O Legislativo paulista e a saúde pública no Estado ao longo da história: Febre Amarela


14/08/2020 18:27 | A Alesp e as epidemias | Luiz Rheda

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Imigrantes chegando de navio no porto de Santos no início do século 19<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252780.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Brasão da cidade de Campinas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252781.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Sede da Alesp em 1850<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252782.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Vista geral da Hospedaria dos Imigrantes do Brás, onde os imigrantes passavam por inspeção médica e sanitária e ficavam de quarentena<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252783.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Chegada de imigrantes em Santos<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252784.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Educadora ordenando as crianças em fila..<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252785.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Viagem de trem pelo interior do Estado no começo de 1900<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2020/fg252786.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Até o descobrimento de América, a Febre Amarela era uma desconhecida da medicina. Foi a partir da segunda expedição de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo, em 1495, que a doença passou a ter registro em estudos científicos.

Cerca de duzentos anos depois, após muita pesquisa, a comunidade científica chegou à conclusão de que o vírus e seu transmissor, o mosquito Aedes Aegypti, vieram juntos da África. Por isso, a chegada da doença ao Brasil está relacionada aos navios negreiros que vieram dessa região trazendo escravos.

Em 3 de dezembro de 1849, uma embarcação que saiu de Nova Orleans e fez escalas em Havana e Salvador, atracou no Rio de Janeiro. Estima-se que a tripulação desse navio estivesse contaminada com a doença, tendo em vista que, nos meses seguinte, em especial na temporada de chuva e calor, os casos de Febre Amarela se multiplicaram pela cidade carioca e se espalharam por outras regiões do país.

Em 18 de maio de 1850, a cidade de Santos, na província de São Paulo, notificou os primeiros casos da enfermidade. Não demorou muito para o município litorâneo se tornar o principal foco da doença.

Medidas para impedir avanço da doença

Mas a então Assembleia Provincial agiu rápido. Em 23 de maio, os parlamentares aprovaram a Lei nº 8, que autorizava o governo a investir recursos para prevenir o contágio da Febre Amarela nas cidades que ainda não haviam sido afetadas e também para acabar com a doença nos locais em que houvesse contaminados.

A norma também previa ajuda aos pobres afetados pela epidemia em qualquer ponto do território paulista.

Pouco tempo após a identificação dos primeiros casos, o Serviço de Saúde de Santos informou que a Febre Amarela havia se propagado também em Iguapé e Ubatuba. Por ser uma doença nova, havia muita dúvida sobre como ocorria ao certo a transmissão.

Nesse período, as autoridades acreditavam que a enfermidade não seria capaz de subir a Serra do Mar rumo ao interior do Estado. No entanto, a presença do principal porto do país no local que era epicentro da doença em São Paulo fez com que a febre se espalhasse rapidamente, sendo levada através de grupos de imigrantes e de pessoas que moravam no interior.

Com o tempo, novos casos foram sendo registrados em outras cidades paulistas, acompanhando o "progresso", como se dizia à época, pelo fato de que a doença acometia locais por onde passavam as estradas de ferro, principal meio utilizado no escoamento da produção de café em São Paulo.

Para conter a propagação da doença, as autoridades adotaram uma série de medidas, como a instalação de estufas e pulverizadores para desinfetar os passageiros e suas malas. Além disso, foi separado um vagão em cada trem para transportar apenas passageiros que vinham de cidades atingidas pela doença.

Passada a tragédia, todo o estado ficou em alerta para o surgimento de um novo surto. Em 1856, a Assembleia Provincial aprovou a Lei nº 10, que autorizava o governo a utilizar a quantidade de recursos que fosse necessária para socorrer, de prontidão, com medicamentos e auxílios financeiros, pessoas indigentes que, estando em território paulista, fossem acometidas por epidemias reinantes, como Febre Amarela e Cólera.

No verão de 1889, a doença voltou a assolar o estado. Naquele ano, uma grande onda da febre matou mais de 3% da população de Campinas. Entre os meses de fevereiro e junho, mais de 400 pessoas faleceram vítimas da enfermidade.

