1966: A queda de Adhemar de Barros


06/06/2011 20:35
Laudo Natel

Presidente Castelo Branco em reunião ministerial

General Amaury Kuel


Hoje, damos sequência à série de reportagens sobre a trajetória política de Adhemar de Barros. Na última edição de 4/6, Adhemar tinha conseguido interferir na eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, quando apoiou Francisco Franco para a presidência da Casa, contra Waldemar Lopes Ferraz, o candidato do partido governista, a Arena. Isso deixou o governo federal com receio de perder a sucessão estadual indireta, que passava pela Assembleia. O candidato escolhido pelo governo federal era o ex-deputado Roberto Costa de Abreu Sodré, que procurou o presidente Castello Branco para relatar esquema de empréstimos de Adhemar, através de títulos públicos, as chamadas "adhemaretas".

Castello, após ouvir os reclamos dos seus ministros, afirmou que iria agir. O governo tinha duas alternativas: cassar o mandato de diversos deputados estaduais paulistas e assim garantir o quórum que daria a vitória ao candidato do partido do governo, o já indicado Abreu Sodré ou em uma medida mais radical cassar o mandato do próprio governador Adhemar de Barros.

Adhemar ainda iniciou uma série de nomeações na administração publica de São Paulo, que recebeu críticas de todos os lados. O descalabro praticado chegava ao ponto do, em apenas 30 dias, astronômico número de 16.600 nomeações. Essa cifra chegou a 20.377 no período de seis meses. A situação era tão absurda, que notícia divulgada pela imprensa chamou a atenção: na cidade de Laranjal Paulista, foram nomeados dois motoristas para o posto de saúde, que não possuía nenhuma ambulância...

Em 2 de junho de 1966, o governo federal fez divulgar pelos jornais do país, que o Conselho de Segurança Nacional, subordinado diretamente à Presidência da República, estava investigando as nomeações em São Paulo. O cerco ao governador paulista se fechava.



O vice Laudo Natel



Mas, poucos dias antes, em 29 de maio, o presidente Castello Branco havia telefonado para o vice-governador paulista Laudo Natel, solicitando a sua presença no Rio de Janeiro, para conversar. O encontro durou duas horas, e foi falado até sobre futebol. Castello tinha conhecimento de toda a vida de Natel, mas a conversa terminou subitamente. O vice-governador ficou sem entender e, segundo suas memórias, ao deixar o Palácio das Laranjeiras, indagou a si mesmo: "Que raio de conversa é essa?!".

Laudo Natel havia sido eleito por uma chapa independente (a legislação eleitoral de então desvinculava os candidatos a governador e a vice), formada pelo Partido Republicano (PR). Ele havia obtido surpreendente votação, com 1.200.807 votos, mais do que Jânio Quadros obteve para governador. O candidato a vice, apoiado por Adhemar, o advogado Teotônio Monteiro de Barros, conseguiu 543.411 votos, ficando em terceiro lugar, atrás do brigadeiro Faria Lima, vice da chapa de Jânio, que teve 944.604 votos.

Natel era uma novidade na política, nunca havia concorrido a um cargo público ou participado de uma eleição, tendo feito toda a sua carreira profissional no Banco Brasileiro de Descontos - Bradesco, chegando à direção da instituição bancária. Como desportista, galgou vários postos no São Paulo Futebol Clube chegando à presidência, sendo um dos grandes responsáveis pela construção do estádio Cícero Pompeu de Toledo, no Morumbi.

Por ser desconhecido na esfera política, sobre ele pairava dúvidas acerca de qual seria sua conduta na direção do governo paulista. Entre os que tinham dúvida estava o próprio presidente da República, marechal Castello Branco.



Decisão pela cassação



Roberto Campos foi obrigado a vir a São Paulo, no dia 3 de junho, para rebater as críticas de Adhemar de Barros sobre a política econômica do governo federal, em um programa de televisão. O governador mandou um carro buscar o ministro, no aeroporto de Congonhas, mas ao contrário do que ele pensava, não foi levado ao Palácio dos Bandeirantes, mas ao apartamento de Ana Benchimol Capriglione, amante de Adhemar, conhecida como "dr. Rui". O apartamento era localizado na confluência das avenidas Ipiranga e São Luís, no centro da cidade, onde o chefe do executivo paulista se encontrava doente, acometido de uma forte gripe.

Após participar do programa, chegando ao hotel onde estava hospedado, Roberto Campos recebeu um recado que o presidente necessitava falar-lhe com urgência, mas pelo adiantado da hora só pode retornar a ligação na manhã seguinte, quando Castello Branco determinou o regresso imediato de seu ministro ao Rio de Janeiro.

O ministro da Indústria e Comércio, o paulista Paulo Egydio Martins, foi surpreendido também por um telefonema de Castello Branco, convocando-o para uma conversa no Palácio das Laranjeiras, residência oficial da Presidência, no Rio de Janeiro, na manhã do dia seguinte, 4 de junho de 1966.

