Opinião - Venda da Escola da Vila sugere privatização do ensino público, avaliam educadores


31/05/2017 19:31 | Carlos Giannazi

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Fundada em 1980, a Escola da Vila é uma instituição privada de ensino básico que surgiu de um projeto pedagógico de vanguarda pautado no desenvolvimento de formas democráticas de convívio, do pensamento crítico e do conhecimento como meio de transformação social. Criada por um grupo de professores, entre eles Madalena Freire, filha do educador Paulo Freire, a escola sempre cultivou o trabalho democrático e participativo, que inclui a manutenção de um centro de formação de professores considerado referência nacional.

Em 14/02 deste ano foi anunciada à BM&FBovespa a venda de 80% de suas cotas ao grupo financeiro Bahema SA. Na época, pais de alunos questionaram se a mercantilização da escola não iria afetar seu projeto pedagógico, inclusive porque a comunicação da venda ocorreu após o início do ano letivo.

Ao ser procurado por Beatriz Daruj Gil, professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e mãe de aluna da escola, abri as portas da Assembleia Legislativa no sábado, 27/5, para a realização de audiência pública sobre o assunto. Educadores temem que essa ação possa ser o início de um projeto que visa à privatização das escolas públicas no país.

Como membro da Comissão de Educação e Cultura, já foi apurado, inclusive por meio de uma CPI, que a incorporação de universidades por grupos financeiros pode levar à precarização das relações de trabalho e à queda da qualidade de ensino. Cito como exemplo as Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), hoje um complexo educacional administrado por grupos empresariais. A partir dessa prática que já vem afetando o ensino superior, chamo a atenção ao que pode estar ocorrendo na educação básica. Um dos novos acionistas da Escola da Vila é adepto do Escola sem Partido, um movimento que ataca Paulo Freire e toda a filosofia progressista da instituição. Essa contradição vai aparecer em algum momento.

Maurício Ayer, pai de um ex-aluno, optou por tirar o filho da escola. Ele falou da contradição de os donos manifestarem ideias absolutamente opostas ao que a Vila sempre foi. Rosangela Veliago, pedagoga, mãe de duas alunas " uma já formada na escola e outra ainda cursando ", explicou que sua escolha pela Escola da Vila baseou-se no projeto pedagógico pluralista que considerava adequado às suas filhas. E acabou fazendo uma autocrítica com relação à sua opção pelo ensino privado.

É uma situação surreal termos de defender a escola de seus próprios donos.

"Negócio da vez"

O professor e jornalista Antônio José Lopes acredita que a área da educação básica está sendo vista pelos fundos de investimentos como o "negócio da vez" e citou exemplos desse fenômeno: "90% do mercado editorial de livros didáticos estão nas mãos de apenas três grandes editoras, sendo que quase metade dessa fatia é controlada pela companhia Tarpon Investimentos; 45% do ensino a distância pertencem à Kroton Educacional, que tem ligações estreitas com fundos de investimentos; e agora 80% da Escola da Vila passam ao grupo Bahema", disse.

Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da USP, enxerga um grande movimento de investimentos no setor da educação superior de massa de baixo custo. Para ele, o mercado agora encontrou um nicho nas escolas alternativas de ensino básico.

Com relação ao setor público, Portela ainda disse que o foco do mercado hoje é a venda de material didático e material apostilado, este último fazendo parte de um pacote que inclui avaliação e formação continuada de professores. Num futuro próximo, acredita que haverá uma tentativa de implementação do modelo norte-americano de gestão privada de escolas públicas.

Depois de aberta a palavra a todos os participantes, comprometi-me a acionar a secretaria da Educação e o Conselho Estadual de Educação " ambos órgãos de fiscalização de escolas privadas " e a levar o assunto à Comissão de Educação da Assembleia. O objetivo é que os novos administradores da Escola da Vila firmem um compromisso de manutenção do conteúdo pedagógico.

(*) Carlos Giannazi é deputado pelo PSOL

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