Em seus estudos, o médico Adolfo Lutz calculou que três quartos da população da cidade deixou o local por medo do contágio. O episódio foi tão marcante na história da cidade que o brasão de Campinas, criado em dezembro de 1889, traz uma fênix ao centro para simbolizar o ressurgimento do município após a epidemia.

Nesse período, movimentos higienistas iniciaram um amplo programa de reestruturação das áreas urbanas, que incluía a imposição de normas para garantir a salubridade das moradias, com ruas maiores e casas espaçosas.

A necessidade de sanear as cidades paulistas se tornou algo urgente. Entre o final do século 19 e começo do século 20, teve início, por exemplo, o loteamento do bairro de Higienópolis, na capital, sendo considerado sinônimo de "lugar de higiene".

A Assembleia Legislativa e o novo surto

Na década de 30 do século passado, o Estado de São Paulo viveu uma nova onda de contágio da Febre Amarela. O deslocamento de grandes massas humanas pelo país estava transportando o vírus para diferentes regiões e multiplicando a infecção de pessoas não imunes nas grandes cidades e também no campo.

Nesse cenário, havia o risco de ressurgir o grave quadro epidêmico vivido na segunda metade do século 19. O vírus, que chegou ao Brasil pelo litoral, passou a incorporar elementos dos novos ambientes pelos quais circulava, encontrando inúmeros hospedeiros e sofrendo sucessivas mutações genéticas.

Assim, descobriu-se a existência de dois tipos de Febre Amarela: a silvestre, transmitida pelos mosquitos Haemagogus e o Sabethes, e a urbana, transmitida pelo Aedes aegypti.

Em 1936, a Assembleia Legislativa aprovou uma nova autorização para que o governo tivesse recursos suficientes para conter a disseminação do vírus. A Lei nº 2.544 permitia o uso de dois mil contos de réis na defesa preventiva da saúde pública contra a Febre Amarela, podendo ainda abrir crédito suplementar para fazer frente à epidemia.

A ideia dos parlamentares era preparar e fortalecer o sistema público de saúde para ligar com a grande demanda de possíveis infectados.

No ano seguinte, os deputados criaram o Serviço Especial de Defesa Contra a Febre Amarela, vinculado ao Serviço Sanitário Estadual, comandado pelo médico Emílio Ribas. A Lei nº 3.014 previa ainda a contratação de médicos em tempo integral para atuar nos diversos pontos de atendimento do novo órgão.

De acordo com a norma aprovada, esse serviço seria responsável por combater a transmissão pelo mosquito Aedes aegypti, realizar pesquisas epidemiológicas e científicas e medicar a população, seja por meio da vacinação, ou através de outras medidas profiláticas que fossem necessárias.

Para viabilizar a estruturação do órgão recém-criado, foi autorizado o uso de dois mil contos de réis. Na área de recursos humanos, as secretarias de Estado deveriam ceder técnicos e funcionários para dar andamento aos trabalhos.

A partir dos inúmeros estudos e experimentos desenvolvidos pelo médico Emílio Ribas em parceria com outros profissionais, como o doutor Adolfo Lutz, foi possível conhecer melhor a Febre Amarela e, desta forma, realizar campanhas de prevenção e controle de epidemias.

Além disso, as diversas pesquisas realizadas nessa época auxiliaram no desenvolvimento projetos para a criação de uma vacina capaz de prevenir a doença, o que, no Brasil, aconteceu em 1937.

Descoberta a vacina e passado uma nova epidemia, na década de 50 os esforços dos parlamentares da Alesp se voltaram à prevenção da Febre Amarela.

Em 1953, o Legislativo paulista aprovou a Lei nº 2.475, permitindo que a Secretaria de Saúde Pública e Assistência Social tivesse acesso a mais de 24 milhões de cruzeiros que deveria ser usado para vacinar toda a população do Estado.

Controlada a doença, a Casa dedicou-se, nos anos e décadas seguintes, a elaborar leis voltadas à prevenção e erradicação da Febre Amarela, ao fortalecimento do sistema público de saúde, e ao combate de novas doenças que surgiram no decorrer da história.

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