Entrevista com a deputada Célia Leão


21/09/2017 19:29 | Beatriz Correia - Foto: Raphael Montanaro

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Célia Leão<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2017/fg209143.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Célia Leão<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2017/fg209144.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Em 14 de setembro de 1974, um carro capotado na rodovia Pedro Taques mudava a vida de Célia Leão (PSDB). Aos 19 anos de idade, ela ficou paraplégica e a perspectiva de uma vida normal estava cada vez mais distante. Hoje, aos 62 anos, ela lembra, emocionada, das conquistas depois do acidente: sete mandatos como deputada estadual, um como vereadora de Campinas, um casamento e três filhos de parto normal.

Foi a figura de Mário Covas e seu modelo de gestão política, junto com a necessidade de representação das pessoas com deficiência e de um maior número de mulheres na política brasileira que fizeram Célia se interessar e ingressar na política. Saiu candidata a vereadora em Campinas em 1984 e perdeu. Quatro anos depois foi eleita vereadora e em 1990 tornava-se deputada estadual.

A parlamentar comenta nesta edição do Mandato em Pauta a situação atual do Brasil quanto às políticas públicas para as pessoas com deficiência e explica como foi o processo de aceitação da paraplegia: "Eu me aceitei e me assumi paraplégica, o que são duas coisas muito diferentes. Aceitar é algo muito passivo", diz, ao citar o escritor brasileiro Ruy Barbosa. ""É tratando o diferente como igual que se gera a desigualdade". A pessoa com deficiência é gente como todo mundo, a vida dela não é só nela. Dentro das limitações nós passamos por diversas áreas, turismo, educação, saúde, transporte, lazer".

A busca e a defesa de direitos para as pessoas com deficiência entrou como bandeira de seu mandato, mas quando começou a fazer política percebeu que havia outros desafios. "Eu fui decidida a ajudar a criança deficiente, mas quando eu cheguei à periferia percebi que a criança com deficiência era aquela sem mãe, sem pai, aquela que estava com fome, a criança pobre. Ali eu entendi que a deficiência era só um dos problemas e que eu precisava lutar por outras causas", conta a parlamentar que hoje é presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) pela quarta vez e atua em diversas áreas como esporte, turismo, meio ambiente, ciências e tecnologia.

Acidente

Recém-habilitada, a jovem de 19 anos Célia Leão assustou-se com um desnível entre a pista e o acostamento de uma rodovia na região do litoral sul paulista, entre as cidades de Peruíbe e São Vicente " e acabou capotando o carro. Após dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) da Santa Casa de Santos, ela recebeu a notícia de que perdera os movimentos das pernas. "Ali começou uma nova vida. Eu era estudante, tinha mãe, pai, dois irmãos. Quando fiquei paraplégica tudo mudou, esperanças, medos, valores. A primeira reação é acreditar que amanhã você vai voltar a andar, aí passam dias, semanas, meses e você tem que perceber que vai continuar sem andar".

Dois anos depois do acidente, ao ser transportada por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) " por conta da fragilidade da coluna vertebral no momento " o caso de Célia Leão saiu nos jornais locais de Campinas e chamou a atenção de Seu Felício, um senhor de 70 anos, também paraplégico, que contou-lhe sobre um possível tratamento na Europa. Com esforço, a família pagou a viagem. "Eu fui para lá porque eu ia voltar andando. Pensei: se eu vou para Europa, com certeza vou voltar a andar. Mas não foi o que aconteceu".

Célia mantinha uma relação forte com o pai e era muito apegada e ele. Após sete meses em tratamento na Europa, precisou voltar ao Brasil porque ele estava na UTI do mesmo hospital em que ela ficou quando se acidentou. "Eu cheguei lá e um enfermeiro de dois metros de altura por quatro de largura me colocou numa cadeira de rodas e começou a me levar muito rápido por um corredor, virando à esquerda, mas eu conhecia o hospital e sabia que a UTI ficava à direita", relembra.

Quarenta e um anos depois, ela se emociona ao contar que a sala em que o enfermeiro a levara era o necrotério. Cândido Teixeira Leão morreu em um acidente de carro no dia 14 de outubro de 1976, dois anos e um mês depois do acidente da filha. "Eu perdi um pai, perdi um amigo, perdi a pessoa que pagava meu cartão de crédito, que me dava dinheiro para comer, perdi tudo. Eu não sabia se eu chorava porque não andava ou porque não tinha pai". Depois de vários meses chorando, ela conta do dia em que decidiu lutar. "Estava escovando os dentes, olhei para o espelho e decidi que eu precisava seguir. E foi assim, mesmo depois de morto, meu pai me ensinou a viver".

Atividade Parlamentar

O ano de 1981 foi considerado o ano internacional das pessoas com deficiência e ela passou muito tempo nas ruas envolvida com movimentos políticos voltados a esses cidadãos. Nas eleições de 1984, o movimento queria que alguém saísse candidato e Célia Leão foi a escolhida. Recebeu mil votos na cidade de Campinas e não foi eleita, mas tornou-se vereadora nas eleições seguintes. "Em 1988 eu me encantei com a liderança do Mário Covas, com a forma com que ele tratava a questão política", disse.

Covas foi o trigésimo governador do Estado de São Paulo. Deixou o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em 1988 e fundou o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Célia Leão filiou-se ao PSDB em 1988 com intenção de permanecer no debate político, mas sem a pretensão de ocupar novos cargos públicos. Ainda assim, disputou as eleições em 1990 e foi eleita deputada estadual.

Durante os sete mandatos como deputada na Assembleia Legislativa de São Paulo, ela apresentou diversos projetos que se tornaram leis, incluindo a Lei da Acessibilidade. Publicada em 12 de novembro de 2012, a Lei nº 11.263 estabelece normas e critérios para garantir a acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.

A Lei da Recompensa surgiu de um substituto que a parlamentar escreveu como relatório de um projeto de lei do governador Mário Covas, em 2000. Publicada no Diário Oficial em 8 de novembro de 2001, a lei representa uma medida legal para incentivar a população a denunciar ou fornecer pistas seguras que levem à captura de foragidos da Justiça.

A deputada foi responsável ainda, junto com o deputado Cesar Cellegari, pela criação do Parlamento Jovem Paulista, que surgiu a partir do Programa da Cidadania, idealizado em 1999 a fim de promover a inserção, esclarecimento e convivência com o meio político para jovens estudantes.

Célia Leão afirma que ama a política, ama o que faz e que pretende continuar atuando nas questões públicas. Sobre seu futuro como parlamentar afirmou apenas que "o futuro a Deus pertence".

alesp