Pesquisa sobre violência política de gênero na internet aponta falta de apoio a vítimas

Estudo realizou entrevistas com 28 mulheres atuantes na política nacional e analisou ataques online; pesquisa foi lançada na Alesp em evento promovido pela deputada Paula da Bancada Feminista (Psol)
12/12/2025 16:53 | Democracia | João Pedro Barreto - Fotos: Larissa Navarro

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Pesquisa é lançada na Alesp<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358590.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Estudo apontou falta de apoio institucional<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358591.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Julie Ricard: mulheres se sentem sozinhas frente a ataques<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358592.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Anna Spinardi: violência digital é entendida como parte do jogo político<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358593.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Paula Nunes: proteção deve vir das casas legislativas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-12-2025/fg358594.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo foi palco do lançamento de uma pesquisa sobre violência em meio digital contra mulheres da política brasileira. O estudo apontou que parlamentares, candidatas e lideranças partidárias vítimas de violência de gênero - facilitada pela tecnologia - encontram pouco apoio das instituições e dos próprios partidos. O evento, realizado na noite da última quinta (11), foi promovido pela deputada Paula da Bancada Feminista (Psol).

"A falta de estrutura ainda é um dos pontos principais que precisamos discutir. As mulheres, muitas vezes, se sentem sozinhas frente a esse problema e a esses ataques", disse a pesquisadora principal do projeto, Julie Ricard, que é também doutoranda em Administração Pública e Governo na FGV. Ela encabeçou o estudo feito pela Data-Pop Alliance, organização global sem fins lucrativos, com apoio da Advancing Learning and Innovation on Gender Norms (Align), plataforma digital inglesa de suporte a projetos de pesquisa.

Através de métodos quantitativos e qualitativos, os pesquisadores chegaram à conclusão de que o sistema político brasileiro não oferece suporte suficiente para acolher mulheres vítimas de violência. "Na maioria dos casos, esse tipo de violência sofrido pelas parlamentares é encarado como um problema delas, isolado. Como são figuras públicas e se expõem na mídia, essa violência digital é entendida como parte do jogo político", explicou a diretora do programa de Feminismo de Dados da Data-Pop Alliance, Anna Spinardi, sobre a postura dos partidos.

Anna comentou que algumas siglas contam com estruturas de apoio às parlamentares, enquanto outros não possuem nenhum mecanismo. A maioria dos partidos não entende os ataques sofridos pelas mulheres no ambiente digital como uma forma de violência política de gênero. "Eles reconhecem quando já é uma coisa muito mais palpável, como quando uma mulher sofre um atentado ou é perseguida", disse Anna. Ameaças, campanhas de ódio ou fake news são coisas normalizadas.

Anna Spinardi contou que encontraram partidos que sequer prestam solidariedade publicamente às suas parlamentares vítimas de violência. Por outro lado, alguns já possuem estruturas mais consolidadas de suporte, como equipes de orientação jurídica.

"Ainda assim, cabe à parlamentar decidir o que fazer. Não existe uma estrutura institucionalizada que realmente apoie e ajude a buscar as devidas medidas legais para ir atrás dos agressores. Então, para algumas mulheres funcionam, para outras não. Algumas parlamentares, por exemplo, precisam pagar do próprio bolso uma escolta armada por terem sofrido ameaças", afirmou Anna Spinardi.

A deputada Paula da Bancada Feminista salientou que as instituições democráticas do país devem, também, ser mais atuantes. "A nossa principal cobrança é a garantia de que essa proteção venha, em primeiro lugar, das casas legislativas às quais nós pertencemos. A Alesp precisa dar respostas contundentes ao combate à violência política de gênero, que, é importante dizer, não acontece só no âmbito virtual", disse.

A parlamentar ainda reclamou da falta de ações do Executivo estadual quando as deputadas da Assembleia, de forma coletiva, foram ameaçadas por e-mail no início deste ano. "O Governo Brasileiro precisa entender que é a proteção da nossa democracia. Então são necessárias medidas contundentes de investigação, de preparação do judiciário e de proteção dessas mulheres", concluiu Paula Nunes.

O estudo

A pesquisa foi motivada, segundo as coordenadoras, pelo aumento da violência contra mulheres na política e busca enfrentar "um dos desafios mais urgentes da vida democrática". O estudo se baseou nas informações coletadas em entrevistas realizadas com 28 mulheres, entre parlamentares eleitas ou candidatas (15) e lideranças partidárias (13). Elas pertenciam a 13 partidos diferentes, seis considerados de esquerda e sete de direita.

