A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais (CDH) realizou na quarta-feira, 20/4, audiência pública para discutir a construção de um Sistema e de um Plano Estadual de Direitos Humanos. O presidente da CDH, Carlos Bezerra Jr. (PSDB), na abertura dos trabalhos disse que a discussão dos direitos humanos neste momento "se reveste de um simbolismo cem vezes maior perante as ameaças atuais a esses direitos". Disse ainda que essa questão está acima de qualquer disputa político-partidária. "Hoje vivemos um momento delicado para os direitos humanos, de intolerância e ódio", lamentou a deputada Márcia Lia (PT), proponente da audiência pública. Portanto, é um bom momento para revisar o Plano Estadual de Direitos Humanos, de 1997, que está defasado, segundo ela. A ideia da audiência é começar um grupo de trabalho para isso. Márcia Lia citou também que a Ouvidoria da Alesp tem recebido um número crescente de denúncias, principalmente em relação aos presídios, como o caso do Centro de Custódia de Limeira, onde "nem um rato merecia viver". A Ouvidoria também tem recebido denúncias de trabalho análogo à escravidão, tráfico de pessoas, desrespeito às mulheres e racismo, disse. Embora a discussão dos direitos humanos englobe diversas vertentes, há dois grandes desafios no Estado de São Paulo, afirmou Raul Marcelo (PSOL). Um deles é a questão da segurança pública, cujo conceito de "guerra" dá licença para matar, o que acontece principalmente em relação aos jovens negros e pobres da periferia. Outro desafio é a acessibilidade para os deficientes físicos. Para Marcelo, é preciso estabelecer uma cultura de respeito aos direitos para os agentes públicos para melhor atenderem a população. Ainda saudaram a realização da audiência os deputados José Zico Prado e Marcos Martins, ambos do PT. Ameaça de retrocesso Secretário Nacional de Direitos Humanos, do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Rogério Sottili preocupou-se com o momento político atual, onde a democracia e os direitos humanos estão ameaçados pelo retrocesso autoritário. Para ele, isso é um paradoxo, pois o Brasil é referência mundial na área dos direitos humanos, como no combate ao trabalho escravo. Para Sottili, a melhor resposta a esse momento é a discussão dos direitos humanos com grande participação social, como aconteceu no estabelecimento da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), lançado em 2010, e que foi precedida de discussões em todo Brasil, o que lhe deu validade e legitimidade. Deste plano, surgiram diversas propostas legislativas de impacto, como a PEC do trabalho escravo e a Comissão Nacional da Verdade. O secretário falou dos desafios a serem enfrentados, como o desmonte da cultura de violência que permeia historicamente a sociedade brasileira. Por fim, sugeriu algumas medidas, como a garantia do cumprimento das diretrizes com a criação de um órgão específico. Outra sugestão foi envolver as câmaras municipais e a população na elaboração do plano. Impossibilidade de diálogo Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Rildo Marques de Oliveira disse que o PNDH-3 gerou resistência de quatro grupos sociais: os militares, por conta das comissões da verdade, a grande mídia e grupos religiosos - notadamente os neopentecostais - e os latifundiários. Desde então, continuou Oliveira, esses grupos se articularam, gerando "o discurso de ódio e raiva, que desaguou agora na sociedade, fazendo com que se perdesse a possibilidade de diálogo". As violações aos direitos humanos estão no cotidiano social, pois as populações mais carentes são abandonadas no respeito a seus direitos, inclusive pelos órgãos públicos, falou Rildo Oliveira. É preciso, por isso, facilitar o recebimento das denúncias, que hoje passam por muitas instâncias, desestimulando as vítimas. Do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Márcia Guerra destacou a ameaça da política neoliberal, que pretende uma "esculhambação social dos direitos humanos conquistados historicamente". Estão em risco, inclusive, incisos sociais da Constituição de 1988, e há risco de criminalização dos movimentos sociais, alertou. A seguir a palavra foi dada a pessoas de movimentos sociais presentes, como representantes dos segmentos LGBTT, de moradia, quilombolas e movimento negro. Eles fizeram denúncias de desrespeito aos direitos humanos e apresentaram sugestões para os trabalhos de reestruturação do Plano Estadual de Direitos Humanos.