Opinião - Educação e identidade de gênero: o xis da questão.


31/08/2017 14:34 | Deputado Carlos Giannazi

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A partior de 31/08, os cidadãos do Canadá que não se identificarem com os gêneros feminino ("F - female") ou masculino ("M - male"), poderão optar por ter em seus documentos a menção "X", em referência ao sexo neutro. A intenção é facilitar a obtenção de passaportes, documentos de viagem ou de imigração que correspondam melhor à individualidade das pessoas.

No mês passado, o mesmo país atendeu ao pedido de uma mãe transgênero e expediu o cartão de saúde de um bebê com a indicação "U" (undetermined-indeterminado ou unassigned-não atribuído), para dar a ele, no futuro, o poder de decidir o próprio gênero. Algo bem diferente das ameaças e hostilidades sofridas, recentemente, por um casal de Pernambuco que, com a mesma intenção, decidiu dar ao filho um nome unissex.

As medidas do governo canadense, de cunho aparentemente burocrático ou cartorial, na verdade revelam um profundo respeito ao indivíduo por uma sociedade que já havia incluído na Carta dos Direitos e das Liberdades, que integra a Constituição do país, identidade e expressão de gênero entre os motivos que proíbem discriminação, junto com raça, religião, idade, sexo e orientação sexual.

O Brasil, realmente, não é um Canadá. Lá, o chefe de governo, o primeiro-ministro Justin Trudeau, é um educador de vanguarda, enquanto nós temos de nos contentar com o chefe de quadrilha Michel Temer, que, em vez de avançar nas pautas sociais, nos impõe goela abaixo uma infinidade de retrocessos.

Não bastasse a PEC 55 (hoje Emenda Constitucional 95), que congelou por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, e a reforma do ensino médio, que retirou do currículo disciplinas como artes, filosofia e sociologia, importantes ferramentas para expandir os horizontes dos alunos. Entre os legados de Temer está a retirada pelo Ministério da Educação, em abril deste ano, das expressões "identidade de gênero" e "orientação sexual" da Base Nacional Curricular, mesmo já havendo, desde 2015, uma recomendação da ONU ao Brasil para que questões de gênero e sexualidade estejam incluídas nos planos e politicas públicas.

Com isso, Temer atendeu aos apelos dos setores mais atrasados da sociedade brasileira, como a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, que teve entre seus interlocutores com o Planalto o ultraconservador Marco Feliciano.

Mas também a Assembleia Legislativa, o "puxadinho" do Palácio dos Bandeirantes, fez sua parte em brecar qualquer avanço no Plano Estadual de Educação, que foi aprovado em julho de 2016 com a supressão dos incisos que abordavam a questão da igualdade de gênero. Inclusive, as palavras "gênero" e "sexo", como seus derivados "sexual" e "sexualidade", sequer aparecem no documento.

Na ocasião, apresentei um substitutivo, elaborado em conjunto com a Associação dos Docentes da USP (Adusp) e com apoio de mais oito organizações da área, que abordava a identidade de gênero de forma direta, propondo não só o enfrentamento de todas as formas de discriminação de gênero e de sexualidade, mas a implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito contra a orientação sexual ou a identidade de gênero, criando uma rede de proteção contra formas associadas de exclusão. A proposta também garantia espaços de debate com movimentos sociais e a comunidade acadêmica e científica como processo de superação de preconceitos, bem como a formação inicial e continuada dos educadores sobre democracia e respeito às diferenças.

A depender das atuais políticas de educação, o Brasil continuará sendo um país machista e homofóbico, com os maiores índices de violência contra mulheres e a população LGBT. Somos todos diferentes e só o respeito a essas diferenças nos fará iguais como cidadãos. Os canadenses já se conscientizaram disso. Entre nós, a implementação de uma educação democrática continua sendo o xis da questão.

Carlos Giannazi é mestre em Educação pela USP, diretor (licenciado) de escola pública, deputado estadual pelo PSOL e membro da Comissão de Educação da Alesp.

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