Grafite: expressão artística é identidade cultural, ferramenta de educação e símbolo de resistência
27/03/2025 08:00 | Arte Urbana | Gabriel Sanches - Fotos: Acervo Museu CÉU/Acervo pessoal Arthur Hunold Lara/ItaúCultural














Os muros de São Paulo são marcados pelo grafite há décadas. A Capital paulista foi a porta de entrada dessa manifestação artística no estado e no Brasil dos anos 1970. Desde então, a prática se consolidou como uma forma de expressão cultural e social, ocupando tanto o espaço público quanto, mais tarde, as galerias e os museus.
O Dia do Grafite, instituído pela Lei nº 17.565/2022, criada e aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, é celebrado em 27 de março e reforça a importância do movimento e do impacto na identidade urbana. Atualmente, a expressão artística está presente no dia a dia do cidadão paulista e serve como ferramenta de educação, símbolo de resistência e da identidade cultural do estado.
Instrumento de transformação
Além da dimensão artística, Cibele Rodrigues, educadora social e coordenadora de oficinas na Unicamp e em Casas de Cultura, destaca o papel do grafite na educação. "O grafite não é só uma forma de expressão, mas também um instrumento de diálogo sobre identidade, território e pertencimento", afirma. Em suas oficinas, ela trabalha com crianças de 6 a 14 anos, além de atuar em casas de cultura e eventos. "Com crianças, focamos no desenvolvimento criativo e na expressão das emoções por meio da arte. O grafite tem uma dinâmica livre, e cada pessoa desenvolve seu próprio estilo", explica.
Segundo Cibele, as oficinas também são um espaço de troca e aprendizado coletivo. "Muitos jovens chegam sem nunca terem segurado um spray na mão, e ao longo dos meses, vão desenvolvendo um olhar mais apurado sobre cor, composição e mensagem." A vivencia da arte urbana também ressignifica a percepção da ocupação da cidade segundo a educadora. "O grafite possibilita que eles se reconheçam como parte do espaço urbano, o que é fundamental para fortalecer a autoestima e o pertencimento social", comenta.
A primeira forma de expressão acessível para crianças e adolescentes de periferias, segundo Cibele, é a arte urbana. "O grafite dá voz para quem normalmente não teria espaço. Muitas das crianças com quem trabalho se surpreendem ao perceber que podem transformar um muro vazio em algo que comunique uma ideia", explica. Cibele também destaca que o grafite é uma forma de empoderamento para esses jovens. "Isso gera um impacto enorme na forma como elas enxergam o próprio potencial", conclui a educadora.
Segundo o pesquisador Arthur Hunold Lara, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e do Programa Interunidades em Estética e História da Arte, a cultura urbana se adapta ao contexto local, mantendo suas raízes, mas dialogando com diferentes influências. "O grafite no interior é bem diferente do grafite da Capital. Na Capital, você tem a periferia e, no interior, o hip-hop é muito forte, a arte está mais mais ligada ao grafite americano", explica.
A trajetória de Cibele mostra essa relação do grafite no interior do estado com a arte dos Estados Unidos. Seu envolvimento com a arte começou em 1998, quando conheceu grafiteiros em São Paulo e levou esse conhecimento para Campinas. "Vivi um período do hip-hop em que o movimento estava se politizando e buscando reconhecimento como um movimento social", conta. A experiência levou à criação da Casa do Hip-Hop de Campinas, a segunda do Brasil, e à implementação de um conselho municipal para o movimento.
Desde 2024, a cultura hip-hop é reconhecida como patrimônio cultural imaterial do estado de São Paulo, título concedido por meio da Lei nº 17.896/2024, de autoria da deputada Leci Brandão (PCdoB) e coautoria dos deputados Marcio Nakashima (PDT), Márcia Lia (PT) e Emídio de Souza (PT). Entre os elementos que compõem o movimento que são citados no Projeto de Lei está o próprio grafite.
