Opinião - A luta pela democracia racial


12/05/2009 16:56

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Neste 13 de maio, quando relembramos a assinatura da Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil, faço um convite à reflexão sobre a distância que nos separa da verdadeira democracia racial.

Relata-nos a história que na data de hoje, ano de 1888, a princesa Isabel libertou os escravos. Claro está, no entanto, que o ocorreu foi o descarte, puro e simples, de uma multidão de homens e mulheres, estigmatizados por quase quatro séculos de escravidão.

O ato "libertador" colocou na rua, sem lenço e sem documento, sem emprego, sem moradia e sem qualquer tipo de recompensa quase 800 mil negros. Apenas 0,9% sabia ler! A verdade é que a mão-de-obra escrava já não interessava. O Estado incentivava a imigração, como parte de uma escancarada "política de branqueamento" da população brasileira.

A abolição, sem um processo de reparação e integração, foi tão cruel que outra alternativa não restou aos "recém-libertos" se não continuar sobrevivendo das sobras do poder.

Hoje, 121 anos depois, persiste um processo de perpetuação da incabível desigualdade, que precisa urgentemente dar lugar à coerência de uma sociedade democrática, que se paute pelo equilíbrio de oportunidades entre todos os segmentos.

Apesar da dura realidade vivenciada e potencializada à partir do dia seguinte à farsa da abolição, a população negra nunca abriu mão de seus direitos e manteve firme a sua luta. O Governo Lula, sensível à causa, tem efetivado conquistas que favorecem novos tempos. Entre os avanços, há que se comemorar a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003, e a realização da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em 2005.

As cotas para negros já são aplicadas em mais de 60 universidades públicas. A sanção da Lei 10.639, que dispõe sobre o ensino da História e Cultura Afrobrasileira e Africana nas escolas, abre a possibilidade de uma nova consciência. A criação do Programa Universidade para todos (Prouni), do Programa Brasil Quilombola, também merece ser destacada.

Há que frisar, no entanto, que a implantação da maioria das políticas públicas não depende somente do governo federal. É preciso que haja, também, o compromisso dos governos estaduais e municipais. Lamenta-se profundamente que, passados seis anos, a Lei 10.639 não esteja sendo cumprida, conforme constata o Ministério da Educação (ME).

Como forma de incentivo, o ME e a SEPPIR planejam destinar recursos extras aos estados e municípios que implantaram o ensino da história e cultura africana e brasileira em suas escolas. É revoltante ser necessário criar incentivos financeiros para que seja aplicada a lei, que é importantíssima para o resgate da história e conseqüente elevação da auto-estima dos afrodescendentes, principalmente das crianças.

Sabemos que ainda há muito a ser alcançado. Os danos causados pela escravidão foram tão grandes que, apesar de toda a luta, garra e coragem, os negros e negras brasileiros representam a maioria dos desempregados, dos sem moradia e daqueles que não têm acesso à saúde e à educação.

São poucos os negros que ocupam espaços de decisão nas empresas públicas e privadas, nos poderes constituídos e nas profissões de maior prestígio social. Essa situação se potencializa quando somada à con­dição de gênero, colo­cando a mulher negra na base da pirâmide social brasileira. Com isso, as crianças negras acabam não possuindo modelos que as levem a aspirar à ocupação de espaços hoje dominados pela população branca.

Por tudo isso, neste 13 de Maio, devemos elaborar propostas, potencializar nossa fiscalização e, acima de tudo, planejar ações que contribuam para moldar uma nova realidade.

Às vésperas da realização da II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que ocorrerá entre os dias 25 e 28 de junho, em Brasília, reafirmo meu compromisso com a construção de um país verdadeiramente democrático e igualitário, que só ocorrerá quando o racismo, o machismo, e todas as formas de discriminação estiverem banidos de nossa sociedade.



*Maria Lúcia Prandi é educadora, deputada estadual pelo PT e cientista política

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