cargo de primeiro ministro foi o do deputado federal mineiro Tancredo Neves.

Tancredo permaneceu como primeiro ministro até 6 de junho de 1962, quando seu gabinete renunciou em bloco para poder concorrer as eleições que seriam realizadas em outubro daquele ano: foi o segundo deputado federal mais votado pelo seu partido. Antes da posse na Câmara Federal, um plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963 decidiu o fim do parlamentarismo no Brasil e a restauração do presidencialismo.

Depois de uma ausência de oito anos do legislativo, Tancredo Neves retornou à Câmara dos Deputados, sendo escolhido líder da maioria formada pelo seu partido, o PSD, e o PTB. O recrudescimento político e social levou o Brasil a uma crise institucional que levou ao golpe militar que depôs o presidente constitucional João Goulart.

Durante a sessão extraordinária que declarou, na madrugada de 2 de abril de 1964, vaga a presidência da República, ainda com João Goulart em território brasileiro, já que se encontrava na capital do Rio de Grande do Sul, de onde pretendia resistir ao golpe. Logo após proferir a declaração da absurda e ilegal vacância do cargo de presidente da República, o senador Auro Soares de Moura Andrade e todos os presentes ouviram estupefatos o sempre tranquilo e comedido Tancredo Neves gritar duas vezes, em alto e bom som, ao presidente do Congresso Nacional: "Canalha!, Canalha!".

Fundador do MDB

Com a instauração do regime militar, as garantias constitucionais foram abolidas, e uma série de atos discricionários foram editados, iniciada pelo Ato Institucional de 9 de abril de 1964 (que se tornaria o nº 1). Os adversários foram punidos com cassações de mandatos e suspensão de direitos políticos. O Brasil entrou em um período de exceção que perduraria por mais de 20 anos.

Com o fim dos partidos políticos e a instalação do bipartidarismo, Tancredo foi um dos fundadores do partido de oposição: o Movimento Democrático Brasileiro, o MDB, em 1966, do qual seria presidente do Diretório de Minas Gerais. Nesse mesmo ano, foi reeleito deputado federal, o que repetiria em 1970, sempre muito bem votado. Em fins de 1973, juntamente com o deputado Tales Ramalho, lançou a "anticandidatura" do deputado Ulysses Guimarães à sucessão do presidente general Emilio Garrastazu Médici, concorrendo com o candidato oficial, general Ernesto Geisel.

Nas eleições de 1974, o MDB teve uma grande vitória eleitoral no país. Tancredo, apesar de ter sido instado a se candidatar ao Senado, resolveu permanecer como deputado federal, sendo mais uma vez eleito. Em 1977, atuando no movimento nacional pela redemocratização, pronunciou-se a favor da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e, em março, foi eleito líder da bancada do MDB na Câmara dos Deputados, sucedendo José Freitas Nobre, que perdeu na disputa.

Nome de consenso

Em 1978, foi eleito pelo MDB senador por Minas Gerais, derrotando os candidatos arenistas. Com o fim do bipartidarismo, formou um partido de centro, liberal, o Partido Popular - PP, do qual seria presidente nacional. Mais tarde, em vista da proibição das coligações partidárias e da impossibilidade legal de acordos entre partidos, o PP foi absorvido pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB, do qual Tancredo foi eleito vice-presidente nacional.

Nas eleições de 1982, foi eleito governador de Minas Gerais, assumindo o cargo no início de 1983, tornando-se nome de consenso da oposição ao regime militar. Com a apresentação da emenda Dante de Oliveira, foi levantada a bandeira das "Diretas Já!", que empolgou todo o Brasil com inúmeros comícios que arrastaram multidões para as ruas e praças em todos os cantos do país.

Derrotada na Câmara dos Deputados a emenda constitucional que determinou a escolha pelo voto popular do sucessor do presidente João Figueiredo, Tancredo Neves teve seu nome lançado com o apoio de partidos contrários ao regime militar e de dissidentes do partido governista, encabeçados pelo então senador José Sarney, candidato à vice-presidente da chapa, para concorrer no colégio eleitoral, onde, em 15 de janeiro de 1985 derrotou o candidato do Partido Democrático Social - PDS, Paulo Salim Maluf, inclusive com votos do Partido dos Trabalhadores - PT, por 480 a 180. O presidente eleito Tancredo Naves ao discursar quando e sua vitória, marcaria com uma frase esse período: "Não vamos nos dispersar!". Era o clamor pela unidade nacional em prol da democracia brasileira.

Em 14 de março de 1985, véspera de sua posse, às 22 horas o presidente Tancredo Neves foi internado as pressas no Hospital de Base de Brasília, onde foi submetido a uma cirurgia de urgência, para extirpação de um tumor benigno no abdome.

Agonia

Segundo o boletim médico, teria sido extraído o divertículo de Meckel, omitindo a existência de tumor. No dia 17, surgem problemas respiratórios, apesar de informações falarem em "progressiva melhora". Em 19 de março, uma junta médica composta por especialistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, vai a Brasília para acompanhar o quadro clínico do paciente e, no dia seguinte, é realizada uma segunda cirurgia.

O quadro permanece estável e os médicos afirmam que "em duas ou três semanas (Tancredo) poderia tomar posse como presidente da República". No início da noite de 25 de março, é detectada uma hemorragia intestinal. Nesse dia, no período da manhã, Tancredo havia posado para fotos com sua esposa, dona Risoleta, e os médicos. No dia seguinte, em caráter de urgência, foi transferido para o Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo. No mesmo dia, à tarde, é operado pela terceira vez.

Seu quadro clínico vai se complicando dia-a-dia, sofrendo várias operações e manobras cardio-respiratórias na tentativa de salvar sua vida. O especialista norte-americano Warren Myrol Zapol foi chamado para examinar Tancredo e, no dia 20 de abril, após exames, o médico estrangeiro concluiu que o presidente eleito estava desenganado. No feriado nacional, dia de Tiradentes, em 21 de abril de 1985, às 22h23, Tancredo de Almeida Neves morreu. Sua longa agonia emocionou e calou profundamente o povo brasileiro.

O esquife do presidente morto foi transportado em uma viatura do Corpo de Bombeiros, cabendo ao autor dessas linhas, naquela triste manhã de 22 de abril de 1985, após a passagem dos automóveis, abrir o comovente cortejo que foi a pé do Incor até o Aeroporto de Congonhas levando a bandeira do Brasil em um mastro, sendo seguido de militantes do PMDB, e pelo povo paulista que aos milhares aderiram espontaneamente a essa triste passeata, na maior homenagem prestada pelo povo de São Paulo à memória de alguém até hoje. No Boeing presidencial da Força Aérea Brasileira - FAB, o caixão foi transladado para Brasília, onde foram prestadas honras de estado pelo Governo Federal, que decretou luto oficial por oito dias. De lá, seguiu para Belo Horizonte e, finalmente, sua terra natal, São João Del Rei, para ser sepultado.

Seu neto, o atual senador por Minas Gerais, Aécio Neves, na época secretário do presidente, revelou durante internação de seu avô, Tancredo Neves, afirmou: "Eu não merecia isso..."

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador, é funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Fotos Wikipédia

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