O dia em que Tancredo Neves esteve na Alesp


22/04/2015 21:49 | Antônio Sérgio Ribeiro *

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Tancredo Neves, Néfi Tales e parlamentares <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169478.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Visita do governador de Minas Gerais, Tancredo Neves a Assembleia, no dia 31 de julho de 1984<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169479.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Tancredo Neves e Néfi Tales (dir) <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-04-2015/fg169480.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Na segunda-feira, 31 de julho de 1984, o ainda governador de Minas Gerais, Tancredo de Almeida Neves, tinha uma agenda cheia na cidade de São Paulo. Ele desembarcou no aeroporto de Congonhas às 9h20, num jatinho de uma empresa de táxi aéreo, que o trouxe de Belo Horizonte, acompanhado de três assessores. No salão do aeroporto foi cercado por um verdadeiro batalhão de jornalistas, e por dez minutos respondeu a algumas perguntas que já haviam sido formuladas na véspera, através de sua assessoria de imprensa. Uma das indagações era sobre o acordo de não ruptura com o Fundo Monetário Internacional (FMI), e Tancredo teve que, enfaticamente, desmentir um encontro, que teria sido realizado no Rio de Janeiro, com o economista e ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Neto, para discutir esse espinhoso tema. Perguntado se preferia disputar no Colégio Eleitoral contra o ex-ministro Mario Andreazza ou o Paulo Maluf, ele respondeu: "Luto por causas, e não contra pessoas".

O Congresso Nacional havia, no dia 25 de abril, rejeitado a emenda Dante de Oliveira, que concedia ao povo brasileiro o voto direto para a escolha do presidente da República, com 298 votos favoráveis, 65 contra, três abstenções e a ausência de 112 deputados do partido do regime militar, o PDS. Tancredo Neves era o candidato natural das oposições para a disputa indireta no Colégio Eleitoral, que ocorreria em janeiro de 1985, contra o candidato governista.

Em Congonhas, Tancredo foi recebido, pelo então vice-governador do Estado de São Paulo, Orestes Quércia, pelo prefeito da capital, Mário Covas, e pelo senador Severo Gomes, todos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Do aeroporto, a bordo de um luxuoso Ford Landau, seguido por dois outros veículos, se dirigiu para o Hotel Maksoud, na região da avenida Paulista, onde se encontrou com Celso Furtado e cinco outros economistas ligados ao PMDB. Depois, em companhia do empresário Abílio Diniz, foi para um almoço com a direção da Folha de S. Paulo, na sede do jornal, na Rua Barão de Limeira, no centro da cidade.

Visita à Assembleia

Após o almoço, Tancredo Neves foi para Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, no Parque do Ibirapuera, onde o esperavam mais de 1.500 pessoas, integrantes da Frente Municipalista pelas Diretas, presida por Orestes Quércia. Entre os presentes se encontravam 367 prefeitos de cidades do interior paulista, vereadores, e representantes de 15 Estados da federação, que foram dar o seu apoio ao candidato da Aliança Democrática à presidência da República.

No Palácio 9 de Julho, Tancredo Neves foi recebido no Salão Nobre da Presidência pelo deputado Néfi Tales, presidente da Casa, integrantes da Mesa Diretora, deputados, o governador André Franco Montoro, secretários de Estado e integrantes do PMDB paulista. O encontro acabou se transformando em uma grande festa em homenagem ao governador mineiro, com faixas e banda de música. Coube à atriz Maitê Proença a apresentação do evento. Tancredo, ao deparar com o grande número de pessoas presentes, se dirigiu ao vice-governador Orestes Quércia e afirmou: "O espetáculo a que assistimos hoje é bem uma construção de sua liderança".

Quércia, que presidiu o encontro, lembrou a lealdade de Tancredo Neves para com Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, e sua atitude de votar contra Castello Branco, quando este foi indicado candidato indireto à presidência da República, após o movimento de 1964. Justificou ainda os pronunciamentos considerados moderados de Tancredo: "Ele tem de conciliar, logo sua linguagem precisa ser conciliatória".

Em discurso no plenário Juscelino Kubistchek, ao lado de Montoro e de Orestes Quércia, Tancredo assumiu o compromisso de: "lutar, mesmo depois de nossa convenção, para que na sucessão do presidente João Baptista Figueiredo o povo possa eleger com o seu voto o futuro mandatário da nação". Considerou o Colégio Eleitoral a "ultima trincheira", afirmando: "Se forem frustrados os nossos esforços (pelas Diretas Já), não nos resta outra alternativa, que é esse famigerado Colégio Eleitoral, ao qual devemos ir para destruí-lo, para honra nossa".

A reunião da Frente Municipalista, na Assembleia Legislativa paulista, foi organizada para que Tancredo Neves apresentasse sua proposta de programa mínimo de governo - na qual estavam a reforma tributária, de uma nova politica habitacional e, principalmente, de uma moratória da divida externa no prazo de cinco anos.

Durante os discursos na Alesp, o candidato das oposições foi obrigado a ouvir sérias criticas pela inclusão do nome do senador José Sarney como candidato a vice-presidente em sua chapa. O deputado maranhense Haroldo Saboia, em um inflamado discurso, afirmou: "O Maranhão não se sente representado com José Sarney". E emendou: "vamos fazer uma aliança, mas não vamos capitular." Sendo muito aplaudido pelos presentes.

Tancredo, tanto no seu discurso quanto na entrevista coletiva, deixou claro que uma constituinte, que ele defendia, só poderia ocorrer através do futuro Congresso, que seria eleito em 1986, sem necessidade de convocação. "Precisamos de uma constituinte sem quebrar o funcionamento do Poder Legislativo". Fez ainda uma profissão de fé na democracia pelo voto direto, na condição de vereador e presidente de câmara municipal, que foi na década de 1930, em sua cidade natal São João Del Rei, em Minas Gerais. Lembrou ainda: "Muito antes que houvéssemos adotado as eleições diretas para os dignitários dos altos postos dos Estados, já nos municípios, em plena Colônia, havia voto direto do povo na eleição dos integrantes do Senado e da Câmara. Foi lá, pelo voto direto do povo, que nós aprendemos esta grande lição de que todo poder emana do povo, e em seu nome deve ser exercido, porque o poder que não advém do povo é poder ilegítimo; é mais do que isso, não chega a ser poder".

Disse ainda: "Haja o que houver e custe o que custar, a democracia jamais será varrida da consciência nacional (...), ela pode conhecer eclipses, como este de vinte anos, mas surgirá desse eclipse mais forte, mais vigorosa e mais esplendorosa na força dos seus princípios". Afirmou também em seu discurso: "Não basta elegermos dentre as forças democráticas do país um representante seu para dirigir a Nação. É importante que saia um presidente da república do povo, prestigiado pelo povo, sustentado pelo povo e inspirado pelo povo".

Defendeu uma constituinte e observou: "Manifestações como essa significam que o povo brasileiro não cedeu, não se acomodou, não recuou e está vivendo o chamamento da pátria para torná-la realmente uma nação".

Nesse dia ainda, Tancredo Neves esteve no Palácio dos Bandeirantes para um encontro com o governador Franco Montoro e para uma entrevista coletiva. E fez uma visita de cortesia ao cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, que lhe fez um pedido "a favor dos pobres, da reforma agraria e daqueles que estão na terra sem terra e na cidade sem emprego".

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador, é funcionário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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