Pioneirismo
Arthur Lara, que, além de professor e pesquisador também viveu o mundo da arte urbana, relembra um episódio que ilustra a presença marcante do grafite na cena artística paulistana: "Eu tinha um ateliê perto da USP. Era uma vilinha e um dia eu chego em casa e tem uma bota grafitada na porta do ateliê. Aí eu perguntei: 'Ô, Carlos, o que é essa bota?'. Era do Vallauri". Carlos, de quem Arthur se refere, é Carlos Matuck, um dos pioneiros do grafite no Brasil, companheiro do professor e de Alex Vallauri em diversas intervenções artísticas.
Vallauri foi um dos primeiros artistas a introduzir o grafite na cena cultural brasileira. Seu trabalho incorporava elementos do cotidiano e fazia uso de estênceis, uma técnica de pintura que utiliza um molde vazado para aplicar tinta em superfícies para criar imagens de fácil reprodução. Foi deste modo que produziu suas obras de maior reconhecimento, a "Rainha do Frango Assado" e a "Bota", a que estava na porta do ateliê de Arthur, mas que também ganhou as ruas de Nova Iorque.
O exemplo de Vallauri mostra, segundo Arthur, que a relação do grafite com a cidade e com a resistência política segue presente. "A gente foi valorizado lá fora e discriminado aqui dentro", afirma. Ele também aponta como o grafite ultrapassou os limites das ruas e alcançou novos espaços de exibição. "Partimos para fora do muro."
Com exposições no Museu de Arte Moderna de São Paulo, Bienais, entre outros, Vallauri também levou sua arte para galerias, conectando o grafite ao circuito das artes visuais e ampliando sua aceitação no meio artístico. Sua trajetória foi marcada pela busca por novas formas de expressão e pelo uso do humor e da ironia para questionar padrões sociais.
Esse fenômeno, segundo Arthur, ilustra como o grafite foi se alçando às galerias de arte, mas sem perder suas raízes na cultura de rua, mostrando sua relevância tanto no espaço público quanto em contextos mais comerciais e turísticos.
Beco do Batman
Na Capital, um dos símbolos da expressão artística e dessa metamorfose que sofreu ao longo dos anos é o Beco do Batman, na Vila Madalena. Em 1975, quando ainda era conhecido como 'Larguinho', o Beco se tornou um importante ponto de encontro para artistas urbanos e estudantes. Isso se deu porque, em 1968, com o fechamento do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) pela Ditadura Militar, muitos alunos da USP começaram a alugar casas no bairro no formato de repúblicas de estudantes, o que impulsionou o movimento artístico e contribuiu para a formação da cultura local.
Um desses estudantes era justamente o professor Arthur Lara. Segundo ele, nos anos seguintes, o local foi se transformando, com grafiteiros de diversos estilos e influências deixando sua marca nas paredes, até que se tornou o Beco do Batman como é conhecido hoje.
O local na Zona Oeste da de São Paulo é um exemplo claro de como o grafite se tornou parte integrante da identidade cultural da cidade, mantendo sua essência de manifestação popular e, ao mesmo tempo, se adaptando às demandas contemporâneas de visibilidade e valorização. "Ele movimenta todo o bairro agora. O que a gente começou numa rua acabou virando uma galeria a céu aberto. Muitas casinhas ali viraram galerias de arte", comenta o professor, ressaltando como o local reflete a transformação de um ambiente urbano através da democratização da arte, normalmente exclusiva aos museus.
A importância de Vallauri foi reconhecida com a instituição do Dia do Grafite em 27 de março, data de sua morte em 1987, como uma homenagem ao impacto de sua obra. Nascido na Etiópia e de origem italiana, o artista faleceu em decorrência da Aids, em um período em que a doença ainda não tinha tratamento, gerando grande comoção no meio cultural. Seu legado permanece na influência sobre gerações de grafiteiros e na consolidação do grafite como uma forma legítima de expressão artística no Brasil.
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