"A gente queria uma representação política ampla, independente do espectro político. Queríamos uma amostra equilibrada", explicou Anna Spinardi. Ela pontuou que foi feita uma busca ativa por possíveis entrevistadas por meio dos contatos dos diretórios nacionais dos partidos.

Além das entrevistas, foram analisados manualmente 6,4 mil conteúdos que mencionavam mulheres envolvidas na política, retirados de grupos públicos do aplicativo de mensagens Telegram. Desse montante, foram contabilizados 1.165 ataques direcionados às parlamentares. Ainda foi feita uma análise dos estatutos e sites dos 20 partidos que compõem a Câmara dos Deputados para descobrir as referências que fazem à violência política de gênero.

Impacto

Além da conclusão de falta de apoio institucional frente a casos de violência política de gênero na internet, a pesquisa apontou que os ataques perpassam todos os espectros políticos e variam de acordo com a etnia, a idade ou o posicionamento político da parlamentar. Além disso, constatou danos em cascata, afetando a saúde mental da vítima, sua vida profissional, seu núcleo familiar, e até o próprio funcionamento pleno da democracia brasileira. Julie Ricard contou que escutou relatos difíceis de digerir durante as entrevistas realizadas com as parlamentares e ressaltou que essa questão não deve ser tratada como um problema individual dessas mulheres.

"Esses ataques que ocorrem na esfera digital acabam sendo colocados como menos importantes ou menos graves. A gente precisa entender isso como algo que afeta de diferentes formas a participação feminina na política e que é um problema sistemático. Ou seja, estamos falando de um ataque à democracia", defendeu Julie.

Ela, no entanto, enfatizou que o que mais escutou durante as entrevistas não foram histórias de medo, mas sim de resiliência. "Tem casos de mulheres que falaram que saíram da política porque adoeceram e não tinham mais o que entregar. Mas o que mais ouvimos foram mulheres dizendo: 'Não vão nos tirar daqui'. Elas sentem que têm uma responsabilidade não só com elas mesmas, mas também com quem as elegeu e com a democracia do Brasil."

A deputada Paula Nunes é um desses exemplos. Ela diz que vivenciou vários episódios de violência por meio da internet, com ameaças de todos os tipos, inclusive quando ficou grávida de sua filha.

"Cada vez que uma de nós se retira da política, dá um passo atrás, porque tem medo, ou se sente acuada, isso, sem nenhuma dúvida, é um atentado à nossa democracia. Os episódios que vivi mudaram tudo na minha vida, especialmente a minha forma de ser parlamentar. Isso também se transformou em uma bandeira do meu mandato. Garantir que, como condição da democracia no Brasil, mulheres eleitas exerçam seu mandato como qualquer outra pessoa", afirmou a parlamentar.

Recomendações

Para além de apontar problemas, o estudo ainda deu recomendações ao Poder Público de ações necessárias para que a violência política de gênero na internet seja combatida de forma eficaz.

No âmbito legislativo, as pesquisadoras apontaram que o Brasil conta com leis que versam sobre violência de gênero - Lei Maria da Penha -, violência política de gênero - Lei Federal nº 14.192/2021 - e violência de gênero na internet - Leis Carolina Dieckmann e Lola Aronovich. Entretanto, são normas que não tratam especificamente de casos de violência política de gênero facilitada pela tecnologia, que deveriam ser integradas de uma forma que esses instrumentos jurídicos possam ser usados para proteger as parlamentares.

Outro passo essencial para avançar na proteção das mulheres na política é a regulação das redes sociais e das grandes empresas de tecnologia, as big techs. "Antes de responsabilizar os indivíduos, o que vai ser muito difícil, precisamos responsabilizar essas empresas. Tem discurso de ódio correndo solto nas plataformas, que, pelas próprias regras de moderação, deveria ser moderado, mas não é porque não tem investimento suficiente", disse Julie Ricard.

Paula da Bancada Feminista também defendeu que a regulação é "extremamente necessária" para frear o avanço não só da violência política de gênero, mas também de outros discursos de ódio contra minorias. Segundo ela, já é sabida a existência de grupos organizados que disseminam essas mensagens e ameaças por meio das redes sociais.

"Infelizmente, a internet virou terra sem lei. Não é possível que esse tipo de ódio seja disseminado e seja tão difícil descobrir a autoria. Nós recebemos e-mails ameaçando todas as deputadas mulheres da Assembleia Legislativa e não é possível que não consigamos identificar quem, dentro do nosso próprio país, os enviou", comentou.

Assista ao evento, na íntegra, na transmissão da TV Alesp:

Confira a galeria de imagens do evento

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