A reunião convocada pelo presidente contou com a presença do chefe do Gabinete Civil Luís Viana Filho, do Gabinete Militar general Ernesto Geisel, do chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) general Golbery do Couto e Silva, do ministro da Justiça Mem de Sá, do ministro da Educação Pedro Aleixo, do ministro da Fazenda Octavio Bulhões, do ministro Paulo Egydio Martins e posteriormente de Roberto Campos. Nesse encontro foi decidida a cassação do mandato de Adhemar de Barros e, em consequência, a perda de seus direitos políticos por dez anos. Durante a reunião, o chefe de gabinete do Ministério da Justiça, o professor e jurista João Leitão de Abreu, descobriu uma dificuldade de natureza jurídica: pelo Ato Institucional nº 2, o presidente só poderia cassar mandatos parlamentares. A solução encontrada foi a redação de um novo ato que recebeu o número 10 e foi publicado no Diário Oficial, de 7 de junho, sanando a questão legal.

Extremamente formal no seu contato com as pessoas, o marechal Castello Branco informou a Paulo Egydio a grave situação em que se encontrava o governo paulista, e a sua decisão de afastar o chefe do executivo paulista, Adhemar de Barros, do poder. A ideia inicial era decretar a intervenção federal no Estado de São Paulo, e nomear um interventor de inteira confiança do presidente. Paulo Egydio não teve dúvida em demonstrar sua contrariedade com uma intervenção, e lembrar a Castello Branco que isso repercutiria muito mal na sociedade paulista, recordando o que ocorreu em São Paulo após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas nomeou vários interventores e o descontentamento culminou com outra Revolução: a Constitucionalista de 1932.



Natel assume o governo



A sugestão de Paulo Egydio acabou sendo acatada por Castello Branco e, no próprio dia 4, ligou novamente para Natel. Sua esposa dona Zilda atendeu o telefonema e informou que o marido não se encontrava. Com voz grave, o presidente perguntou se ela sabia onde ele se encontrava. Ligando para a residência do amigo, onde Natel estava, o presidente perguntou: "Eu não vou prejudicar o seu futebol?", e pediu a Natel que novamente fosse ao seu encontro, no Rio, mas que fizesse a viagem de carro, da maneira mais discreta possível.

Castello convocou ainda para um encontro, no Palácio das Laranjeiras, o comandante do 2º Exército (sediado em São Paulo), general Amaury Kruel, sobre quem pairava dúvidas acerca da lealdade ao poder central, em face de sua amizade com Adhemar de Barros. O dialogo entre os dois foi rápido e direto: o presidente o enquadrou na condição de chefe supremo das forças armadas, e o colocou a par do que pretendia fazer com o governador paulista. Ao término de sua explanação, indagou: "Tem alguma ressalva a fazer"? Tendo Kruel respondido: "Nenhuma. Cumprir as ordens de manutenção da ordem pública". Castello determinou que ele levasse para São Paulo um exemplar do Diário Oficial da União, que circularia com data do dia seguinte, 6 de junho de 1966, com o ato de cassação do mandato do governador de São Paulo. Coube a Kruel a constrangedora missão de participar a Adhemar, na tarde do próprio domingo, quando retornou à capital paulista, de sua cassação e da perda dos direitos políticos, mostrando-lhe o exemplar do Diário Oficial. O 2º Exército durante a crise permaneceu de prontidão, e os demais, 1º, 3º e 4º Exércitos, estavam de sobreaviso.

O cardeal arcebispo de São Paulo, dom Agnello Rossi, ao tomar conhecimento dos fatos, foi ao encontro do ainda governador Adhemar de Barros, que estava em um estado de profundo abatimento e prostração, para que aceitasse a decisão presidencial evitando qualquer atitude de reação.

Ao chegar ao Rio, no domingo, 5 de junho, Natel foi recebido nas Laranjeiras pelo marechal Castello Branco, que informou a decisão do governo federal de afastar Adhemar de Barros do cargo. O vice se viu desconfortável na situação, e disse ao presidente:

"Antes de aceitar o pedido, eu gostaria de conversar com o governador Adhemar de Barros pessoalmente".

"Não. Isso não lhe compete", reagiu o presidente, que abriu uma gaveta e mostrou o exemplar do Diário Oficial da União, com data do dia seguinte, publicando o ato de afastamento do governador de São Paulo do cargo.

Cientificando Natel que assumiria o cargo de chefe do executivo paulista, Castello Branco receando que Adhemar pudesse organizar uma resistência, preveniu: "O senhor guarde reserva disso, porque ninguém sabe".

No trajeto de retorno a São Paulo, pela via Dutra, Natel se perguntava como assumiria o governo. Ironicamente imaginou: "Como é que eu faço agora? Chego lá no palácio e grito: eu sou o governador?"

Em uma parada na via Dutra, telefonou para a esposa. Ela confirmou que a residência da família, no bairro do Pacaembu, estava cercada de jornalistas. Ele respondeu que então não iria dormir em sua casa. Chegando a São Paulo, foi para a residência de seu amigo e companheiro de viagem nos Jardins, perto da Avenida Paulista.

Leia na próxima edição, o impacto no Estado com a notícia da cassação de Adhemar de Barros.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. Diretor do Departamento de Documentação e Informação da Alesp.

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