Opinião - O jejum de Dallagnol


04/04/2018 17:40 | Luiz Fernando Teixeira

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Diante do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do pedido de habeas corpus (HC) preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, muitas foram as formas de pressão que exercidas para que a Suprema Corte de­cidisse de forma contrária à preservação da liberdade de Lula.

A mais absurda de todas, e digo isso especialmente na condição de evangélico, veio do procurador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, que afirmou em sua rede social, no domingo de páscoa (1º/4), que estaria "em jejum, oração e tor­cendo pelo país". Uma declaração vexa­tória e totalmente inapropriada, que feriu claramente os princípios do código de ética da magistratura quando visou a criar uma comoção moral com a clara intenção de manipular a opinião pública, forçando uma decisão que atinjisse Lula.

É lamentável que em nosso país mem­bros do Judiciário sejam alçados ao sta­tus de celebridade, em um peculiar circo de horrores em que seus desafetos são achin­calhados por meio de toda sorte de ilegalidades. Falo em desafeto porque não vejo a mesma "fervorosidade" de Dallagnol contra outros personagens da política nacional. Não houve jejum contra o PSDB ou contra o PMDB nos diver­sos casos de escândalos, comprovados e esquecidos. Não houve jejum contra Geddel Vieira Lima, ex-ministro, dono de R$ 51 milhões (13 milhões de euros) em espécie, encontra­dos pela polícia em um apartamento em Salvador.

Mas surpreende-me um evangélico, que conhece a palavra de Deus, utilizar-se desse expediente contra alguém que tanto fez pelos mais humildes deste país, justamente cumprindo aquilo que está expresso em Mateus 25:35 - "Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber".

A bíblia também fala de um tem­po em que os judeus hipócritas jejuavam, si­mu­lando justiça, e até mesmo pedindo os justos julgamentos de Jeová, enquan­to dedicavam-se a prazeres egoístas e in­teresses comerciais. Envolviam-se em lutas, opressão e violência. Em uma tentativa de encobrir seu comportamento, pratica­vam um lamen­to exibicionista - curvan­do as cabeças como juncos, sentados em serapilheira e cinzas -, aparentemen­te arrepen­didos de seus pecados. Assim, Jesus expôs corajosamente esses hipócritas religiosos, dizendo-lhes que sua adoração era fútil (Mateus 15:7-9).

Como os judeus dos dias de Jesus agi­­­­ram hipocritamente, muitos o fa­zem ho­je. Certa­mente a atitude de Dallagnol foi uma forma de ativismo político, total­mente incompatível com sua função de procurador da República.

Em tempo, o mérito do julgamen­­to do HC do ex-presidente Lula, que teve re­­lação direta com a possibilidade de um réu responder em liberdade até que fossem esgotadas todas as possibilidades de recursos, foi justo e legal. Em contrapartida, a religião cristã não reconhece o jejum como forma de pressão ou chantagem, muito menos quando tem motivação política e caráter militante.

Luiz Fernando Teixeira é deputado pelo PT e primeiro secretário da Alesp

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